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Opinião: Zuckerberg deveria dar seus US$ 45 bi para desfazer danos do Facebook às discussões

Reprodução/Facebook/Mark Zuckerberg
Imagem: Reprodução/Facebook/Mark Zuckerberg

23/12/2015 00h01

O presidente-executivo do Facebook, Mark Zuckerberg, anunciou que deseja doar US$ 45 bilhões. Estou certa de que ele precisa de algum conselho sobre como gastá-los. Aqui está o meu: ele deveria usá-los para desfazer o dano terrível causado pelo Facebook e outras formas de redes sociais ao debate democrático e à discussão civilizada em todo o mundo.

Democracias fracas são as mais vulneráveis à maldição do Facebook. Estive recentemente em um encontro de especialistas que trabalham em países pós-conflito, e todos os presentes concordaram: a reconstrução de uma nação –qualquer nação, seja a Líbia ou o Timor Leste– exige o estabelecimento de uma estrutura para o debate nacional. No mínimo, os líderes do conflito precisam concordar sobre o motivo para a guerra terminar, por que decidiram parar de lutar, o que acontecerá a seguir. Então eles precisam transmitir esse acordo aos seus seguidores. Mas se isso é impossível –porque uma mídia convencional não existe, porque o Facebook oferece versões conflitantes da verdade, porque as pessoas não confiam no que leem– então a paz também é impossível.

As democracias ruins são igualmente vulneráveis. Em países (e existem muito mais deles do que você imagina) onde uma mídia independente, respeitável, que checa os fatos, não funciona (por ser caro demais, porque a internet destruiu o mercado publicitário, porque os governos não liberais pressionam a mídia), então a possibilidade de uma conversa civilizada também desaparece. Se versões diferentes da verdade aparecem em diferentes versões online; se ninguém consegue concordar sobre o que de fato aconteceu ontem; se sites de notícias falsos, manipulados ou mentirosos são apoiados por turbas de "trolls" da internet, então teorias de conspiração, seja da extrema esquerda ou da extrema direita, logo terão o mesmo peso que a realidade. Políticos que mentem serão apoiados por uma claque de simpatizantes.

As democracias ricas ainda não perceberam que isso também está se tornando um problema para elas. Sempre que descrevo o desaparecimento dos fatos e o crescimento da fantasia da internet em Londres ou Washington, a resposta costuma ser presunçosa: isso é terrível para todas aquelas pessoas na Tunísia ou na Eslováquia, mas "não poderia acontecer aqui". Mas pode e já acontece: Donald Trump alegou que "milhares" de muçulmanos em Nova Jersey comemoraram o colapso do World Trade Center e milhares de comentaristas reais e blogueiros saíram em sua defesa no Facebook e em outros lugares. Não importa que isso não tenha acontecido: agora é possível viver em uma realidade virtual onde as mentiras de Trump são aclamadas como a verdade oculta que a "mídia convencional" escondeu das massas.

Aqueles que não vivem no mundo de Trump podem encontrar alternativas, é claro. Ali Amin, um adolescente da Virgínia, ficou tão arrebatado pelo mundo online da jihad que se tornou "absorto na luta 'virtual' e desconectado do que era real". Ele acabou com uma sentença de prisão de 11 anos por fornecer apoio material a um grupo terrorista. Nem é o tipo de experiência reservada aos jihadistas. Qualquer um que passe algum tempo nos muitos mundos alternativos que podem ser acessados pelo Twitter ou Facebook podem encontrar informação igualmente falsa, em muitas formas e muitas línguas, todo dia. Basta seguir as contas certas no Twitter e você obterá links para sites falsos e organizações duvidosas que produzem estatísticas inventadas. Você também encontrará amigos que acreditam nas estatísticas inventadas. Se assim desejar, você também pode passar a viver em uma bolha totalmente separada de qualquer realidade, exceto a criada por blogueiros de extrema-direita, esquerdistas anarquistas, porta-vozes distorcedores de fatos do Kremlin, todos excelentes no desenvolvimento desse tipo de realidade alternativa.

Muitos dos que inventam têm metas políticas particulares, como a eleição de Trump ou o recrutamento de voluntários para o Estado Islâmico. Mas o impacto de longo prazo da desinformação é ainda mais profundo: ela cria cinismo e apatia. Em breve significará que ninguém acreditará em nada. As pessoas não se importam com as mentiras de Trump –ou as de Putin, ou as do Estado Islâmico– porque não acreditam mais em nada do que leem. Há tanta informação lixo por aí que é impossível saber o que é verdade.

Ninguém ainda sabe o que fazer diante dessa mudança, porque muito poucas pessoas aceitam que está acontecendo ou entendem como funciona. Há amplo espaço para Zuckerberg ajudar jornalistas, acadêmicos, ativistas e políticos a descobrirem como devolver a realidade ao debate público. Talvez precisemos estudar a respeito da mídia nas escolas; talvez precisemos de indexadores de veracidade independentes para classificar os sites; talvez precisemos trabalhar no entendimento da psicologia dos teóricos de conspiração. Nós ainda não sabemos o que funciona, mas é hora de começarmos a tentar descobrir. E essa é uma pergunta de US$ 45 bilhões.