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O tipo de jornalismo que está em risco de extinção

Jorge Ramos

21/05/2015 00h01

Quer ver dinossauros? Não é preciso ir ao museu. Ligue a televisão para ver o noticiário e lá estarão. Os dinossauros são todos os apresentadores (ou âncoras) que você precisa ver em uma hora fixa, só pela televisão e sem qualquer plataforma digital. Bem, esse tipo de jornalismo está em risco de extinção.

No próximo ano, completo 30 conduzindo um noticiário de televisão pela rede Univision, junto com María Elena Salinas. Sim, 30 anos. Antes, o negócio era relativamente simples. Fazíamos um noticiário e as pessoas tinham um encontro marcado conosco para ver as notícias todos os dias às 18h30 em ponto. Os "ratings" determinavam o tamanho da audiência e os preços dos comerciais.

Mas o mundo das notícias se fragmentou. Cada vez mais gente se inteira das notícias por meio de seu telefone celular e de seu computador, em vez de fazê-lo por um telejornal ou um jornal. Muitos já atiraram pela janela o controle remoto. Há uma enorme migração de olhos da televisão para outras telas, e muitos jovens nem sequer têm um televisor.

Por isso ter um encontro diário para saber as notícias é algo do passado. Isto nos obriga, como jornalistas, a ter uma presença constante em outras telas, na internet e nas redes sociais. Se você não puder dar a informação em um clique, as pessoas irão buscá-la em outro lugar. Já não é possível ser jornalista de escritório. A ordem do dia é "digital primeiro".

Quase tudo deve sair primeiro de maneira digital. Muitas das entrevistas e reportagens que faço saem primeiro em Univision.com, Fusion.net ou JorgeRamos.com do que na televisão. Isso é novo. Já não se pode esperar que chegue 18h30 para obter a informação. (Imaginem o desafio para os jornais, que têm de esperar até o dia seguinte.)

Além das novas maneiras de consumir notícias, a outra grande mudança no jornalismo são as redes sociais. Confesso: não posso competir com Facebook, Twitter, Instagram ou Snapchat. Se há um terremoto na China, um acidente na França ou um tiroteio na Califórnia, não posso competir com uma pessoa que está gravando tudo em um celular. Mas, em vez de rejeitar esses vídeos e reportagens porque não foram feitos por jornalistas profissionais, devemos acolhê-los, recebê-los, garantir que sejam verídicos, usá-los e colocá-los em contexto. Como não usar os vídeos do terremoto no Nepal e do estrangulamento de Eric Garner pela polícia de Nova York, ou as fotos do funcionário público mexicano que levou a família de férias em um helicóptero do governo?

Mas, apesar dessas enormes mudanças tecnológicas, nada pode substituir um jornalista que faz perguntas firmes, que separa o que é relevante do que é lixo e, sobretudo, que questiona os que detêm o poder. Isso nenhum aplicativo de celular pode substituir.

O que nunca vai desaparecer é a necessidade de jornalistas que denunciem os abusos dos que detêm o poder. Essa é a nossa principal responsabilidade social. E esse é o principal temor dos presidentes e ditadores. Que bom!

Os novos jornalistas são necessários por cinco motivos: credibilidade, independência, relevância, para pôr a informação em contexto e para desafiar os governantes. A grande maravilha de ser jornalista é que isso o obriga a ser um rebelde e a manter-se jovem por toda a vida. Não conheço nenhuma outra profissão que ofereça uma viagem mais intensa e diversificada. O inferno deve ser passar o dia fazendo coisas que não nos agradam. Bem, para mim o jornalismo é o oposto desse inferno.

Acabo de viajar à Califórnia para falar a um grupo de estudantes que se formava em jornalismo na Universidade do Sul da Califórnia. Sabia que estavam cheios de dúvidas sobre o futuro da profissão. Entendo isso perfeitamente. Eu também tenho dúvidas. Há quem acredite que o trabalho que faço de âncora de um noticiário irá desaparecer em uma década. Se for assim, os atuais noticiários da televisão são uma espécie de "Parque dos Dinossauros", cheios de criaturas prestes a morrer.

E o que eu disse àqueles estudantes é que a única maneira de sobreviver a essa mudança climática no jornalismo é utilizar as novas tecnologias. Quem não o fizer estará fora. Mas, sobretudo, o que enfatizei a eles é que nossa profissão se baseia na confiança. Se as pessoas não acreditarem no que você diz, de nada serve seu trabalho.

Só esses jornalistas --verossímeis, rebeldes e digitais-- irão sobreviver. Os demais são dinossauros.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves