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Líderes da Europa desprezam a lógica antiausteridade

Trabalhadores protestam em Barcelona, na Espanha, contra as medidas de austeridade propostas pelo governo na tentativa de conter a repressão econômica que assola o país - Manu Fernandez/AP Photo
Trabalhadores protestam em Barcelona, na Espanha, contra as medidas de austeridade propostas pelo governo na tentativa de conter a repressão econômica que assola o país Imagem: Manu Fernandez/AP Photo

Paul Krugman

12/04/2013 00h01

Simon Wren-Lewis tentou recentemente demonstrar alguma simpatia pelo diabo. Em uma postagem intitulada "A Visão de Bruxelas" em seu blog, o professor de Oxford tentou penetrar na mentalidade das autoridades europeias que defendem a austeridade. E ele chegou a um ponto importante no processo, apesar de poder ter exagerado no perdão aos defensores da austeridade.

Como ele sugere, o ponto crucial por onde começar é por que economistas como ele, Brad DeLong, Martin Wolf, Larry Summers (neste momento, ao menos), este que vos escreve e outros agora são contra a austeridade. Nós nem sempre somos contra a consolidação fiscal; dê-me as circunstâncias econômicas certas e eu me tornarei, ao menos modestamente, um falcão do déficit. Nós somos contra a implantação da austeridade quando as taxas de juros estão próximas de zero, porque a economia está em uma armadilha de liquidez, de modo que os efeitos de contração do arrocho fiscal não podem ser compensados por uma expansão monetária.


Os defensores da austeridade rejeitam esse argumento? Não –eles nem mesmo reconhecem que ele existe. Na verdade, antes de chegar lá, permita-me oferecer um exemplo do mundo real para ilustrar o que estou falando.

Senhoras e senhores, permitam-me apresentar o zumbi canadense da austeridade.

O quê? Ou melhor, hein? Bem, o Canadá nos anos 90 continua servindo como um suposto exemplo da austeridade expansionária. É verdade que o Canadá realizou muita consolidação fiscal nos anos 90, experimentando simultaneamente uma forte recuperação da desaceleração econômica do início da década. Veja o gráfico para uma estimativa da posição fiscal. E então veja o gráfico da taxa de desemprego.

A austeridade é o máximo! Ou, na verdade, não.

Existiam vários fatores especiais que afetaram a experiência do Canadá, incluindo o boom de Clinton ao sul da fronteira, mas o elemento mais óbvio do ponto de vista macroeconômico é que o Canadá conseguiu compensar sua contração fiscal com um relaxamento dramático da política monetária.

Essa política monetária mais relaxada tanto alimentou a demanda doméstica quanto enfraqueceu o dólar canadense, ajudando as exportações.

É claro que, no momento, com as taxas de juros próximas de zero, nada disso pode acontecer na Europa. O efeito de contração da austeridade não é compensado. E esse é um bom motivo para as autoridades da zona do euro não promoverem a austeridade agora –e sim, um estímulo– e esperarem até que passem os efeitos da bolha imobiliária/da dívida, e uma política monetária estar novamente disponível para compensar a contração fiscal.

E como os economistas da Comissão Europeia respondem a esse argumento? Basicamente, não respondem.

Um artigo intitulado "O Debate sobre a Política Fiscal na Europa: Além do Mito da Austeridade", publicado pela comissão no mês passado e mencionado por Wren-Lewis em sua postagem, mal menciona a política monetária.


A questão então se torna o que causa esse ponto cego, que parece ainda maior na Europa do que nos Estados Unidos?

Permita-me arriscar um palpite: pode ter um pouco a ver com o mandato estreito do Banco Central Europeu. Nos Estados Unidos, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) tem um mandato duplo explícito, que o leva a buscar o pleno emprego assim como a estabilidade de preços (o que torna natural para o Fed considerar a diferença que faz estar próximo da taxa de juro zero). No Reino Unido, por algum motivo, o Banco da Inglaterra mostrou estar disposto a tolerar uma inflação acima da meta por algum tempo, e o debate de políticas públicas tende a se concentrar no que o Banco da Inglaterra pode fazer para compensar a austeridade. Mas na Europa, o BCE simplesmente não fala sobre sua responsabilidade de estabilizar a economia real, nem sobre como a armadilha de liquidez centro da Europa pode comprometer sua capacidade de fazê-lo.

Nem é apenas um fracasso em falar; não vamos esquecer que o BCE de fato elevou os juros em 2011, apesar do desemprego elevado, e que tem se recusado consistentemente em reduzir os juros, mesmo enquanto a Europa desliza cada vez mais fundo em uma recessão de duplo mergulho –e ainda mais profundamente na austeridade fiscal.

É algo notável: passados cinco anos desta crise e os principais autores de políticas europeus ainda falam como se não estivessem cientes do argumento central apresentado por seus críticos desde o primeiro dia.