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Política de austeridade fiscal vai deixar as crianças para trás

O que se espera que aconteça quando as crianças negligenciadas de hoje se tornarem a força de trabalho de amanhã? - Shutterstock
O que se espera que aconteça quando as crianças negligenciadas de hoje se tornarem a força de trabalho de amanhã? Imagem: Shutterstock

Paul Krugman

01/03/2011 00h41

Será que 2011 ficará conhecido como um ano de austeridade fiscal? No nível federal isso ainda não está claro: os republicanos estão exigindo cortes de gastos draconianos, mas nós não sabemos ainda até que ponto eles estão dispostos a entrar em confronto com o presidente Barack Obama. Nos níveis estadual e municipal, no entanto, não existe dúvida quanto a isso: grandes cortes de gastos estão vindo por aí.

E quem vai arcar com o grosso desses cortes? As crianças norte-americanas.

Os políticos – e, especialmente, segundo a minha experiência, os políticos conservadores – sempre alegam que estão profundamente preocupados com as crianças do país. Durante a campanha de 2000, o então candidato George W. Bush, citando o “milagre texano” representado pelos índices de evasão escolar drasticamente baixos, declarou que desejava ser o “presidente da educação”. Atualmente, os defensores das grandes reduções orçamentárias alegam frequentemente que a sua maior preocupação é o peso da dívida que as nossas crianças terão que carregar.

Na prática, todavia, quando os defensores de menores gastos têm uma chance de colocar as suas ideias em prática, o peso sempre parece cair desproporcionalmente sobre os ombros dessas mesmas crianças que eles tanto dizem adorar.

Vejamos, a título de ilustração, o que está ocorrendo no Texas, Estado que transmite cada vez mais a impressão de ser aquele no qual o futuro dos Estados Unidos acontece primeiro.

O Texas gosta de se retratar como um modelo de governo pequeno, e de fato é. Os impostos são baixos, pelo menos se você fizer parte do topo da pirâmide da distribuição de renda (os impostos para a parcela de 40% da população que ocupa os extratos mais baixos dessa pirâmide são na verdade mais elevados do que a média nacional). Os gastos do governo são também baixos. E, a bem da verdade, os baixos impostos podem ser um dos motivos para o rápido crescimento populacional, embora os preços baratos da moradia sejam certamente muito mais importantes.

Mas o ponto mais importante é que, embora os baixos gastos possam transmitir uma boa impressão na teoria, na prática isso representa poucos gastos com as crianças, para as quais é destinada direta ou indiretamente uma grande parte do orçamento governamental nos níveis estadual e municipal.

E, neste Texas de baixos impostos e gastos, nem todas as crianças estão indo bem. O índice de conclusão do ensino de segundo grau, de apenas 61,3%, deixa o Texas em 43º na lista dos 50 Estados do país. O Texas está em quinto lugar na lista dos Estados com maior índice de pobreza infantil; e é o primeiro em termos de percentagem de crianças que não estão cobertas por seguro de saúde. E apenas 78% das crianças do Texas têm uma saúde excelente ou muito boa, um índice que é significativamente mais baixo do que a média nacional.

Mas, esperem – como é que o índice de conclusão do segundo grau pode ser tão reduzido se o Texas passou por aquele milagre educacional quando o ex-presidente George W. Bush foi o governador do Estado? Bem, durante o segundo ano dele na presidência, a verdade sobre esse milagre veio à tona: os administradores escolares do Texas obtiveram números de evasão escolar reduzidos usando o velho método. Ou seja, eles manipularam os números.

O quadro não é bonito. Deixando de lado o aspecto compassivo do problema, a gente se pergunta – e muitos empresários do Texas também – como é que o Estado poderá prosperar no longo prazo com uma força de trabalho prejudicada pela pobreza infantil, pela saúde ruim e pela carência de educação escolar.

Mas a situação está prestes a ficar muito pior.

Poucos meses atrás, um outro milagre texano passou a seguir uma rota similar àquela do milagre educacional da década de 1990. Durante meses, o governador Rick Perry gabou-se de que as suas “decisões conservadoras duras” haviam garantido um superávit orçamentário e ao mesmo tempo possibilitado que o Estado saísse da recessão ileso. Mas, após a reeleição de Perry, a realidade emergiu – é engraçado como isso sempre acontece –, e agora o Estado está tentando conter um enorme déficit orçamentário (aliás, tendo em vista as atuais iniciativas no sentido de responsabilizar os sindicatos do setor público pelos problemas fiscais estaduais, vale a pena ressaltar que essa bagunça no Texas foi alcançada com uma força de trabalho preponderantemente não sindicalizada).

E, então, como esse déficit será coberto? Ao se considerar que a situação das crianças do Texas já é muito difícil, seria de se esperar que as lideranças do Estado concentrassem os sacrifícios em outra área. Quem acompanha a situação poderia achar que os texanos de alta renda, que pagam muito menos impostos estaduais e municipais do que a média nacional, fossem convocados a arcar com pelo menos uma parcela desse fardo.

Nada disso. Os aumentos de impostos foram totalmente descartados. O déficit orçamentário será coberto apenas por meio de cortes de gastos. O Medicaid, um programa que é crucial para muitas das crianças do Estado, será o mais atingido, e a legislatura está propondo um corte de verbas de nada menos do que 29%, incluindo uma redução dos já baixos pagamentos por parte do Estado aos provedores de serviços de saúde – fazendo com que surjam temores de que os médicos comecem a se recusar a atender os pacientes cobertos pelo Medicaid. E a educação também sofrerá cortes profundos. Os administradores escolares estão falando sobre até 100 mil demissões.

O fato realmente impressionante a respeito de tudo isso não é a crueldade – à esta altura seria isso que esperaríamos – mas a falta de visão. O que se espera que aconteça quando as crianças negligenciadas de hoje se tornarem a força de trabalho de amanhã?

De qualquer maneira, da próxima vez que algum autoproclamado inimigo dos déficits nos disser que se preocupa com a dívida que estamos deixando para os nossos filhos, lembremo-nos daquilo que está ocorrendo no Texas, um Estado cujo slogan neste momento poderia muito bem ser: “Perder o futuro”.