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Não fale sobre a guerra na Líbia

O ditador líbio Muammar Gaddafi, em aparição na TV estatal da Líbia - Reprodução/AFP
O ditador líbio Muammar Gaddafi, em aparição na TV estatal da Líbia Imagem: Reprodução/AFP

Anne Applebaum

08/06/2011 00h00

O governo espera que Gaddafi caia antes que o Congresso descubra o que isso está custando

O presidente da África do Sul já foi e já voltou. A ONU está preocupada, mas não faz nada a respeito. A Otan anunciou que continuará sua campanha de bombardeios na Líbia, mas o coronel Muammar Gaddafi não anunciou sua renúncia. Os rebeldes estão no controle de Benghazi, mas o governo controla Trípoli. Até o final de abril, os bombardeios da Otan haviam destruído mais de um terço da capacidade militar de Gaddafi, mas não mexeram na linha de frente. Quase nada mudou desde então.

Em outras palavras, a guerra na Líbia – ou a rebelião na Líbia, ou seja lá como a estivermos chamando – está em um impasse. Mas seria ruim, um impasse?

Depende de para quem você pergunta. O senador John McCain (republicano - Arizona,) tem sido muito claro a respeito. Há algumas semanas, ele contou ao “Meet the Press” que um impasse atrairia a Al Qaeda para a Líbia – ou outros que pudessem tirar vantagem da ausência de uma autoridade política. Pelas mesmas razões, o senador Lindsey Graham, (republicano - Carolina do Sul), pediu à Otan que atacasse Gaddafi diretamente – para “cortar a cabeça da cobra”. Do outro lado do espectro político, o representante Dennis Kucinich (democrata – Ohio) pediu para que o presidente Barack Obama se retirasse imediatamente da Líbia, alegando que um envolvimento a longo prazo dos Estados Unidos ali é ilegal e inconstitucional – e um impasse, por definição, significa um compromisso a longo prazo. As forças americanas estiveram envolvidas na Líbia de uma forma ou de outra desde meados de março. Estamos nos aproximando da segunda semana de junho, e não há sinal evidente de um fim.

Um impasse passa uma má impressão. Ele faz com que a Otan pareça impotente. Um impasse também soa mal, e é por isso que ninguém o defende publicamente. No entanto, há muitas pessoas, pelo menos nos Estados Unidos e no Reino Unido, que estão totalmente satisfeitas com sua política para a Líbia exatamente do jeito que está, mesmo que elas nunca afirmem isso. Mas elas dão pistas: algumas semanas atrás, a Secretária de Estado Hillary Clinton declarou que “o tempo está agindo contra Gaddafi”. Ela argumentou que o líder líbio nunca mais conseguirá estabelecer controle sobre o país. Em vez disso – pelo menos teoricamente – as sanções começarão a pesar, faltará mais comida e combustível, seus seguidores ficarão inquietos e seus comparsas vão desertar. Sem qualquer intervenção militar direta do Ocidente, Gaddafi será deposto, os rebeldes poderão cantar vitória e a Otan sumirá. Durante sua recente viagem à Europa, Obama contou a seus colegas que esse era de fato o seu plano. Ele até incentivou autoridades de países que não estão na coalizão militar para que aderissem agora, de forma a estarem “do lado certo” quando o regime do coronel cair.

Há outro aspecto para esse argumento, também nunca afirmado em público, que diz o seguinte: se o tempo está agindo contra Gaddafi, também está agindo a favor dos rebeldes. O tempo permite que os rebeldes se desenvolvam politicamente, dando-lhes a chance de pensar sobre o que eles querem se tornar. O tempo permite que eles obtenham mais contatos estrangeiros e uma cadeia de suprimentos. Navios com suprimentos agora aportam em Misrata, o que não era possível algumas semanas atrás.

É uma teoria interessante, e no melhor dos mundos possíveis, ela poderia até funcionar. Com uma campanha de bombardeio constante e impiedosa, uma generosa ajuda humanitária e treinamento para os rebeldes, mais um pouco de paciência, e acabamos com Gaddafi sem muito estardalhaço e sem presença militar direta em solo. Infelizmente, essa perspectiva não consegue levar em conta nem o poder de permanência de Gaddafi – que incentivo ele tem para sair? – nem os custos dessa operação e da política interna resultante. Ninguém tem publicado números honestos, então é difícil estimá-los. Mas o jornal “Guardian” considera que até setembro o envolvimento na Líbia terá custado US$ 1,65 bilhão ao Reino Unido. Recentemente ele citou um especialista em Defesa que diz que o exército britânico gastou US$ 500 milhões até o final de abril, e que as operações em curso estão custando mais de US$ 60 milhões por semana.

Os gastos militares americanos podem muito bem ser tão altos quanto isso ou até mais. Em 3 de junho, a Câmara aprovou uma resolução que determina, entre outras coisas, que o presidente forneça estimativas de gastos. Embora o Congresso tenha resistido à tentativa de Kucinich de parar imediatamente com a guerra, não deve demorar até que alguém mais convencional defenda a mesma causa. Os republicanos,  preocupados com o déficit, já estão notando que grandes quantias de dinheiro estão sendo gastas em uma guerra que ninguém está vencendo, e que nem uma guerra é. Em algum momento, populistas de todas as espécies também vão notar isso.

Eu presumo que Obama saiba disso, e também presumo que é por isso que ele fala tão raramente sobre a Líbia em público. Quanto menos atenção se chamar para o impasse da Líbia, menos chance há de que alguém comece a fazer perguntas. Esta é sua aposta: de que Gaddafi cairá antes que o Congresso perceba os custos da guerra, que a guerra terminará antes que o público questione suas táticas e que nunca ninguém perceberá que não existe um Plano B. O dobro ou nada?