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Autoritarismo russo tem os seus companheiros de viagem

Mary Altaffer/AP
Imagem: Mary Altaffer/AP

25/10/2015 00h01

O Fórum Público Mundial "Diálogo das Civilizações" se reúne todos os anos na ilha grega de Rodes, sob o patrocínio de seu fundador, Vladimir Yakunin. Até recentemente, Yakunin era o presidente das ferrovias estatais russas e um aliado próximo do presidente Vladimir Putin. Agora, ele foi expulso do círculo íntimo de Putin, mas ainda assim inaugurou o fórum em Rodes no início deste mês. Questionado, ele negou irritado os rumores de que um escândalo de corrupção pouco divulgado teria levado à sua queda. Só um "idiota ou um provocador" diria tal coisa, disse ele a um repórter do site "Politico". Poucos minutos depois, ele mostrou ao mesmo repórter seu relógio de US$ 159 mil. “Se você quer comprar alguma coisa, qual é o problema?”

O fórum também continuou, como no passado, reunindo pessoas dispostas a endossar a visão russa do mundo. Lá estava o ex-presidente tcheco Václav Klaus, que chamou a aventura de Putin na Síria de um "passo lógico". Também estava John Laughland, diretor político do Instituto para a Democracia e Cooperação, apoiado pela Rússia, que argumentou que a União Europeia foi concebida pela CIA como parte de um complô norte-americano para subjugar a Europa. Além de dezenas de outros, do mundo inteiro.

Antes tínhamos um vocabulário para descrever organizações como este fórum ou o Instituto para a Democracia e Cooperação. Durante a Guerra Fria, falávamos em "organizações de fachada", como a Federação Sindical Mundial ou mesmo o Partido Comunista Norte-Americano, que eram supostamente independentes mas apoiados em segredo por dinheiro soviético. Esses grupos eram coordenados por "agentes de influência" –pessoas que conscientemente promoviam os interesses da União Soviética no Ocidente– ou "idiotas úteis", pessoas que faziam a mesma coisa, sem saber, normalmente por ingenuidade ideológica.

Mas os tempos mudaram, e não se pode estabelecer um paralelo direto. Klaus, que não é um idiota, não esconde suas ligações financeiras com Moscou. O fórum também não esconde suas ligações com a Rússia. Em vez disso, ambos buscam legitimar abertamente as visões da elite russa, contrárias à Otan, à União Europeia e ao Ocidente. Numa tentativa de ganhar respeito, o site do fórum exibe até os logotipos de importantes organizações “parceiras” no mundo todo. Nem todas estas parcerias são reais: um porta-voz do Conselho de Relações Exteriores, cujo logotipo aparece no site, disse-me que não apoia o fórum de forma alguma. Mas se você estivesse apenas olhando, jamais saberia.

Ainda mais difíceis de categorizar são as ações de alguns políticos legítimos. Por exemplo, tanto o ministro das Finanças tcheco, Andrej Babis, quanto o presidente tcheco, Milos Zeman –antes presenças regulares no fórum– costumam repetir slogans russos, assim como o primeiro-ministro eslovaco, Robert Fico, faz de vez em quando. Em agosto e início de setembro de 2014, todos os três argumentaram contra as sanções do Ocidente ao governo russo, usando uma retórica parecida. Zeman disse que eram “ineficazes”, Babis chamou-as de "absurdas", e Fico disse que eram "sem sentido". Mais tarde, eles mudaram o discurso e começaram a apontar para a crise dos refugiados e o islamismo radical como sendo as “verdadeiras” ameaças para a Europa. "A crise de refugiados ameaça a República Tcheca mais do que a Rússia", disse Babis em setembro. "O terrorismo islâmico é uma ameaça maior para a Europa do que a Rússia", disse Zeman em maio.

Como o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, todos estes homens têm motivos políticos internos para oferecer apoio verbal a Putin: eles querem estar na crista da onda anti-União Europeia e anti-establishment que se espalhou por toda a Europa, e se aproveitar do descontentamento com a economia. Desde o início da UE, os políticos há muito tempo acham útil culpar Bruxelas por problemas que não conseguem resolver. Mas pode haver outros motivos, também. Um assessor próximo de Zeman coordenava o escritório da companhia russa de petróleo Lukoil. Babis, que também é um dos homens mais ricos da República Tcheca, é dono de empresas que consomem uma grande quantidade de gás russo.

Mas seria injusto eu apontar para esses cidadãos centro-europeus, pois há muitos outros europeus que apoiam a política externa russa com motivos similarmente ambíguos. O ex-primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi mantém uma relação tanto política quanto financeira com Putin. O mesmo acontece com Gerhard Schröder, o ex-chanceler da Alemanha. Estes homens não são idiotas –e tampouco são agentes secretos, espiões ou traidores. Ao mesmo tempo, eles trabalham de forma constante, à sua própria maneira, para minar a segurança ocidental e espalhar o autoritarismo russo pelo Leste Europeu, bem como pelo Oriente Médio. Então como devemos chamá-los? Precisamos de um novo vocabulário para esta nova era.