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O pânico em torno de Piketty

27/04/2014 00h01

O novo livro do economista francês Thomas Piketty, “Capital in the Twenty-First Century” (o capital no Século XXI), é um autêntico fenômeno. Outros livros sobre economia já foram best-sellers, mas a contribuição de Piketty é séria, um estudo que transforma discursos, diferentemente da maior parte dos best-sellers. E os conservadores estão aterrorizados.

Assim, James Pethokoukis, do American Enterprise Institute, adverte no “National Review” que o trabalho de Piketty deve ser refutado, caso contrário, “vai se espalhar entre os intelectuais e remodelar a paisagem política e econômica na qual serão travadas todas as batalhas políticas futuras”. Bem, boa sorte nessa empreitada.

O que é realmente impressionante neste debate até agora é que a direita parece incapaz de montar qualquer tipo de contra-ataque substantivo à tese de Piketty. Em vez disso, sua reação tem sido xingar -em particular, chamar Piketty de marxista, assim como qualquer um que considere a desigualdade de renda e riqueza uma questão importante.

Voltarei à questão dos xingamentos em um momento. Primeiro, vamos falar sobre por que o “Capital” está tendo um impacto tão grande.

Piketty não é o primeiro economista a salientar que estamos experimentando um forte aumento da desigualdade, ou até mesmo a enfatizar o contraste entre o lento crescimento da renda para a maioria da população e os rendimentos incríveis no topo. É verdade que Piketty e seus colegas agregaram uma profundidade histórica ao nosso conhecimento, demonstrando que realmente estamos vivendo em uma nova Era Dourada. Mas nós sabemos disso há algum tempo.

Não. O que é realmente novo sobre o “Capital” é a maneira como destrói o mais amado mito dos conservadores, a insistência de que estamos vivendo em uma meritocracia, na qual as grandes fortunas são conquistadas e merecidas.

Nas últimas duas décadas, a resposta conservadora às tentativas de tratar de forma política a questão das maiores rendas envolveu duas linhas de defesa: em primeiro lugar, a negação de que os ricos estão realmente se dando tão bem e o resto tão mal. E quando esta negação falha, eles alegam que essas rendas elevadas são uma recompensa justificada por serviços prestados. Segundo eles, não se deve chamá-las de 1% ou de ricos, mas sim de “geradores de emprego”.

Mas como fazer essa defesa, se os ricos derivam grande parte de sua renda não do trabalho que eles fazem, mas dos ativos que possuem? E se as grandes fortunas, cada vez mais, não vêm de empreendimentos, e sim de heranças?

O que Piketty mostra é que estas não são questões menores. As sociedades ocidentais antes da Primeira Guerra Mundial de fato eram dominadas por uma oligarquia de riqueza herdada -e seu livro argumenta convincentemente de que estamos claramente voltando a esse estado.

Então o que os conversadores podem fazer, diante do medo que esse diagnóstico possa ser usado para justificar o aumento de impostos sobre os ricos? Podem tentar refutar Piketty de forma substantiva, mas, até agora, eu não vi nenhum sinal disso. Em seu lugar, como eu disse, há apenas xingamentos.

Isso não deveria ser surpreendente. Estive envolvido em debates sobre a desigualdade de renda por mais de duas décadas e nunca vi os “especialistas” conservadores conseguirem negar os números sem tropeçarem em seus próprios cadarços intelectuais. Ora, é quase como se os fatos fundamentalmente não estivessem do lado deles. Ao mesmo tempo, xingar de vermelho todo mundo que questione qualquer aspecto do dogma do livre mercado tem sido um procedimento padrão da direita, desde que pessoas como William F. Buckley tentaram impedir o ensino da economia keynesiana, não por prová-la errada, mas denunciando-a como “coletivista”.

Ainda assim, tem sido incrível assistir os conservadores, um após o outro, denunciarem Piketty como marxista. Até mesmo Pethokoukis, que é mais sofisticado do que o resto, chama o “Capital” de uma obra de “marxismo light”, o que só faz sentido se a mera menção à desigualdade de riqueza faça de você um marxista. (Talvez seja assim mesmo a visão deles: recentemente o ex-senador Rick Santorum denunciou o termo “classe média” como “conversa marxista”, porque, veja bem, não temos classes nos Estados Unidos.)

E o “Wall Street Journal”, em sua crítica ao livro, de forma muito previsível percorre todo esse percurso. De alguma forma, ele consegue comparar a defesa de Piketty da tributação progressiva como forma de limitar a concentração de riqueza -um remédio tão americano quanto a torta de maçã, defendido não apenas por economistas, mas também por políticos, inclusive Teddy Roosevelt- aos males do stalinismo. Isso é realmente o melhor que o “Wall Street Journal” consegue fazer? A resposta, aparentemente, é sim.

Agora, o fato de os apologistas dos oligarcas norte-americanos estarem evidentemente em falta de argumentos coerentes não significa que eles estejam politicamente em fuga. O dinheiro ainda fala -na verdade, em parte graças ao Supremo Tribunal de Roberts, fala mais alto do que nunca. Ainda assim, as ideias também importam, moldando a forma como falamos sobre a sociedade e, eventualmente, a forma como agimos. E o pânico em relação a Piketty mostra que a direita ficou sem ideias.