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O menino que morreu no deserto

Moradores de Chiantla, cidade na Guatemala, participam do funeral de Gilberto Ramos, que morreu no deserto do Texas (EUA) quando tentava entrar ilegalmente no país - Luis Echeverría/Xinhua
Moradores de Chiantla, cidade na Guatemala, participam do funeral de Gilberto Ramos, que morreu no deserto do Texas (EUA) quando tentava entrar ilegalmente no país Imagem: Luis Echeverría/Xinhua

Jorge Ramos

17/07/2014 00h02

Encontraram o cadáver do menino Gilberto Ramos com um rosário branco. Era o que lhe havia dado sua mãe ao sair de San José de las Flores, um povoado pobre na montanha no norte da Guatemala. Morreu de fome e sede no deserto do Texas, a 1,5 km da fronteira com o México. Tinha só 15 anos.

Gilberto estava cansado de ser pobre e de não ter dinheiro para os remédios de que sua mãe, Cipriana Juárez, precisa para controlar seus ataques epiléticos. A família juntou quase US$ 3 mil para pagar ao "coiote", e assim Gilberto chegou à cidade fronteiriça de Reynosa, no México. Daí, do lado mexicano, fez a última ligação para seu pai antes de cruzar ilegalmente para os EUA.

Seu corpo estava sem camisa - os que sofrem desidratação costumam tirar a roupa antes de morrer -, e em seu cinturão encontraram escrito um número de telefone. Era de seu irmão Esbin, que há dois anos fez o mesmo trajeto e hoje trabalha em Chicago.

"Estava esperando a ligação dele", disse-me Esbin em uma entrevista. Mas "isso nunca aconteceu". Quem o chamou, em troca, foi uma representante da Patrulha de Fronteiras do Texas, avisando que tinham encontrado o corpo de seu irmão Gilberto.

"Eu lhe disse que era muito pequeno, que era melhor ficar mais um pouco" na Guatemala, lembrou Esbin. "Ele me disse que não, não queria ficar lá, estava desesperado."

A pobreza extrema leva muitos, como Gilberto e Esbin, a tentar emigrar para os EUA. Outros o fazem devido à violência das gangues, como os filhos da hondurenha María (que prefere não dar o sobrenome por razões de segurança).

María, que vive em Miami, mostrou-me a mensagem de texto que recebeu da Mara 18, um bando de Tegucigalpa. "Dou-lhe até amanhã para que tenha US$ 1 mil em suas mãos, senão seu filho ou sua filha morrerá", dizia o texto que ainda guarda em seu celular.

Em vez de dar dinheiro aos bandidos, María pagou US$ 7 mil a um coiote para que levasse seu filho Eduardo de Tegucigalpa até os EUA. "Meu filho cruzou a fronteira como um menor desacompanhado", disse-me com lágrimas nos olhos. "Levaram-no para Illinois. Entregaram-no a mim em duas semanas, mas ele está traumatizado. Ainda não quer ir ao colégio." Mas ela acredita que isso salvou sua vida.

As ameaças do bando criminoso contra essa família, entretanto, não pararam. Zaira, a filha de María, recebeu meses depois a seguinte mensagem: "Ou você deposita ou vai encontrar sua filha Yaritza em uma lata de lixo".

Sabendo do que acontecia em Honduras, María juntou US$ 9 mil e mandou trazer ilegalmente sua filha Zaira e seus netos, Yaritza, 8, e Naum, 4. Os três cruzaram a pé a fronteira dos EUA e se entregaram às autoridades. Não foram deportados e já estão vivendo em Miami.

María conseguiu salvar um filho e uma filha das ameaças das gangues. Mas ainda tem três filhos em Honduras, e se puder também os trará. Impossível culpá-la.

Essas duas histórias, uma da Guatemala e outra de Honduras, demonstram claramente por que mais de 52 mil crianças fugiram da América Central e estão se refugiando nos EUA. Fogem da pobreza e da violência. Se ficarem lá, morrerão. Por isso é preciso tratá-las como refugiadas.

É preciso tratar essas crianças como crianças, como se fossem nossos filhos. Uma pessoa não deporta seus próprios filhos nem quer que vão para outro país.

Entendo o dilema do governo Barack Obama. Não quer enviar uma mensagem equivocada para que cheguem mais dezenas de milhares de crianças à fronteira. Mas não podemos tratar crianças como criminosos.

Sim, o trajeto da Guatemala, de El Salvador e de Honduras para os EUA é muito perigoso. Já sabem o que aconteceu com Gilberto no deserto. Mas é preciso cuidar dos que já chegaram. Devolver Eduardo e Zaira a Tegucigalpa poderia ser uma sentença de morte.

Com as crianças na fronteira, a primeira ordem é não causar mais danos. Depois veremos o que acontece.