Características contrastantes no caso da Noruega facilita análise mais do que dificulta

Christopher Hitchens

Christopher Hitchens

  • BBC Brasil

    Atirador da Noruega queria fazer 'revolução'

    Atirador da Noruega queria fazer 'revolução'

Já que tivemos 16 anos para refletir desde o atentado de Oklahoma City, deveríamos ter ficado um pouco mais refinados em nossos diagnósticos de reação rápida quando se trata de assassinatos maciços de civis. Mais que dificultá-la, o número de características contrastantes no caso da Noruega na verdade faz que essa tarefa seja ligeiramente mais fácil. A multidão de morcegos e duendes do cenário da recente catástrofe, enriquecida com personagens de Stieg Larsson e Henning Mankell, permite uma visão mais ampla dos diversos campos de fogo, assim como maior variedade de motivos discutíveis para a análise.

Aqui é uma social-democracia secular escandinava, que atualmente colabora com forças para as campanhas militares ocidentais no Afeganistão e na Líbia. Esta consideração foi o que fez originalmente que alguns conservadores muito ortodoxos percebessem uma "vinculação". (Mesmo quando, por exemplo, não está claro que os grupos jihadistas da Noruega se identifiquem com Muammar Gaddafi ou com os seus recentes apelos a lançar ataques suicidas contra a Otan.) Ainda mais, os ataques letais foram lançados contra o movimento juvenil do partido governante da Noruega, esse firme bastião de bons sentimentos multiculturalistas e de aproximação dos imigrantes muçulmanos. Este poderia não ser o primeiro alvo de uma facção terrorista que se esforçasse para tirar a Noruega do tabuleiro militar.

Além disso, o principal suspeito nessa chacina, Anders Behring Breivik, parece vir com tudo e sua própria bibliografia à Jared Loughner, assim como com antecedentes de entusiasmo pelo poder branco nórdico. Comovi-me ao ver que seus flertes com a maçonaria tenham sido considerados como "da ala direita" em alguns setores. Nos velhos tempos, o fascismo católico odiava os maçons quase tanto quanto os judeus. (O presidente chileno Salvador Allende era maçom, por exemplo, em uma tradição de anticlericalismo de esquerda que me dá tristeza ver desaparecer.) E por último - embora neste labirinto de espelhos provavelmente nada seja o último - Breivik aparentemente se declarou um apaixonado pelo sionismo, assim como inimigo jurado de todo tipo de islamização. Devemos dar mais atenção a esse último aspecto: os verdadeiros grupos "neonazistas" da Europa têm um violento antissemitismo em comum com os radicais islâmicos, que evidentemente são seus inimigos mortais, enquanto os populistas que são contra a imigração, da índole de Geert Wilders nos Países Baixos, buscam a respeitabilidade defendendo Israel, muitas vezes contra as críticas da esquerda multiculturalista.

A má interpretação destes e outros indicadores semelhantes provocou mais caos intelectual que a caça às bruxas anti-islâmica que se seguiu ao atentado de Oklahoma City. Os conservadores espanhóis no poder cometeram o erro contrário e acusaram falsamente um grupo de gângsteres ibéricos de ter cometido uma das ações mais letais, no campo político e no militar, da jihad em solo europeu: uma "operação" que afetou o resultado das eleições gerais em um país membro da Otan e que também prejudicou gravemente a coalizão no Iraque. Esta semana talvez tenha constituído o ponto culminante da coordenação de um sério enlace do terrorismo na Europa a cargo de Osama bin Laden.

Uma maneira de formular a pergunta é esta: os jihadistas extremistas e seus opositores mais virulentos têm uma relação simbiótica? Em gravações e sermões de mesquitas em Londres e Hamburgo, podemos encontrar manifestos inteiros sobre a necessidade de manter as mulheres como objetos de posse pessoal, de erradicar a doença da homossexualidade, de frustrar os desígnios judeus para apoderar-se das finanças internacionais e outras fantasias da mentalidade do Terceiro Reich. Levado a sua conclusão lógica ou patológica, isto implicaria algo que americanos e europeus jamais tinham visto: um conflito entre diferentes formas de fascismo, a fim de ver que ataque contra a democracia multiétnica é o mais eficaz.

Houve sinais visíveis dessa mentalidade imediatamente depois dos atentados de setembro de 2001, quando Jerry Falwell, Pat Robertson e outros demagogos viram que se usava Bin Laden para buscar o dedo de Deus. E alguns dos fãs descendentes de Timothy McVeigh, através do meio da "verdade do 11 de Setembro" e outros arcanos, também tentaram confeccionar uma teoria global do poder mundial ilegítimo, como foi exposta e refutada nesse dia. Aqui também, entretanto, observa-se que a CIA e o Mossad se atribuíram a confortável tarefa de escolher e preparar o alvo e organizar o conluio e a coordenação, enquanto deixavam que a tropa de menor graduação da Al Qaeda realizasse as tarefas menores da detonação. Essa triste e autodestrutiva visão do mundo se dissolve na imagem congelada da mansão de Bin Laden em Abbottabad, na qual o hóspede principal aperta melancolicamente o controle remoto e medita sobre os bons tempos de ontem, quando ele era "o cavalo forte".

Isso também culmina com o lamentável espetáculo dos sites jihadistas na web de Oslo, que estavam se preparando com suas notas originais de alegria quando eles também pensaram que estava envolvida sua santa causa, mas que depois desistiram ao perceber que o perpetrador era um fracassado que teve razões muito diferentes para querer massacrar uma multidão de jovens nesse dia. Os redatores dos títulos dos noticiários deveriam ter esperado antes de fazer qualquer pronunciamento e de cometer assim a indecência de sugerir que os assassinos tinham sido seletivos e inclusive difíceis de contentar. Os chamados "especialistas" deveriam estar envergonhados de ter decifrado o motivo a partir do "modus operandi", mais como fizera Steve Emerson em Oklahoma, quando declarou que a magnificação da violência era um "traço do Oriente Médio". Também se poderia ter dito que um pálido cavaleiro cristão da "Última Thule", com um conceito pessoal do livro do Apocalipse, estava infectado com "traços do Oriente Médio" de uma espécie da qual nem o inferno havia se jactado até então.

Entretanto, as ruas e as praças da Síria e os comitês da oposição cívica da Líbia se enchem de gente ansiosa e impaciente que quer saber se foi ingênua ao colocar suas apostas - em alguns casos, inclusive ao apostar sua vida - na transição democrática, nas táticas pacíficas, na destinação transparente de fundos anteriormente roubados a uma reconstrução adiada por muito tempo e na eliminação da casta parasitária de policiais e militares. Depois de ter suplicado por muito tempo aos levantinos que formulassem suas exigências dessa maneira, nós ficamos todos titubeantes quando eles aceitam fazê-lo. Neste último mês de vacilações do Ocidente e da ONU, foi um dos interlúdios da história recente mais carentes de princípios, no qual inclusive o pernoite de um embaixador na cidade de Hama aparentemente é considerado um brasão de coragem de nossa parte. Se isso for o máximo que podemos fazer, então as condenações deverão ser ferozes.

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Christopher Hitchens

O jornalista e comentarista político Christopher Hitchens, morto em dezembro de 2011, ficou conhecido por suas opiniões polêmicas sobre política e cultura.

UOL Cursos Online

Todos os cursos