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China solta preso político em estado terminal para nos convencer que não vive ditadura

Liu Xiaobo, preso desde 2008, em foto de 2005 - AFP
Liu Xiaobo, preso desde 2008, em foto de 2005 Imagem: AFP

27/06/2017 09h46

Em meados do século XIX, o poeta Charles Baudelaire escreveu "a melhor malandragem do Diabo é nos persuadir que ele não existe". Da mesma forma, toda a astúcia dos dirigentes chineses consiste em nos fazer crer que o seu país não é uma ditadura. 

De vez em quando a coisa desanda e a carranca da ditadura chinesa aparece ao mundo inteiro. Foi o que aconteceu na segunda-feira (26), com a notícia que Liu Xiaobo, o mais célebre prisioneiro político chinês, vai ser libertado porque tem um câncer em estado terminal.

Liu Xiaobo é crítico literário, poeta e militante democrata. Participou da greve de fome durante o movimento antiautoritário estudantil de Pequim, que terminou no massacre da Praça da Paz Celestial por tropas do exército chinês (04/06/1989). A partir daí a sanha do regime se abateu sobre ele.

Preso durante um ano e meio, Liu Xiaobo viveu depois em prisão domiciliar e foi internado num campo de “reeducação pelo trabalho”, metáfora para campo de trabalho forçado, entre 1996 e 1999. Apesar da perseguição, ele continuou a escrever contra o conformismo dos chineses que se submetem ao autoritarismo.

No sexagésimo aniversário da Declaração dos Direitos Humanos, junto com outros intelectuais chineses ele participa da redação da “Carta 2008”, que pediu eleições democráticas e respeito à liberdade de expressão. Na sequência, ele foi condenado a onze anos de prisão pelo crime de “subversão do poder do Estado”.

Tornado símbolo de resistência pacífica à ditadura, ele recebeu em 2010 o Prêmio Nobel da Paz. Libertando-o agora, com um câncer incurável no fígado - que poderia ter sido tratado na fase inicial - a ditadura se livra de ser responsabilizada por sua morte na cadeia. Explicitando a manobra cínica das autoridades chineses, o jornal parisiense Libération deu uma manchete intitulada, “Liu Xiaobo, um Nobel da Paz livre para morrer”.  

A China é um caso à parte na história contemporânea. Ao contrário de outras ditaduras, a China, e numa menor medida, a Arábia Saudita, beneficiam da benevolência da maioria dos governos democráticos.

A razão é óbvia. A China prossegue em marcha forçada para se situar como um superpoder ao lado dos Estados Unidos. Desde 2011, o seu PIB é maior que o PIB do conjunto dos 28 países membros da União Europeia e ultrapassará o PIB dos Estados Unidos em 2030. No final do ano passado, o montante dos ativos do sistema bancário chinês superou o da zona euro e se tornou o mais importante do mundo.

As autoridades de nenhum país deixam de estender o tapete vermelho e fazer rapapés na visita de dirigentes chineses. Tem sido sempre assim nos últimos anos e acontecerá o mesmo na próxima reunião de cúpula do G20, em Hamburgo, no começo do mês de julho. Haverá manifestações de rua no porto alemão, mas os dirigentes democráticos farão apenas alusões indiretas ou evitarão criticar a ditadura chinesa.

No entanto, é notório que o presidente Xi Jinping arrochou o regime repressivo desde que subiu ao poder, em 2012.  Sob suas ordens, a “repressão dos 709”, perpetrada em 2015, desembocou na prisão de centenas de advogados e militantes dos direitos civis, marcando a maior virada autoritária na China desde o massacre da Praça da Paz Celestial.

A “Carta 2008”, que ocasionou o encarceramento de Liu Xiaobo e de outros militantes pacifistas, contém um paragrafo essencial: “Para onde a China se dirige no século XXI?...Continuará com a “modernização” sob o regime autoritário ou adotará os valores humanos universais, juntando-se à corrente das nações civilizadas e construindo um sistema democrático? Essas questões não podem ser evitadas”.

Como observou Tania Branigan, ex-correspondente do jornal londrino The Guardian em Pequim, com a prisão e o martírio de Liu Xiaobo, o governo chinês deu uma resposta a estas indagações.