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Lições da crise financeira de 2008 estão sendo esquecidas

Paul Krugman

05/07/2011 01h01

Observar a evolução da discussão econômica em Washington nos últimos dois anos tem sido uma experiência desalentadora. A cada mês o discurso tem se tornado mais primitivo. Com uma rapidez vertiginosa, as lições da crise financeira de 2008 foram esquecidas, e aquelas mesmas ideias que nos jogaram nesta crise – a regulamentação é ruim, aquilo que é bom para os banqueiros é bom para os Estados Unidos e as reduções de imposto são a cura universal para todos os problemas – recuperaram a sua influência.

A economia do trickle-down (doutrina econômica baseada no estímulo à prosperidade dos mais ricos, que “gotejaria” para os mais pobres) – e especificamente a ideia de que tudo o que fizer aumentar os lucros das corporações é bom para a economia – está retornando ao cenário econômico.

Esse fato parece ser bizarro. Nos últimos dois anos, os lucros das companhias dispararam, enquanto o desemprego continuou em níveis desastrosamente elevados. Por que alguém deveria acreditar que a entrega de mais dinheiro às corporações, de forma incondicional, provocaria a criação mais rápida de empregos?

Entretanto, a economia trickle-down está em ascensão – e até mesmo alguns democratas a estão abraçando. Sobre o que eu estou falando? Pensem primeiro nos argumentos que os republicanos estão usando para defender brechas fiscais escandalosas. Como é que certas pessoas podem exigir reduções selvagens dos gastos com o Medicare e o Medicaid e, ao mesmo tempo, defender reduções especiais de impostos que favorecem gerentes de fundos de hedge e proprietários de jatos executivos?

Bem, eis o que declarou Eric Cantor, o líder da maioria na câmara dos deputados, ao repórter Greg Sargent, do jornal “The Washington Post”: “Se cobrarmos impostos do pagador de salários, que oferece empregos, não teremos como ajudar o assalariado”. Ele prosseguiu, dando a entender, de forma nada sutil, que as reduções de impostos em questão têm como objetivo principal ajudar as pequenas empresas (na verdade, essas reduções beneficiam principalmente as grandes corporações). Mas o argumento básico é que tudo aquilo que deixar mais dinheiro nas mãos das corporações significará mais empregos. Ou seja, temos a teoria do trickle-down na sua forma pura.

E, além disso, há a questão da repatriação de capital.

As corporações dos Estados Unidos deveriam pagar impostos sobre os lucros das suas
subsidiárias no exterior – mas somente se esses lucros forem transferidos para a sede da companhia. Agora há um movimento – orquestrado, é claro, por uma grande campanha de lobby – solicitando que seja oferecida uma anistia segundo a qual as companhias poderiam repatriar os seus lucros sem praticamente pagarem impostos. E até mesmo alguns democratas estão apoiando essa ideia, alegando que isso criaria empregos.

Conforme observam os oponentes desse plano, nós já vimos esse filme: um presente fiscal similar foi oferecido em 2004, com uma propaganda estridente semelhante. E o fracasso foi total. As companhias de fato tiraram proveito da anistia para transferir bastante dinheiro para os Estados Unidos. Mas elas usaram esse dinheiro para pagar dividendos, saldar dívidas, adquirir outras companhias, comprar de volta as suas próprias ações – ou seja, para tudo, menos aumentar os investimentos e criar empregos. De fato, não existe qualquer evidência de que o presente fiscal de 2004 tenha contribuído de alguma forma para estimular a economia.

Entretanto, aquela isenção fiscal deu às grandes corporações uma oportunidade para que evitassem pagar normalmente os seus impostos, já que mais cedo ou mais tarde elas teriam acabado repatriando grande parte do dinheiro que trouxeram com a anistia, um dinheiro sobre o qual em uma situação normal incidiriam impostos. E ele também se constituiu em um incentivo para que as companhias transferissem ainda mais empregos para o exterior, já que elas agora sabem que existe uma boa possibilidade de que serão capazes de repatriar os seus lucros no estrangeiro, praticamente sem pagar impostos, devido a futuras anistias.

Mas, conforme eu já disse, existe uma pressão para que se repita essa operação desastrosa. E desta vez a situação é ainda pior. Pensem só nisso: como é que alguém é capaz de imaginar que o que está impedindo a recuperação dos Estados Unidos neste momento é a falta de capital corporativo? Afinal de contas, todos sabem que as corporações já estão com reservas enormes de capital e que elas não estão investindo esse dinheiro nos seus próprios negócios.

Na verdade, esse capital estagnado transformou-se em um grande tópico de conversa entre os conservadores, e a direita alega que as empresas não estão investindo devido à incerteza política. Tenho quase certeza de que essa alegação é falsa: as evidências indicam fortemente que o motivo real pelo qual as corporações estão sentadas sobre essa montanha de capital parado é a falta de demanda dos consumidores.

De qualquer maneira, se as corporações já possuem uma abundância de capital que não estão utilizando, por que é que, se lhes concedêssemos uma redução de impostos que faria com que aumentasse ainda mais a montanha de dinheiro à disposição delas, isso contribuiria para acelerar a recuperação econômica do país?

É claro que tal medida não contribuiria em nada para isso. É pura besteira afirmar que um presente fiscal para as corporações criaria empregos ou que a suspensão dos cortes de impostos para jatos executivos destruiria empregos.

Portanto, eis o que nós deveríamos responder a quem defende a concessão de grandes presentes às corporações: a falta de capital corporativo não é o problema com o qual os Estados Unidos se deparam. As grandes companhias já dispõem do dinheiro do qual necessitam para expandir os seus negócios; o que está faltando é um motivo para elas expandirem os negócios, já que os consumidores ainda estão com os cintos apertados e o governo está cortando os seus gastos.

A nossa economia necessita é da criação direta de empregos pelo governo e de um alívio da dívida de hipotecas para os consumidores estressados. Mas ela não necessita de uma transferência de bilhões de dólares para corporações que não têm a menor intenção de contratar ninguém, a não ser mais lobistas.