11 de Setembro

"Simplesmente maligna" continua sendo a melhor descrição para a Al Qaeda

Christopher Hitchens

Christopher Hitchens

  • Chang W. Lee/The New York Times

    Explosão de uma das torres gêmeas do World Trade Center logo após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, em Nova York

    Explosão de uma das torres gêmeas do World Trade Center logo após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, em Nova York

A tarefa adequada do "intelectual público" poderia ser concebida como a responsabilidade de introduzir complexidade na discussão: o lembrete de que é muito infrequente as coisas serem tão simples quanto as fazem parecer. Mas o que eu aprendi de uma maneira altamente indelével com os eventos e as discussões sobre setembro de 2001 foi isto: nunca, jamais ignore o óbvio.

Para o governo e a maior parte da população dos EUA, pareceu que o país foi atacado em 11/9 de uma maneira especialmente odiosa (pirataria aérea usada para causar um grande número de mortes de civis) por um grupo particularmente odioso (um bando sigiloso e homicida, meio empresa multinacional, meio família criminosa), fiel a um culto da morte medieval, um ódio racista aos judeus, um frenesi religioso contra hindus, cristãos, muçulmanos xiitas e "infiéis", e à restauração de um império despótico há muito desaparecido.

Para mim, esse continua sendo o ponto principal sobre a Al Qaeda e seus similares. Eu não acredito, ao escolhê-lo como ponto principal, que tento simplificar demais as coisas. Não sinto necessidade de me exibir ou de pensar algo novo para dizer. Além disso, muitas tentativas de introduzir "complexidade" na imagem me parecem ofuscamentos ou distrações mal cozidas. Estas vão dos esforços irremediavelmente paranoicos e desprezíveis de atribuir a responsabilidade pelos ataques ao governo Bush ou aos judeus, à insistência às vezes cansativa, mas não necessariamente falsa de que os povos islâmicos sofreram opressão. (Mesmo quando formalmente verdadeira, esta não deve simplesmente ser usada como uma defesa especial do uso da violência aleatória contra os muçulmanos declarados.)

Subjacente a esta e outras tentativas de mudar de assunto havia, e ainda há, um desejo perverso de dizer que as atrocidades do 11 de Setembro foram de certa maneira merecidas, ou se tornaram historicamente mais explicáveis, pelos muitos crimes passados da política externa americana. Ou isso ou - para lembrar os comentários contemporâneos dos "reverendos" Jerry Falwell e Pat Robertson - uma punição dos céus pelos pecados americanos. (Os dois modos de pensar, um deles ostensivamente de "esquerda" e o outro de "direita", são na verdade mais ou menos idênticos.)

Que esse foi um ataque a nossa sociedade, não importa quais fossem seus "alvos" ostensivos capitalistas e militares, foi novamente considerada uma tese óbvia demais para uma pessoa inteligente defender. Tornou-se cada vez mais óbvia, porém, a cada ataque niilista sucessivo a Londres, Madri, Istambul, Bagdá e Bali. Havia sempre algum "intelectual", entretanto, para argumentar em cada caso que a política de Tony Blair, ou George Bush, ou do governo espanhol, era a "causa original" da chacina de civis em plena luz do dia. A responsabilidade, porém, nunca recaía totalmente nos perpetradores.

Por isso, embora o tom oficial das comemorações devotas deste mês salientará as vítimas e suas famílias (até a medida pateticamente masoquista de continuar proibindo grande parte das gravações das verdadeiras atrocidades, para não ferir "sentimentos" e suscetibilidades), é muito provável que aqueles que aceitam a "narrativa" convencional sejam, pelo menos globalmente, uma minoria. Não apenas no mundo muçulmano é lugar-comum escutar que os acontecimentos do 11/9 fizeram parte de um complô judeu ou do governo americano. E não é apenas na periferia demente que essas fantasias circulam "no Ocidente". Um livro que alega que o Pentágono atingiu o Pentágono com um míssil de cruzeiro - de alguma forma conseguindo descartar o avião, a tripulação e os passageiros do ainda desaparecido voo 77, incluindo minha amiga Barbara Olson - foi um best-seller na França, enquanto outro livro sobre outra teoria da conspiração do 11/9 foi publicado nos EUA pelo ramo editorial da revista "Nation". A Westminster John Knox Press, uma respeitada editora há muito tempo associada ao presbiterianismo americano, publicou "Christian Faith and the Truth Behind 9/11" [Fé cristã e a verdade por trás do 11/9], que afirmou que os acontecimentos daquele dia foram planejados para fornecer um pretexto para a intervenção no Oriente Médio.

Mais explicitamente à esquerda, minha antiga editora Verso - um rebento da New Left Review - publicou uma antologia dos discursos e sermões de Osama bin Laden em que os editores compararam o líder da Al Qaeda explicitamente, e no contexto não desfavoravelmente, a Che Guevara.

Por isso, pelo menos para mim, a experiência de me envolver nas guerras político-culturais do 11/9 foi vertiginosa pelo menos de duas maneiras. Para começar, me encontrei pela primeira vez na vida compartilhando a visão geral de soldados e policiais, ou pelo menos daqueles soldados e policiais que não haviam (como George Tenet e a maior parte da CIA) nos deixado indefesos sob céus abertos enquanto nomes "proibidos de voar" bem conhecidos podiam pagar em dinheiro por passagens só de ida depois de ter treinado abertamente em escolas de pilotagem.

