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A crise na Turquia e os trunfos de Erdogan para conter EUA e União Europeia

11.jul.2018 - Donald Trump e Recep Tayyip Erdogan em um encontro da Otan em Bruxelas - Tatyana ZENKOVICH / AFP
11.jul.2018 - Donald Trump e Recep Tayyip Erdogan em um encontro da Otan em Bruxelas Imagem: Tatyana ZENKOVICH / AFP

13/08/2018 08h25

A crise da Turquia repercute mundo afora e lança incertezas sobre a economia de países emergentes. A forte queda da lira turca na última sexta-feira (10) teve impacto no rand sul-africano, no peso argentino e, em menor grau, no real. A desvalorização da lira também puxou o euro para baixo, refletindo o fato de que bancos da Itália (UniCredit), França (PNB Paribas) e Espanha (BBVA) aparecem como principais credores da Turquia.

Com uma parte de realismo e outra de esconjuro, editorialistas e economistas brasileiros apontaram a situação mais grave da Turquia, em comparação com o Brasil. Resumidamente, o Brasil tem mais reservas internacionais e uma dívida externa de curto prazo bem menos desfavorável do que a dívida turca.

Resta que, a Turquia tem mais cartas na mão do que o Brasil. Para começar, há o contexto geopolítico que dá margem de manobra a Erdogan, o presidente turco. Congregando a segunda força militar da OTAN, depois dos Estados Unidos, a Turquia tem sido privilegiada há décadas pela aliança americana. Frente à URSS, e depois frente à Rússia e ao Irã.

Um dos fatores agravantes da crise atual é justamente o desentendimento entre Trump e Erdogan. O presidente americano se irritou com a decisão do governo turco de adquirir mísseis da Rússia e não dos Estados Unidos e com a recusa da Turquia de participar das sanções econômicas decretadas por Washington contra o Irã. Acresce que Erdogan também encarcerou o pastor evangélico americano Andrew Brunson sob acusação de espionagem, suscitando uma irada reação do governo americano.

Além de tuitadas, Trump lançou um torpedo maior, duplicando as tarifas americanas de importação do aço e do alumínio fabricados na Turquia. Acusando os Estados Unidos de lançarem uma "guerra econômica" contra seu país, Erdogan disse que a Turquia pode "procurar novos amigos e aliados".

A compra de mísseis de defesa russos complica a integração da Turquia no comando unificado da Otan e pode prenunciar uma aliança russo-turca. Caso isso ocorra, tudo o dispositivo ocidental e israelense no Oriente Médio e na Ásia Central deverá ser alterado.

Além do mais, Ancara vai lançar títulos da dívida turca em yuan no mercado chinês, os chamados "panda bonds", para "diversificar as fontes de financiamento" do país, conforme declarou Erdogan. A China vê a Turquia como o terminal das redes de transporte da Nova Rota da Seda e já está incrementando sua colaboração militar com o país.

Enfim e sobretudo, a Turquia assinou há pouco mais de dois anos um acordo com a União Europeia (UE) a respeito dos migrantes, geralmente sírios, que atravessam o território turco para entrar na Grécia ou noutros países europeus. Pelo acordo, a Turquia recebe de volta tais migrantes. Em troca, ela obteve a promessa de aceleração do seu processo de adesão à UE e uma ajuda financeira -, 3 bilhões de euros -, para o sustento e organização dos campos de refugiados. 

Nos últimos meses o acordo tem desandado. Segundo a ONU, a Turquia tem 2,9 milhões de refugiados, mas o governo turco alega que o número alcança 3,5 milhões. Caso Erdogan decida romper o acordo, boa parte desses refugiados sairá da Turquia em direção aos países da UE.

Como se vê, a Turquia tem graves problemas econômicos mas pode causar estragos de grande monta nos Estados Unidos e na UE. Depois da crise de 2008 cunhou-se a expressão "grande demais para falir" (too big to fail), para significar que tal empresa ou banco poria o sistema financeiro em risco se desabasse e, por isso, deveria ser ajudado.

No caso da Turquia pode ser dito que o país é perigoso demais para ser confrontado. Cedo ou tarde, os EUA e a UE ajudarão Erdogan a economia turca e o regime autocrático que Erdogan impôs ao seu país, como foi notado neste mesmo espaço.