Palavras combativas: um timing ruim

Christopher Hitchens

Christopher Hitchens

As mortes de árabes palestinos na Faixa de Gaza, e de israelenses (árabes cristãos e muçulmanos, e drusos e beduínos, bem como de judeus, não se esqueçam, em Ashdod e Sderot), estão longe de ser enobrecidas pela sórdida constatação de que o timing da carnificina foi determinado por três esquemas de cálculo eleitoral.

O primeiro e mais óbvio é o intervalo entre as duas presidências dos Estados Unidos, no qual apenas os mais fracos protestos da parte da nossa classe política serão ouvidos enquanto as nossas armas são usadas para estabelecer antigas cabeças de ponte e realinhar o nosso complicado patrocínio simultâneo dos establishments israelense, egípcio e palestino. Benny Morris, um dos comentaristas intelectuais israelenses mais realistas, especulava que Israel aproveitaria o período de transição entre Bush e Obama para atacar as instalações de energia nuclear iranianas. Ele errou no curto prazo, mas, na verdade, o atual ataque contra a Faixa de Gaza e o Hamas é a mesma guerra travada em uma escala reduzida e através de representantes.

A seguir há as próximas eleições de fevereiro em Israel. Até a semana passada, Benjamin Netanyahu era o franco favorito para retornar como o homem cuja postura dura contra as concessões territoriais foi validada pela utilização da Faixa de Gaza, há muito tempo evacuada, como plataforma de lançamento de ataques aleatórios com foguetes. Agora parece improvável que ele seja capaz de superar facilmente a atual coalizão de governo, pelo menos a partir do campo da direita de linha dura (lembrem-se de que toda a insensatez da chamada "Intifada Al-Aqsa", que desperdiçou tanto tempo e vidas nas últimas décadas, foi primeiramente instigada por uma rivalidade eleitoral entre Netanyahu e Ariel Sharon, na qual este último demonstrou ser mais linha dura do que o primeiro, ao marchar militantemente pela Esplanada das Mesquitas na companhia de um bando armado. Por causa de tais futilidades crianças acabam chorando nas ruas sobre os corpos despedaçados dos seus pais, e vice-versa).

A terceira consideração, e a menos percebida, é o fato de que este é o mês no qual as novas eleições para a Autoridade Palestina deverão ser convocadas pelo presidente Mahmoud Abbas, ainda que não sejam de fato realizadas. Antes do Ano Novo, eu conversei com um ou dois especialistas palestinos que argumentaram que, nas atuais circunstâncias, o Hamas deveria torcer para que tais eleições não ocorressem. A vida na Faixa de Gaza Islâmica não é boa a ponto de induzir a felicidade extasiante e a prosperidade entre a população: assim como ocorre com vários movimentos fundamentalistas, a Irmandade Muçulmana exagerou bastante na dose. Parece improvável que venhamos a saber qual teria sido o resultado de uma eleição livre, mas acredito que dá para afirmar que os eventos recentes adiaram ainda mais a emergência de uma alternativa democrática e secular entre os palestinos. Creio até ser possível que algumas pessoas em Israel e outras na Faixa de Gaza não desejem a emergência de tal força, mas eu não quero ser cínico.

Assim, é por isso que este confronto brutal está ocorrendo neste momento, e não em um outro. Mas cada miniatura do retrato também implica a sua própria ampliação, o que por sua vez sugere que a última guerra da Faixa de Gaza não tivesse ocorrido agora, ela certamente teria ocorrido em outra ocasião. Novamente, como acontece com freqüência, o trabalho de Morris é instrutivo. Como um dos mais determinados historiadores "revisionistas" da fundação de Israel, que mergulhou profundamente nos arquivos do seu próprio país para demonstrar que os palestinos foram as vítimas de uma campanha deliberada para expulsá-los de suas casas em 1947 e 1948, Morris está acostumado a encarar frente a frente fatos desagradáveis.

