Desigualdade e a cidade
Nova York, Nova York, que cidade. Os aluguéis estão em alta, mas a criminalidade está em queda. A comida está melhor do que nunca e a cena cultural é vibrante. Realmente, é uma era de ouro para a cidade para a qual me mudei recentemente –se você puder arcar com o preço dos imóveis. Porém, mais e mais pessoas não podem.
E isso não está ocorrendo apenas em Nova York. Os dias em que imagens distópicas de declínio urbano predominavam na cultura popular –lembra do filme "Fuga de Nova York"?– são coisa do passado. A história para muitas de nossas principais cidades é, em vez disso, de gentrificação, um processo que é óbvio a olho nu e cada vez mais visível nos dados.
Especificamente, a América urbana atingiu um ponto de inflexão há cerca de 15 anos: após décadas de declínio, as maiores cidades começaram a ficar mais ricas, com maior nível de escolaridade e, sim, mais brancas. Hoje, nossos centros urbanos estão fornecendo ainda mais confortos, mas em grande parte para uma minoria muito rica.
Mas por que isso está acontecendo? E há alguma forma de disseminarmos mais amplamente os benefícios de nossa renascença urbana?
Vamos começar reconhecendo que um fator importante certamente é o declínio elevado das taxas de criminalidade. Para aqueles entre nós que se recordam dos anos 70, Nova York em 2015 é tão segura que chega a ser surreal. E a verdade é que ninguém realmente sabe por que isso aconteceu.
Mas também há outros fatores para a mudança: acima de tudo, o aumento nacional na desigualdade.
É um fato familiar (mesmo que os suspeitos habituais ainda neguem) que a concentração de renda nas mãos de uma pequena minoria aumentou nos últimos 35 anos. Essa concentração é ainda maior em grandes áreas metropolitanas como Nova York, porque essas áreas são onde tanto setores de alta remuneração e que exigem alta capacitação tendem a estar localizados, quanto onde os muito ricos costumam querer viver. De forma geral, essa elite de alta renda consegue o que deseja, e o que ela deseja desde 2000 é viver perto do centro das grandes cidades.
Mas por que os americanos de alta renda agora querem viver no centro das grandes cidades, em vez de amplos imóveis suburbanos? É aqui onde precisamos prestar atenção à mudança na vida dos ricos –em particular, aos seus hábitos de trabalho.
Para se ter uma ideia de como era antes, permita-me citar um artigo clássico da "Fortune" de 1955, intitulado "How Top Executives Live" (ou "Como Vivem os Altos Executivos", em tradução livre). Segundo aquele artigo, o executivo típico "acorda cedo –por volta das 7h da manhã– faz um farto café da manhã e corre para escritório de trem ou automóvel. Não é incomum para ele, após passar das 9h à 18h em seu escritório, voltar correndo para casa, jantar e ir para a cama com uma pasta cheia de trabalho". Bem, segundo os padrões da elite empresarial atual, esse é na verdade um estilo de vida bem relaxado.
E como mostram vários trabalhos recentes, o trabalhador de alta renda moderno, com suas longas horas de trabalho –e, com maior frequência, tendo um companheiro ou companheira que também trabalha em vez de uma mulher que fica em casa– está disposto a pagar muito mais que os executivos do passado por um endereço central, que reduz o tempo de deslocamento entre o lar e o trabalho. Daí a gentrificação. E esse é um processo que alimenta a si mesmo: quanto mais pessoas de renda mais alta se mudam para os centros urbanos, esses centros começam a oferecer confortos –restaurantes, comércio, entretenimento– que os tornam ainda mais atrativos.
Não estamos falando apenas dos super-ricos aqui, nem mesmo do 1%. Em um palpite, podemos estar falando dos cerca de 10% de maior renda da população. E para essas pessoas, é uma história feliz. Mas e quanto a todas as outras pessoas, certamente a grande maioria, que está sendo despejada desse renascimento urbano americano devido à alta dos preços? Precisa ser assim?
A resposta, com certeza, é não, pelo menos não como estamos vendo agora. O aumento da demanda por imóveis urbanos pela elite poderia ser atendido por um aumento da oferta. Ainda há espaço para construção, mesmo em Nova York, especialmente para cima. Mas apesar de haver um boom de construção na cidade, ele é bem menor do que a alta dos preços justificaria, principalmente devido às restrições ao uso e ocupação do solo.
E isso faz parte de uma tendência nacional mais ampla. Como apontou recentemente Jason Furman, o presidente do Conselho dos Consultores Econômicos da Casa Branca, os preços dos imóveis em todo o país estão subindo muito mais que os custos de construção desde os anos 90, e as restrições ao uso e ocupação do solo são provavelmente as principais culpadas. Sim, essa é uma questão na qual não é preciso ser um conservador para acreditar que temos um excesso de regulamentação.
A boa notícia é que essa é uma questão sobre a qual os governos municipais têm grande influência. Nova York não pode fazer muito a respeito da alta de desigualdade de renda, mas poderia fazer muito para aumentar a oferta de imóveis, e assim assegurar que o afluxo de migração da elite não expulse as outras pessoas. E seu atual prefeito entende isso.
Mas esse entendimento levará a alguma ação? Esse é um assunto ao qual voltarei outro dia. Por ora, vamos dizer que nesta era de gentrificação, a política habitacional se tornou muito mais importante do que a maioria das pessoas tem consciência.
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