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Conselho para a China

Fotografia divulgada nesta quinta mostra mulheres líbias protestando contra o ditador Muammar Gaddafi em Benghazi; Facebook, Twitter e celulares impedem que ditaduras tenham controle absoluto sobre as informações acessadas pela população - Weiss Andersen
Fotografia divulgada nesta quinta mostra mulheres líbias protestando contra o ditador Muammar Gaddafi em Benghazi; Facebook, Twitter e celulares impedem que ditaduras tenham controle absoluto sobre as informações acessadas pela população Imagem: Weiss Andersen

Thomas L. Friedman

07/06/2011 01h59

De: Ministério de Segurança do Estado
Para: Presidente Hu Jintao
Assunto: A Primavera Árabe


Caro presidente Hu: o senhor pediu nossa avaliação da Primavera Árabe. Nossa conclusão é que as revoluções no mundo árabe contêm algumas lições importantes para o governo do Partido Comunista chinês, porque o que esse contágio revela é algo muito novo sobre como as revoluções se desdobram no século 21 e algo antigo sobre como explodem.

Vamos começar pelo novo. Em algum momento por volta do ano 2000, o mundo atingiu um nível muito alto de conectividade, virtualmente nivelando o campo de jogo econômico global. Essa rede de conectividade foi construída com a difusão dos computadores pessoais, cabos de fibra óptica, servidores e Internet. O que essa plataforma fez foi tornar vizinhas Boston e Pequim ou Detroit e Damasco. Ela colocou aproximadamente 2 bilhões de pessoas em uma conversa global.

Bem, senhor, enquanto estávamos concentrados na recessão americana, nós passamos de um mundo conectado para um “mundo hiperconectado”. Ela conecta Boston, Pequim e agora Baotou, na Mongólia Interior. Essa penetração mais profunda de conectividade é construída com celulares inteligentes, banda larga sem fio e redes sociais. Essa nova plataforma de conectividade, sendo tão barata e móvel, está colocando 2 bilhões de pessoas adicionais, de áreas cada vez mais remotas, na conversa.

Para colocar em termos do Oriente Médio, senhor, essa nova plataforma conectou Detroit, Damasco e Daraa. Onde fica Daraa? Daraa é a pequena cidade na fronteira da Síria onde o levante sírio teve início e cujos moradores têm desde então carregado vídeos, feeds do Twitter e postagens no Facebook sobre as atrocidades do regime.

O fato, senhor, é que o mundo agora está hiperconectado e não há mais algo como “local”. Tudo agora flui instantaneamente dos cantos mais remotos de qualquer país para esta plataforma global onde tudo é compartilhado. O que o notebook, mais a Internet, mais a ferramenta de busca fizeram para as páginas de Internet foi permitir que qualquer um com conectividade encontre qualquer coisa que lhe interesse, e o que o celular, mais Internet, mais Facebook estão fazendo é permitir que qualquer um encontre qualquer pessoa que lhe interesse –e então coordenar com elas e compartilhar queixas e aspirações.

Os dias em que ditadores árabes podiam tomar a TV e rádio estatais e bloquear toda a informação para seu povo acabaram. Os sírios não podem desativar sua rede de telefonia móvel da mesma forma que não podem desativar sua rede elétrica.

Pense nisto, senhor: a Síria proibiu todas as emissoras estrangeiras, como “CNN” e “BBC”, mas se o senhor for ao YouTube e digitar “Daraa”, o senhor verá vídeos atualizados da repressão pelo regime sírio –tudo filmado com celulares e câmeras portáteis por sírios e carregadas no YouTube ou em sites recém-criados como Sham News Network. Nada mais permanece oculto.

A segunda tendência que vemos na Primavera Árabe é uma manifestação da “Lei de Carlson”, formulada por Curtis Carlson, presidente-executivo da SRI International, no Vale do Silício, que declara que: “Em um mundo onde tantas pessoas atualmente têm acesso à educação e ferramentas baratas de inovação, a inovação que acontece de baixo para cima tende a ser caótica, mas esperta. A inovação que vem de cima para baixo tende a ser disciplinada, mas lerda”. Como resultado, diz Carlson, o ponto ideal para inovação atualmente está “se movendo para baixo”, para mais próximo do povo, e não para cima, porque todas as pessoas juntas são mais inteligentes do que qualquer pessoa sozinha, e todas as pessoas agora dispõem de ferramentas para inventar e colaborar.

O regime de Hosni Mubarak do Egito era tolo e lerdo demais para administrar a agitação. Os revolucionários da Tahrir eram mais espertos, porém caóticos e sem liderança. Portanto, o papel dos líderes de hoje –de empresas e países– é inspirar, apoiar, permitir e então editar e mesclar toda a inovação que vem de baixo para cima. Mas isso exige mais liberdade embaixo. O senhor entende o que estamos dizendo?

Mas isso não se trata apenas de tecnologia. Como o historiador russo Leon Aron notou, os levantes árabes lembram estreitamente a revolução democrática russa de 1991 em um aspecto chave: ambas tratam menos de liberdade ou comida, mas sim de “dignidade”. Ambas nasceram do profundo desejo do povo de comandar suas próprias vidas e de ser tratado como “cidadãos” –com obrigações e direitos que o Estado não pode dar e tirar por capricho.

Se há o desejo de saber o que causa revoluções, não é o aumento ou queda do PIB, diz Aron, “é a busca pela dignidade”. Nós sempre exageramos a busca do povo pelo PIB e menosprezamos sua busca por ideais. “Dignidade antes do pão” era o slogan da revolução tunisiana. “A fagulha que acende o pavio é sempre a busca pela dignidade”, disse Aron. “A tecnologia atual apenas torna mais difícil apagar o fogo.”

Nós precisamos manter isso em mente na China, senhor. Nós deveríamos nos orgulhar da elevação do padrão de vida que proporcionamos ao nosso povo. Muitos apreciam isso. Mas essa não é a única coisa em suas vidas –e em algum ponto não será a coisa mais importante. O senhor entende o que estamos dizendo?