Eu recomendo bastante a leitura de um artigo de opinião de Morris publicado em 29 de dezembro último no "New York Times". No artigo, ele descreve nem tanto aquilo que viu quando encarou frente a frente os fatos, mas sim aquilo que os israelenses vêem ao fazerem uma análise interna e externa. Ao norte, os mísseis locais apoiados pela Síria e pelo Irã - duas ditaduras, uma das quais poderá em breve possuir armas nucleares e os meios para lançá-las. Ao sul e ao oeste, o Hamas na Faixa de Gaza. Nos territórios ocupados da Cisjordânia, o mesmo velho regime colonial imposto a indivíduos que não estão dispostos a acatá-lo e o mesmo confronto ensandecido com os colonos judeus messiânicos. Dentro do próprio território de Israel, a tendência cada vez maior por parte dos árabes israelenses de identificarem-se com os árabes ou os palestinos, e não com os israelenses. E, acima de tudo, o fato demográfico claro de que a lei e o poder israelenses governam ou dominam uma quantidade cada vez maior de não judeus. E um número cada vez menor destes não judeus mostra-se interessado em acordos (foi este imperativo demográfico, caso vocês se recordem, que fez com que Sharon renunciasse a idéia de um "grande Israel", um esquema pelo qual muitos colonos israelenses subsidiados pelo Estado ainda estão bastante dispostos a morrer ou a matar).

Ao se fazer uma comparação com a ameaça à sua própria existência que apresentou-se em 1967, escreveu Morris, conclui-se que as únicas mudanças que atualmente favorecem Israel foram a chegada de mais dois ou três milhões de israelenses e a aquisição de um arsenal nuclear. Mas, até que ponto esses fatos são realmente tranqüilizadores? Para onde deverão ir os novos imigrantes, a não ser as terras sob disputa? E contra quem as armas nucleares poderiam ser usadas? Contra a Faixa de Gaza? Contra Hebron? Esses locais ainda estariam no mesmo lugar, bem ao lado da comunidade judaica, mesmo que Damasco e Teerã fossem reduzidas a cinzas. Somente os messiânicos poderiam sequer cogitar tal desfecho (e é uma pena que existam tantos deles em Israel).

Ao se confrontarem com tais concatenações e circunstâncias surpreendentes, e com certos fiascos assustadores - tais como a última invasão do Líbano - que delas resultaram, alguns políticos israelenses parecem acreditar que a adoção de uma linha dura em relação à Faixa de Gaza poderia ser algo de positivo, pelo menos para a moral de curto prazo.

Esta foi a clara conclusão dos geralmente admiráveis artigos de primeira página de Ethan Bronner no "New York Times" de 29 de dezembro de 2008 e 3 de janeiro de 2009. Sendo assim, por que não simplesmente escancarar e dizer que os bombardeios são realizados para a obtenção de votos?

Somente quando se começa a assimilar tudo o que ocorreu anteriormente é que é possível compreender exatamente como o comportamento da gangue do Hamas é sórdido e repugnante. O grupo sabe muito bem que as sanções estão prejudicando todos os cidadãos palestinos, mas - da mesma forma que o regime de Saddam Hussein no Iraque - ele recusa-se a acabar com a violência indiscriminada e a demagogia racista e religiosa que provocaram originalmente as sanções.

A Palestina é o lar comum de vários grupos religiosos e nacionais, mas o Hamas insiste dogmaticamente que todo o território é uma parte exclusiva de um futuro império islâmico. Em uma época na qual as tendências democráticas e reformistas são observáveis na região, desde o Líbano até o Golfo Pérsico, a liderança do Hamas é, física e economicamente, uma parte da clientela de duas das piores ditaduras da área (se algum dia você tiver necessidade de dar uma boa risada, observe os "intelectuais" ocidentais que acreditam que um voto em um partido islamita e em um Estado islâmico é uma forma de votar contra a corrupção! Eles não estudaram ultimamente o Irã ou a Arábia Saudita).

A Faixa de Gaza poderia ter sido uma modelo de um futuro Estado palestino com auto-determinação. Em vez disso, ela foi seqüestrada pela Irmandade Muçulmana e transformada em um local de repressão para os seus habitantes e agressão contra os seus vizinhos. Mais uma vez, o Partido de Deus tem o controle. Ler Benny Morris faz com que um indivíduo seja bastante capaz - e bastante livre - de duvidar que um Estado israelense deveria ter sido jamais criado. Mas ver o Hamas em ação é decidir que o que quer que substitua ou venha depois do sionismo não deveria ser a terra arrasada da teocracia islâmica.

Tradução: UOL

Christopher Hitchens

O jornalista e comentarista político Christopher Hitchens, morto em dezembro de 2011, ficou conhecido por suas opiniões polêmicas sobre política e cultura.

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