Minhas simpatias foram totalmente, e sem ironia (e, afirmo, racionalmente) para as forças da lei e da ordem. Segundo, tornei-me fortemente envolvido na defesa de meu país adotivo de uma incrível campanha de difamação, em que grande número de intelectuais pareciam decididos pelo menos a minimizar a gravidade do que havia acontecido, ou a traduzi-lo em termos inócuos (a pobreza é a causa da violência política) que deixariam sua visão de mundo inabalada. Quão mais fácil afirmar, como muitos fizeram, que foi tudo uma desculpa para construir um oleoduto através do Afeganistão (uma opção bizarramente negligenciada pelo imperialismo americano depois da queda do comunismo em Cabul, quando o país arrasado poderia ter sido nosso facilmente).

Minha solidariedade pelos soldados, policiais e outros "respondentes" não me tornaram totalmente convertido à mentalidade da polícia. Eu fui um queixoso citado no processo aberto pela União de Liberdades Civis Americanas contra a Agência de Segurança Nacional, por sua prática de grampo telefônico sem mandado. Encontrei uma maneira de ser submetido à "tábua de lavar" por ex-profissionais, para poder satisfazer meus leitores de que o processo realmente constitui tortura. Visitei Abu Ghraib e Guantánamo, os dois grotescos buracos do inferno da reação de pânico americana, e escrevi muito criticamente sobre ambos. E fui e continuo irreconciliado com a punição coletiva estúpida, desnecessária e opressiva aos americanos que tentam usar nossa aviação civil, ou que querem poder entrar em seus escritórios sem mostrar a identidade para um guarda que não tem um banco de dados para verificá-la. Mas eu também havia visto Abu Ghraib pouco depois que foi aberta pela primeira vez em 2003, e não poderia concordar com os deficientes morais que falaram levianamente como se aquele mini-Auschwitz e vala comum não fosse pior. Quando a Anistia Internacional descreveu Guantánamo como "o Gulag de nossa época", senti um colapso de seriedade que sinto muitas vezes desde então.

Um motivo para opor os excessos de estupidez do "nosso" lado (na verdade, por que incluí defensivamente essas aspas? Por favor, considerem-nas opcionais) foi minha convicção de que a derrota do bin-ladenismo foi afinal certa. A Al Qaeda exige o impossível - a aplicação mundial da interpretação mais fanática da xariá -, e para promover a exigência emprega os meios mais histericamente irracionais. (Essa combinação, aliás, seria uma definição razoável de "terrorismo".) Segue-se que o recurso a táticas de pânico ou degradantes para combater o terrorismo é, além de imoral, autodestrutivo.

Dez anos atrás escrevi para um amigo desesperado que chegaria um tempo em que a Al Qaeda teria sido penetrada, quando sua própria paranoia a devoraria, quando ela tivesse tentado todas as táticas e fracassado em repetir o golpe de 11/9, quando cairia vítima de sua própria visão de mundo iludida e - porque ela não tem meios de gerar autocrítica - começaria a implodir. O tesouro recuperado do esconderijo muito modesto de Bin Laden em Abbottabad parece confirmar que esse destino começou, com muito trabalho de parte de heróis anônimos, a engolfar a Al Qaeda. Eu assumo isso como uma vingança parcial da superioridade de "nossa" civilização, que pelo menos é constituída de modo a poder aprender com os erros passados, em vez de permanecer prisioneira da "fé".

A batalha contra a casuística e a má fé também valeu a pena combater. Assim como muitas outras lutas para afirmar o óbvio. Ao contrário dos que apregoam o raso auto-ódio antiocidental, o mundo muçulmano não adotou o bin-ladenismo como escudo contra a realidade. Muito pelo contrário, surgiram milhões de árabes que herética e robustamente preferiram a vida à morte. Em muitas sociedades, a Al Qaeda se derrotou assim como sofreu derrota.

Nesses casos, portanto, os problemas vieram a ser mais complexos do que qualquer solução "simples" que fanáticos teocratas poderiam propor. Mas, e contrariando as tendências do eufemismo e da evasão, algumas simplicidades robustas permanecem, merecidamente. Entre elas: a negação do Holocausto é na verdade uma forma sub-reptícia de afirmação do Holocausto. A "fatwa" contra Salman Rushdie foi um desafio direto e letal à livre expressão, não um choque entre fé tradicional e "fundamentalismo do livre discurso". A chacina na Bósnia-Herzegovina não foi o produto aleatório de "antigos ódios", mas um plano deliberado para eliminar a população muçulmana. Os regimes de Saddam Hussein, de Kim Jong-il e Mahmoud Ahmadinejad merecem plenamente ser chamados de "malignos". E, dez anos atrás em Manhattan, Washington e Shanksville, Pensilvânia, houve um confronto direto com a ideia totalitária expressa de sua forma mais viciosa e crua. Que esta e outras lutas nos temperem e reforcem para futuras batalhas, em que será necessário repudiar a grande mentira.

Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

Christopher Hitchens

O jornalista e comentarista político Christopher Hitchens, morto em dezembro de 2011, ficou conhecido por suas opiniões polêmicas sobre política e cultura.

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