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Desemprego deve ser o foco da discussão sobre a crise nos EUA

Barack Obama, presidente dos Estados Unidos, durante discurso na Casa Branca - Jim Watson/AFP
Barack Obama, presidente dos Estados Unidos, durante discurso na Casa Branca Imagem: Jim Watson/AFP

Paul Krugman

13/08/2011 00h32

A turbulência no mercado deixou você com medo? Bem, deveria. Claramente, a crise econômica que começou em 2008 ainda não acabou.

Mas há outra emoção que você deveria sentir: raiva, devido ao que estamos vendo agora, que é o que acontece quando pessoas influentes exploram uma crise em vez de tentar resolvê-la.

Por mais de um ano e meio – desde que o presidente Barack Obama optou por tornar os déficits, e não os empregos, o foco central do discurso do Estado da União de 2010 –, a conversa pública é dominada pelas preocupações com o orçamento, ao mesmo tempo em que quase ignora o desemprego. A necessidade supostamente urgente de reduzir os déficits domina tanto o discurso que, na segunda-feira, em meio ao pânico no mercado, Obama dedicou grande parte de seus comentários ao déficit, em vez de ao risco real e imediato de uma nova recessão.

O que tornou isso tão bizarro foi o fato de os mercados terem sinalizado, mais claramente impossível, que o desemprego, e não os déficits, é o nosso maior problema. Tenha em mente que os falcões do déficit estão alertando há anos que as taxas de juros sobre a dívida do governo americano aumentariam a qualquer momento e que a ameaça do mercado de títulos seria o motivo para a redução imediata do déficit. Mas a ameaça continua não se materializando. Nesta semana, após um rebaixamento que supostamente assustaria os investidores em títulos, essas taxas de juros na verdade despencaram para baixas recordes.

O que o mercado estava dizendo – quase gritando – era: “Nós não estamos preocupados com o déficit! Nós estamos preocupados com a economia fraca!” Pois economia fraca significa tanto taxas de juros baixas quanto falta de oportunidades de negócios, o que, por sua vez, significa que os títulos do governo se tornam um investimento atraente, mesmo com rendimento tão baixo. Se o rebaixamento da dívida americana teve algum efeito, foi o de reforçar os temores de que as políticas de austeridade enfraquecerão ainda mais a economia.

Então como o discurso em Washington passou a ser dominado pela questão errada?

Os republicanos linha dura tiveram um papel, é claro. Apesar de aparentemente não se importarem realmente com os déficits – experimente sugerir algum aumento de impostos sobre os ricos –, eles descobriram que martelar a questão era uma maneira útil de atacar os programas do governo.

Mas nosso discurso não teria saído tanto fora dos trilhos se outras pessoas influentes não estivessem ávidas em desviar o assunto dos empregos, mesmo diante de 9% de desemprego, e sequestrar a crise em prol de suas agendas pré-existentes.

Cheque a página de opinião de qualquer grande jornal, ou escute qualquer programa de discussão de notícias, e você provavelmente encontrará algum autoproclamado centrista declarando que não há soluções a curto prazo para nossas dificuldades econômicas, que a coisa responsável a se fazer é voltar a atenção para as soluções a longo prazo e, em particular, para a “reforma dos benefícios sociais”– isto é, cortes no Seguro Social e no Medicare (o seguro-saúde público para idosos e inválidos). E quando você encontrar uma pessoa dessas, saiba que pessoas como essas são o principal motivo para estarmos tão enrascados.

Pois o fato é que a economia precisa desesperadamente de um conserto a curto prazo. Quando você está sangrando profusamente devido a um ferimento aberto, você deseja que o médico estanque o sangramento, não que fique instruindo sobre a importância de manter um estilo de vida saudável à medida que você envelhecer. Quando milhões de trabalhadores dispostos e capazes estão desempregados, e o potencial econômico desperdiçado é da ordem de quase US$ 1 trilhão por ano, você deseja autores de políticas que trabalhem em uma recuperação rápida, não pessoas fazendo sermão sobre a necessidade de sustentabilidade fiscal a longo prazo.

Infelizmente, passar sermão sobre sustentabilidade fiscal a longo prazo é o passatempo da moda em Washington; é o que pessoas que querem soar sérias fazem para demonstrar sua seriedade. Assim, quando a crise estourou e levou aos grandes déficits orçamentários – porque é o que acontece quando a economia retrai e a receita despenca –, muitos membros de nossa elite política se mostraram ávidos em usar esses déficits como desculpa para desviar o assunto do desemprego para seu tema favorito. E a economia continuou sangrando.

O que uma resposta real aos nossos problemas envolveria? Primeiro, envolveria mais gastos do governo por ora, não menos – com desemprego em massa e custos de tomada de empréstimos incrivelmente baixos, nós deveríamos estar reconstruindo nossas escolas, nossas estradas, nossos sistemas de água e esgoto e mais. Envolveria medidas agressivas para redução da dívida dos lares por meio de perdão de hipotecas e refinanciamento. Envolveria um esforço total por parte do Federal Reserve (o banco central americano) para estimular a economia, com a meta deliberada de gerar inflação mais alta, para ajudar a aliviar os problemas da dívida.

Os suspeitos habituais condenarão, é claro, essas ideias como sendo irresponsáveis. Mas você sabe o que é realmente irresponsável? Sequestrar o debate em torno da crise para promover as mesmas coisas que eram defendidas antes da crise, e permitir que a economia continue sangrando.