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Medo de intervenção dos EUA na Líbia remete à situação no Iraque

Anne Applebaum

09/03/2011 00h02

Eu estou me empenhando, mas simplesmente não estou ouvindo as “vozes do mundo inteiro”, às quais o meu colega Charles Krauthammer se referiu na semana passada, que “estão pedindo a intervenção dos Estados Unidos para ajudar a derrubar Muammar Gaddafi”. É verdade que John Bolton, ex-embaixador dos Estados Unidos na Organização das Nações Unidas (ONU) e atualmente colaborador da Fox News, declarou que “fortes palavras (e ações) norteamericanas são amplamente justificadas” na Líbia. É igualmente verdade que um grupo de políticos e escritores norteamericanos apoiou também esse tipo de resposta enérgica.

Mas fora das fronteiras dos Estados Unidos, só existe silêncio em relação a isso. Sem dúvida não há ninguém no mundo árabe suplicando pela intervenção militar norteamericana, ou, na verdade, por qualquer tipo de intervenção por parte dos Estados Unidos. Os democratas egípcios estão hesitando até mesmo em aceitar o nosso dinheiro para projetos de desenvolvimento (“A ajuda dos Estados Unidos pode ser mal interpretada”, explicou educadamente um futuro político egípcio alguns dias atrás em uma declaração ao jornal “The Washington Post”).

Não existe ninguém tampouco na Ásia e na Europa pedindo que os fuzileiros navais norteamericanos desembarquem no litoral da Líbia. Os franceses, sentindo-se culpados por terem deixado de apoiar (ou até mesmo de prever) a revolução na Tunísia, enviaram ajuda humanitária a Benghazi, mas, simultaneamente, argumentaram contra o envolvimento militar. Os britânicos já protagonizaram a primeira tentativa isolada para identificarem o que poderia ser feito. No último sábado, uma equipe de tropas de elite britânicas e um agente do serviço de inteligência MI6 desembarcaram perto de Benghazi, procurando simplesmente estabelecer contato com os rebeldes. Eles foram imediatamente presos, algemados, interrogados e expulsos do país. Aparentemente, a última coisa que os rebeldes desejam é o estigma resultante de um contato com estrangeiros.

Por que essa ansiedade dos árabes em relação ao auxílio norteamericano e ocidental? Por que a relutância entre os nossos aliados? A resposta pode ser resumida em uma única palavra: Iraque. Conforme Krauthammer disse, longe de estabelecer “um exemplo para toda a região”, o Iraque funciona como uma advertência contundente: cuidado, pois esse poderá ser o destino do seu país.

Quando as Forças Armadas dos Estados Unidos invadiram o Iraque, nós não sabíamos nada a respeito da oposição iraquiana, exceto aquilo que havíamos escutado de uns dois exilados. Os nossos soldados não falavam árabe e não receberam instruções sobre o que fazer assim que chegassem a Bagdá. A incompetência levou ao caos, que por sua vez gerou violência: dezenas de milhares de pessoas morreram em uma guerra civil que durou oito anos. Embora uma frágil democracia tenha agora emergido, este não é um exemplo que ninguém, em lugar nenhum, deseja seguir.

Não é difícil entender porque os líbios e povos de outros países possam temer uma repetição daquilo que ocorreu no Iraque. Na verdade, o momento de fazer contato com a oposição líbia foi no período de um a cinco anos atrás, quando Tony Blair estava apertando a mão de Gaddafi dentro de tendas no deserto e as companhias ocidentais de petróleo fechavam negócios no país. Mas os britânicos não fizeram esse contato. E nós também não fizemos. Agora nós não sabemos sequer quem são eles. Vários coronéis emergiram como “porta-vozes” dos rebeldes? Mas de todos os rebeldes? Ou de apenas alguns deles? Notícias da imprensa mencionam “relatos secundários obtidos nas redes dos rebeldes” como fontes. Em outras palavras, alguém disse a alguém o que estaria ocorrendo. Conforme a aventura fracassada dos britânicos demonstrou, os espiões também não estão sabendo de nada.

Nós deveríamos impor sanções contra a Líbia, oferecer ajuda humanitária e implementar uma zona de interdição de tráfego aéreo a ser ativada caso os rebeldes começassem a perder a guerra. Mas, no momento, mesmo se as nossas Forças Armadas dispusessem de verbas ilimitadas, e elas não dispõem, o Pentágono não está equipado para instituir a democracia na Líbia. Essa é uma tarefa para as precariamente financiadas redes internacionais de rádio, especialmente aquelas que fazem transmissões em árabe; para instituições independentes como a National Endowment for Democracy; e para grupos que treinam juízes e jornalistas. Demorará até que nós disponhamos de tais contatos para estabelecer tais programas na Líbia. Nós deveríamos começar a fazer esses contatos neste momento.

É bom estar do lado correto da história, e eu não me surpreendo com o fato de os apoiadores que restaram de George W. Bush estarem neste momento se sentindo bem quanto à “agenda da liberdade” que ele algumas vezes defendeu, e da qual algumas vezes se esqueceu quando era presidente. É importante que os nossos soldados e diplomatas falem a língua das pessoas que nós desejamos influenciar. E é importante entender as divisões étnicas e tribais do local que desejamos ajudar. Não devemos repetir erros cometidos no passado: antes de enviarmos a 101º Divisão Aerotransportada, deveríamos descobrir o que as pessoas que vivem no local desejam e do que elas necessitam. Porque, neste momento, eu não ouço nenhum apelo pela nossa ajuda. Eles temem aquilo que a “assistência” norteamericana possa fazer com o
seu país.