Estamos vivendo em uma era política na qual os fatos não importam
Agora é oficial: 2014 foi o ano mais quente já registrado. Você poderia esperar que isso seria um marco politicamente importante. Afinal, aqueles que negam a mudança climática há muito usavam o pico de 1998 –um ano incomumente quente, devido em grande parte ao afloramento de água quente no Pacífico– para alegar que o planeta tinha parado de aquecer. Essa alegação envolve um incompreensão total sobre como se identifica as tendências por trás. (Dica: não escolha a dedo suas observações.) Mas agora até mesmo esse argumento falso ruiu. Assim, os negadores agora reconhecerão que a mudança climática é real?
É claro que não. Evidência não importa para o "debate" a respeito da mudança climática, onde coloquei debate entre aspas porque, dada a irrelevância óbvia da lógica e das evidências, não se trata de fato de um debate em qualquer sentido normal. E essa situação está longe de ser única. De fato, a esta altura é difícil pensar em qualquer disputa envolvendo políticas importantes onde os fatos realmente importam. É um dogma inabalável de modo geral. E a verdadeira pergunta é, por quê?
Antes que eu fale disso, permita-me lembrar algumas notícias que não importam.
Primeiro, considere o experimento do Kansas. Em 2012, Sam Brownback, o governador de direita do Estado, mergulhou de cabeça na economia pelo lado da oferta: ele cortou drasticamente os impostos, assegurando a todos que o boom resultante compensaria a perda inicial de receita. Infelizmente para seus eleitores, o experimento dele foi um fracasso retumbante. A economia do Kansas, longe de prosperar, ficou atrasada em relação aos Estados vizinhos e o Kansas agora se encontra em uma crise fiscal.
Assim, nós veremos os conservadores voltarem atrás em suas alegações sobre a eficácia mágica dos cortes de impostos como forma de estímulo econômico? É claro que não. Se evidência importasse, a economia pelo lado da oferta teria caído na obscuridade há décadas. Em vez disso, ela apenas ganha força no Partido Republicano.
Enquanto isso, as notícias sobre a reforma da saúde continuam chegando e continuam sendo mais favoráveis do que esperavam até mesmo aqueles que a apoiaram. Nós já sabíamos que o número de americanos sem cobertura de saúde está caindo rapidamente, ao mesmo tempo que o aumento dos custos de saúde moderou. Agora nós também temos evidência de que o número de americanos passando por dificuldades financeiras devido a despesas médicas também está caindo rapidamente.
Tudo isso contraria as previsões sombrias de que a reforma da saúde levaria a uma queda de cobertura e alta dos custos. Assim, nós veremos alguma das pessoas que alegavam que a reforma da saúde estava condenada ao fracasso completo rever sua posição? Você sabe a resposta.
E a lista continua. Em questões que variam de política monetária ao controle de doenças infecciosas, grande parte do corpo político americano mantém pontos de vista que são contraditos pela experiência real e permanece inabalado por ela. Não importa qual seja a questão, é a mesma coisa. Se você já se envolveu em algum desses debates, você sabe que essas pessoas não são combatentes alegres; elas ficam vermelhas de raiva, com uma fúria especial voltada aos sabe-tudo que, de modo esnobe, apontam que os fatos não apoiam o argumento delas.
A questão, como eu disse no início, é por quê? Por que o dogmatismo? Por que a raiva? E por que essas questões se unem, com o mesmo grupo de pessoas insistindo que a mudança climática é uma farsa e que qualquer tentativa de fornecer atendimento de saúde universal deve levar ao desastre e à tirania?
Bem, me chama atenção que a posição inalterável em cada um desses casos está atada à rejeição a qualquer papel para o governo que atenda ao interesse público. Se você não quer que o governo imponha controles ou taxas aos poluidores, você vai querer negar que haja algum motivo para limitar as emissões. Se você não deseja a combinação de regulação, obrigatoriedades e subsídios necessária para estender a cobertura aos não segurados, você vai querer negar que a expansão da cobertura seja possível. E as alegações sobre os poderes mágicos da redução de impostos costumam ser pouco mais que uma máscara para a verdadeira agenda, que é minar o governo, ao privá-lo de receita.
E por que esse ódio ao governo no interesse público? Bem, o cientista político Corey Robin argumenta que aqueles que mais se autoproclamam conservadores são, na verdade, reacionários. Isto é, eles são defensores da hierarquia tradicional –o tipo de hierarquia que é ameaçada por qualquer expansão do governo, mesmo (ou talvez especialmente) quando a expansão torna a vida dos cidadãos comuns melhor e mais segura. Eu sou parcial em relação a essa história, em parte porque ajuda a explicar por que a ciência climática e a economia da saúde inspiram tanta raiva.
Quer esta seja a explicação correta ou não, o fato é que estamos vivendo em uma era política na qual os fatos não importam. Isso não significa que aqueles entre nós que se importam com evidências devam parar de procurá-las. Mas devemos ser realistas em nossas expectativas e deixar de esperar que até mesmo a evidência mais decisiva fará alguma diferença.
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