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Partido Republicano vive "crise de existência"

O ex- candidato à Presidência dos Estados Unidos, Mitt Romney, cumprimenta Paul Ryan,  que concorreu como vice dele - Jim Watson/AFP
O ex- candidato à Presidência dos Estados Unidos, Mitt Romney, cumprimenta Paul Ryan, que concorreu como vice dele Imagem: Jim Watson/AFP

Paul Krugman

15/12/2012 00h01

É importante ressaltar isso, pois eu continuo lendo reportagens sobre o “abismo fiscal” que o descrevem – muitas vezes no título – como se ele fosse uma crise de dívida. Mas o abismo fiscal não é uma crise relacionada ao endividamento. O governo dos Estados Unidos não está tendo problemas para conseguir financiar seu deficit. Na realidade, os custos dos empréstimos tomados pelo país estão próximos de seus níveis mais baixos de todos os tempos. E, mesmo o confronto sobre o teto da dívida, que deve alcançar seu ápice dentro de alguns meses se nós, de alguma forma, conseguirmos evitar cair no abismo fiscal, também não tem realmente nada a ver com dívida.
 
Não, o que nós estamos experimentando é uma crise política, nascida do fato de que um de nossos dois grandes partidos políticos chegou ao fim de uma estrada de 30 anos. A grandiosa e radical agenda do moderno Partido Republicano está em ruínas – mas a agremiação não sabe como lidar com esse fracasso, e ainda mantém poder suficiente para provocar danos enormes enquanto desfere seus golpes motivados pela frustração.
 
Antes de falar sobre a realidade, uma palavra sobre o estado atual das “negociações” do orçamento.
 
Por que as aspas amedrontadoras? Porque essas não são negociações normais, durante as quais cada lado apresenta propostas específicas e as negociatas prosseguem até que os dois lados convirjam. Como a maior parte dos relatos revela, os republicanos não expuseram, até o momento, quase nenhum detalhe. Eles alegam que estão dispostos a levantar US$ 800 bilhões em receitas por meio da eliminação de brechas legais, mas se recusam a especificar quais brechas eles eliminariam. Os republicanos estão exigindo grandes cortes de gastos – mas os cortes específicos que eles estão dispostos a expor não chegariam nem perto de promover a economia que eles exigem.
 
Essa é uma situação muito peculiar. Na realidade, os republicanos estão dizendo ao presidente Barack Obama “apresente algo que nos deixe felizes”. E ele não está disposto – compreensivelmente – a jogar esse jogo. E, assim, as conversações estão empacadas.
 
Por que os republicanos não fornecem detalhes sobre sua proposta? Porque eles não sabem como fazê-lo. A verdade é que, quando se trata de gastos, eles têm fingido o tempo todo – e não apenas durante a eleição passada, mas há décadas. O que nos coloca diante da verdadeira natureza da atual crise do Partido Republicano.
 
Desde os anos 1970, o Partido Republicano tem sido cada vez mais influenciado por ideólogos radicais, cujo objetivo é nada mais, nada menos do que eliminar o estado de bem-estar social – isto é, todo o legado do “New Deal” e da “Great Society”. Desde o começo, no entanto, esses ideólogos se viram diante de um grande problema: os programas que eles querem eliminar são muito populares. Os norte-americanos podem concordar com a cabeça quando alguém ataca o governo gigante e tentacular na teoria. Mas eles apoiam totalmente a Previdência Social, o Medicar e até mesmo o Medicaid. Então, o que os radicais podem fazer?
 
A resposta, durante muito tempo, envolveu duas estratégias. Uma delas consiste no plano que visa “matar a besta de fome”, que é a ideia de usar cortes de impostos para reduzir a receita do governo e, em seguida, usar a consequente escassez de recursos para obrigar a realização de cortes em programas sociais populares. Quando vemos algum político republicano denunciar piedosamente as contas federais que estão no vermelho, devemos sempre nos lembrar que, durante décadas, o Partido Republicano tem visto os deficits orçamentários como um recurso, e não como um bug.
 
No entanto, sem dúvida mais importante no pensamento conservador era a noção de que o Partido Republicano poderia explorar outras fontes de força – como o ressentimento dos norte-americanos brancos, a aversão da classe trabalhadora a mudanças sociais, as conversas duras sobre a segurança nacional – para construir um domínio político esmagador e, a partir de então, permitir que o desmantelamento do estado de bem-social prosseguisse livremente. Apenas oito anos atrás, o ativista anti-impostos Grover Norquist olhava para o futuro alegremente, vislumbrando os dias em que os democratas seriam politicamente neutralizados: “qualquer fazendeiro pode lhe dizer que certos animais são ariscos, não param de correr e são desagradáveis. Mas, após serem corrigidos, eles ficam felizes e calmos”.
 
OK, você consegue perceber o problema: os democratas não apoiaram o programa e se recusaram a desistir. Pior ainda: do ponto de vista republicano, todas as fontes de força do partido se transformaram em fraquezas. O domínio democrata entre os hispânicos tem ofuscado o domínio republicano entre os brancos do sul do país e os direitos das mulheres triunfaram sobre as políticas relacionadas ao aborto e ao sentimento anti-gay. E adivinhem quem, finalmente, capturou Osama bin Laden.
 
E olha onde estamos agora em termos do estado de bem-estar social: longe de acabar com ele e, atualmente, os republicanos têm que assistir enquanto Obama implementa a maior expansão do seguro social desde a criação do Medicare.
 
Então, os republicanos sofreram mais do que uma derrota eleitoral. Eles têm testemunhado o colapso de um projeto de décadas. E, com seus objetivos grandiosos agora fora de alcance, eles literalmente não têm ideia do que querem – daí a sua incapacidade de fazer exigências específicas.
 
Essa é uma situação perigosa. O Partido Republicano está perdido e sem rumo, amargo e com raiva, mas ainda controla a Câmara dos Deputados e, portanto, mantém a capacidade de causar uma série de danos enquanto desfere ataques durante a agonia do sonho conservador.
 
Nossa melhor esperança é que os interesses das empresas usem sua influência para restringir os danos. Mas há a probabilidade de que os próximos anos sejam muito, muito feios.