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Em Wall Street, egos e imoralidade

26/05/2012 00h01

Após uma devastadora crise financeira, o presidente Barack Obama impôs algumas medidas regulatórias modestas e ajoviamento necessárias.

Obama propôs que se acabasse com algumas brechas fiscais escandalosas e sugeriu que o histórico de Mitt Romney no que se refere a comprar e revender companhias, muitas vezes demitindo trabalhadores e destruindo as pensões destes durante o processo, não faz dele o homem certo para administrar a economia dos Estados Unidos.

Wall Street respondeu --de forma previsível, eu suponho-- com reclamações e atitudes intempestivas. E, de certa forma, tem sido interessante presenciar como esses “Senhores do Universo” podem ser infantis e temperamentais. Quem se recorda de quando Stephen Schwarzman, do Blackstone Group, comparou uma proposta para a limitação das suas isenções tributárias à invasão da Polônia por Hitler? Ou de quando Jamie Dimon, do JPMorgan Chase, classificou qualquer discussão sobre a desigualdade de renda como um ataque ao próprio conceito de sucesso?

Mas o fato é que os indivíduos de Wall Street não são apenas garotos mimados. Eles são garotos mimados que têm à sua disposição um poder e uma riqueza imensos. E o que eles estão procurando fazer com esse poder e essa riqueza neste momento é comprar para si não apenas políticas governamentais que atendam aos seus interesses, mas também imunidade contra críticas.

Antes de falar sobre isso, eu vou desmentir uma fábula que nós temos escutado bastante do pessoal de Wall Street e dos seus leais defensores. Uma fábula na qual o estrago incrível que as ações financeiras descontroladas infligiram à economia dos Estados Unidos é totalmente esquecido e, em vez de vilões, os banqueiros acabam sendo retratados como verdadeiros heróis que salvaram o país.

Esta fábula nos diz: era uma vez um país chamado Estados Unidos, uma terra de gerentes preguiçosos e trabalhadores indolentes. A produtividade caía, e a indústria norte-americana estava desaparecendo devido à competição estrangeira. Foi então que empresários de maxilar largo e pensamento conservador como Mitt Romney o ficcional Gordon Gekko vieram em socorro do país, impondo disciplina financeira e trabalhista. É verdade que certas pessoas não gostaram disso e, é claro, elas embolsaram bastante dinheiro durante o processo. Mas o resultado foi uma grande ressurgência econômica, cujos benefícios se disseminaram para todos.

É possível perceber por que Wall Street gosta dessa narrativa. Mas nada nela é verdadeiro --exceto o trecho que diz como os Gekkos e os Romneys ganharam montanhas de dinheiro. Isso porque o fato concreto é que a suposta explosão de produtividade jamais ocorreu. Na verdade, a produtividade média dos Estados Unidos aumentou mais rapidamente na geração do pós-guerra, uma era na qual os bancos eram fortemente regulamentados e coisas como equities privadas praticamente não existiam, do que depois que o nosso sistema político decidiu que a ganância é um valor positivo.

E quanto à competição internacional? Atualmente nós vemos os Estados Unidos como sendo uma nação condenada a amargar déficits comerciais perpétuos, mas as coisas nem sempre foram assim. Da década de 50 até a de 70, nós costumávamos ter uma balança comercial mais ou menos equilibrada, exportando mais ou menos tanto quanto importávamos. Os grandes déficits da balança comercial só tiveram início nos anos Reagan, ou seja, durante a era das finanças descontroladas.

E quanto à disseminação de riquezas de cima para baixo, para o restante da população? Isso jamais ocorreu. Houve ganhos de produtividade significativos nessas últimas três décadas, embora não na escala que a lenda criada por Wall Street afirma ter ocorrido. No entanto, apenas uma pequena parte desses ganhos foi repassada aos trabalhadores norte-americanos.

Portanto, as maquinações financeiras dos especuladores não fizeram nenhuma maravilha pela economia dos Estados Unidos, e há questionamentos reais quanto aos motivos exatos pelos quais os especuladores ganharam tanto dinheiro enquanto geravam resultados tão duvidosos.

Entretanto, estes são questionamentos que esses especuladores não querem que se faça. E eu creio que isso não se deve apenas ao fato de eles desejarem defender as suas isenções fiscais e outros privilégios. Existe também uma questão relativa ao ego envolvida nessa atitude. Para eles não basta possuir riquezas imensas. Eles desejam também deferência e estão fazendo tudo o que podem para comprá-la. Tem sido surpreendente constatar como ex-democratas de Wall Street estão passando para o lado de Mitt Romney, não por acreditarem que ele possui boas ideias relativas a políticas econômicas, mas porque estão considerando as críticas bastante suaves de Obama aos excessos financeiros um autêntico insulto pessoal.

E tem sido particularmente triste ver alguns políticos democratas que possuem vínculos com Wall Street, como Cory Booker, prefeito de Newark, no Estado de Nova Jersey, se prontificando a defender fielmente os egos surpreendentemente frágeis dos seus amigos. Conforme eu disse no início, de certa forma o comportamento egocêntrico e egoísta de Wall Street é meio engraçado. Mas embora esse comportamento possa ser divertido, ele é também profundamente imoral.

Pensemos na situação em que nos encontramos atualmente, no quinto ano de uma crise provocada por banqueiros irresponsáveis. Os próprios banqueiros foram socorridos com dinheiro público, mas o resto do país continua a sofrer terrivelmente, e o desemprego de longo prazo continua em um patamar que não era visto desde a Grande Depressão. Uma legião enorme de jovens norte-americanos recém-formados está se deparando com um mercado de trabalho terrível.

E, em meio a esse pesadelo nacional, uma quantidade excessiva de membros da elite econômica parece estar preocupada principalmente com a forma como o presidente aparentemente os está magoando. E isso não é engraçado, mas sim vergonhoso.