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Realidades do atendimento de saúde

Paul Krugman

01/08/2009 00h01

Em um recente encontro em um salão de prefeitura, um homem se levantou e disse ao deputado Bob Inglis para "manter suas mãos do governo fora do meu Medicare" (o seguro saúde para idosos e inválidos). O deputado, um republicano da Carolina do Sul, tentou explicar que o Medicare já é um programa do governo -mas o eleitor, disse Inglis, "não aceitava aquilo".

É uma história engraçada -mas ilustra o quanto a reforma da saúde terá que escalar um muro de desinformação. Não se trata apenas de muitos americanos não entenderem o que o presidente Barack Obama está propondo; muitas pessoas não entendem a forma como o sistema de saúde americano funciona no momento. Elas não entendem, em particular, que o envolvimento do governo no atendimento de saúde não seria um passo radical: o governo já está profundamente envolvido, mesmo nos planos de saúde privados.

E que este envolvimento do governo é o único motivo para nosso sistema continuar funcionando.

A informação chave que é preciso saber sobre o atendimento de saúde é que ele depende de forma crucial de seguro. Você não sabe quando ou se precisará de tratamento -mas se precisar, o tratamento pode ser extremamente caro, muito além do que a maioria das pessoas pode pagar com dinheiro do próprio bolso. Cirurgias de ponte de safena, não consultas médicas de rotina, são onde dinheiro de verdade é gasto, de forma que seguro é essencial.

Mas os mercados privados para seguro saúde, quando atuam por conta própria, funcionam muito mal: as seguradoras negam o máximo de pedidos possível, além de também tentarem evitar dar cobertura para aqueles que mais precisam de atendimento. As histórias de horror são legião: a seguradora que se recusou a pagar por uma cirurgia de câncer urgentemente necessária devido a dúvidas sobre um tratamento de acne do paciente; a mulher jovem saudável que teve cobertura negada por ter brevemente consultado um psicólogo após o rompimento com seu namorado.

E em seus esforços para evitar "perdas médicas", o termo do setor para pagamento de contas médicas, as seguradoras gastam grande parte do dinheiro arrecadado pelas mensalidades não em tratamento médico, mas avaliando pessoas com maior probabilidade de usarem o plano para excluí-las. No mercado individual de seguros, onde as pessoas compram o plano diretamente em vez de recebê-lo de seus empregadores, tanto dinheiro é gasto nesta e em outras despesas que apenas cerca de 70 centavos de cada dólar de mensalidade são de fato destinados ao atendimento.

Ainda assim, a maioria dos americanos possui plano de saúde e está razoavelmente satisfeita com ele. Como isso é possível, quando o mercado de seguro saúde funciona tão mal? A resposta é intervenção do governo.

Mais obviamente, o governo fornece diretamente seguro por meio do Medicare e outros programas. Antes da criação do Medicare, mais de 40% dos idosos americanos careciam de qualquer tipo de plano de saúde. Hoje, o Medicare -que, a propósito, é um dos sistemas de "pagador individual" que os conservadores adoram satanizar- cobre todo mundo com 65 anos ou mais. E as pesquisas mostram que os segurados do Medicare se mostram muito mais satisfeitos com sua cobertura do que os americanos com planos privados.

Ainda assim, a maioria dos americanos com menos de 65 anos possui alguma forma de seguro privado. Mas a grande maioria não o compra diretamente: eles o recebem por meio de seu empregador. Há uma grande vantagem fiscal em fazê-lo desta forma, já que as contribuições do empregador ao atendimento de saúde não são consideradas renda tributável. Mas para obter a vantagem tributária os empregadores precisam seguir várias regras; falando de modo geral, eles não podem discriminar com base em condições médicas pré-existentes ou restringir os benefícios aos funcionários melhor remunerados.

E é graças a estas regras que o plano pago pelo empregador mais ou menos funciona, pelo menos no sentido de que as histórias de horror são muito menos comuns do que no mercado de seguro individual.

Resumindo: se você possui atualmente um plano de saúde decente, agradeça ao governo. É verdade que se você for jovem e saudável, sem nada em seu prontuário médico que possa levantar bandeiras vermelhas para os contadores corporativos, você pode adquirir seu plano de saúde sem intervenção do governo. Mas todos estão sujeitos ao tempo e ao acaso, e o único motivo para ter uma perspectiva razoável de ainda contar com cobertura do seguro quando precisar dele é devido ao grande papel que o governo já exerce.

O que nos traz ao atual debate sobre a reforma.

Os adversários de direita da reforma querem que as pessoas acreditem que Obama é um socialista desvairado, que está atacando o livre mercado. Mas a desregulamentação do mercado não funciona para a saúde -nunca funcionou, nunca funcionará. O fato de ainda termos um sistema de saúde funcional no momento se deve apenas ao governo cobrir os idosos, enquanto uma combinação de regulamentação e subsídios possibilita para muitos americanos não idosos, mas não todos, contar com uma cobertura privada decente.

Obama basicamente propõe o uso de regulamentação e subsídios adicionais para disponibilizar um seguro decente para todos os americanos. Não é nada radical; é tão americano quanto, bem, o Medicare.

Tradução: George El Khouri Andolfato