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As batalhas do orçamento revelam luta de classes nos Estados Unidos

Capitólio, a sede do legislativo dos Estados Unidos, em Washington - Jacquelyn Martin/AP
Capitólio, a sede do legislativo dos Estados Unidos, em Washington Imagem: Jacquelyn Martin/AP

07/01/2013 00h01

A fantasia centrista da Grande Barganha orçamentária nunca teve uma chance. Mesmo se algum tipo de acerto tivesse sido fechado, pessoas chave logo renegariam o acordo –provavelmente assim que um republicano chegasse à Casa Branca.
 
Pois a realidade é que nossos dois principais partidos políticos estão engajados em uma batalha feroz em torno do futuro formato da sociedade americana. Os democratas querem preservar o legado do New Deal e da Grande Sociedade –o Seguro Social, o Medicare (o seguro-saúde para idosos e inválidos) e o Medicaid (o seguro-saúde para pessoas de baixa renda) – e acrescentar a ele o que todos os países avançados têm: uma garantia mais ou menos universal de atendimento médico essencial. Os republicanos querem o fim de tudo isso, abrindo espaço para impostos drasticamente mais baixos para os ricos. Sim, é basicamente uma guerra de classes.
 
A luta em torno do “abismo fiscal” foi apenas uma batalha dessa guerra. Ela acabou, supostamente, em uma vitória tática para os democratas. A questão é se foi uma vitória de Pirro que abre caminho para uma derrota muito maior.
 
Por que digo ter sido uma vitória tática? Principalmente devido ao que não aconteceu: não houve corte de benefícios.
 
Isso de modo algum é um assunto encerrado. Em 2011, o governo Obama estava disposto a aumentar a idade para direito ao Medicare, uma política terrível e cruel. Desta vez, ele se mostrou disposto a reduzir os benefícios do Seguro Social, ao mudar a fórmula para os ajustes do custo de vida, uma ideia menos terrível, mas que ainda assim imporia muitas dificuldades –e provavelmente também seria politicamente desastrosa. Mas nada aconteceu. E os progressistas, sempre preocupados com o aparente excesso de disposição do presidente Barack Obama em ceder em questões fundamentais, suspiraram de alívio.
 
Também ocorreram alguns pontos positivos reais de um ponto de vista progressista. Os benefícios expandidos para os desempregados ganharam mais um ano, uma enorme ajuda para muitas famílias e um empurrão significativo para nossas perspectivas econômicas (porque se trata de dinheiro que será gasto e, portanto, ajudará a preservar empregos). Outros benefícios para as famílias de renda mais baixa receberam mais cinco anos –apesar de, infelizmente, ter expirado a isenção de impostos na folha de pagamento, o que prejudicará tanto as famílias trabalhadoras quanto a criação de empregos.
 
A maior queixa dos progressistas a respeito da legislação é que Obama extraiu menos receita dos ricos do que o esperado –aproximadamente US$ 600 bilhões, em vez de US$ 800 bilhões ao longo da próxima década. Olhando para trás, entretanto, isso não é grande coisa. Vamos colocar desta forma: uma estimativa razoável é de que o produto interno bruto ao longo dos próximos 10 anos será em torno de US$ 200 trilhões. Logo, se a receita atingisse as expectativas, ainda assim representaria apenas 0,4% do PIB; como ficou, ela foi reduzida para 0,3%. De qualquer forma, não faria muita diferença nas lutas que ainda virão em torno de receita e gastos.
 
Ah, e os republicanos não apenas votaram por um aumento de impostos pela primeira vez em décadas, como também o resultado geral das mudanças tributárias que agora entrarão em vigor –que incluem novos impostos associados ao Obamacare (a reforma da saúde de Obama) e à nova legislação– contribuirá para uma redução significativa na desigualdade de renda, com o 1% mais rico, e até mesmo o 0,1% mais rico, pagando uma fatia muito maior do que as famílias de renda média.
 
Então por que tantos progressistas –inclusive eu– estão se sentindo tão apreensivos? Porque estamos preocupados com os confrontos que virão.
 
Segundo as regras normais da política, os republicanos deveriam ter pouco poder de barganha a esta altura. Com os democratas controlando a Casa Branca e o Senado, os republicanos não têm como aprovar legislações; e como a maior prioridade política progressista dos últimos anos, a reforma da saúde, já virou lei, aparentemente os republicanos não teriam muito que negociar.
 
Mas os republicanos ainda mantêm poder para destruir, em particular ao se recusarem a elevar o teto da dívida –o que causaria uma crise financeira. E os republicanos deixaram claro que planejam usar esse poder destrutivo para extrair grandes concessões políticas.
 
Bem, o presidente disse que não negociaria nessa base, acertadamente. Ameaçar prejudicar dezenas de milhões de vítimas inocentes a menos que as coisas sejam feitas ao seu modo –que ao que se resume a estratégia republicana– não deveria ser tratada como uma tática política legítima.
 
Mas será que Obama manterá sua posição antichantagem ao se aproximar o momento da verdade? Ele piscou durante o confronto do teto da dívida em 2011. E os últimos dias das negociações do abismo fiscal também foram marcados por uma clara não disposição de sua parte em deixar o prazo expirar. Como as consequências da perda do prazo do limite de dívida seriam potencialmente muito piores, isso é um mau presságio para a determinação do governo em meio ao confronto.
 
Assim, como eu disse, em um senso tático o abismo fiscal terminou em uma vitória modesta para a Casa Branca. Mas essa vitória pode facilmente se transformar em uma derrota em apenas poucas semanas.