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Democratas se sobressaem no quesito política de segurança nacional

O presidente norte-americano, Barack Obama, discursa durante evento de campanha em Bowling Green, Ohio (EUA) - Pablo Martinez Monsivais/AP
O presidente norte-americano, Barack Obama, discursa durante evento de campanha em Bowling Green, Ohio (EUA) Imagem: Pablo Martinez Monsivais/AP

Thomas L. Friedman

02/10/2012 00h01

Pela primeira vez em um longo, longo período, um democrata é candidato à presidência dos Estados Unidos e tem uma clara vantagem em relação à política de segurança nacional. Essa situação não reflete o modo "como as coisas devem ser", e os republicanos parecem irritadíssimos com isso. Mas há uma razão para o presidente Barack Obama estar liderando nas questões de segurança nacional, e essa razão ficou evidente em seu discurso na Organização das Nações Unidas (ONU) na semana passada, de onde emergiu um presidente que entende que realmente estamos vivendo em um mundo mais complexo hoje em dia - e também compreende que fazer essa afirmação não representa um pretexto para se eximir da responsabilidade. É apenas um roteiro a ser seguido.

Mitt Romney, considerando-se seu background no setor empresarial internacional, deveria entender isso, mas, ao contrário, age como se tivesse aprendido o que sabe sobre política externa na Câmara Internacional das Panquecas, onde o cardápio e a arquitetura raramente mudam.

Em vez de realmente repensar suas ideias a respeito do mundo, Romney escolheu ficar com a mesma mistura de ovos e bacon do Partido Republicano - segundo a qual os democratas são fracos desdentados que não enfrentarão nossos inimigos nem defenderão nossos valores, que os republicanos são durões e que estamos revivendo 1989 mais uma vez. Ou seja, os EUA estão em todos os lugares do planeta e detêm o poder incomparável de dobrar o mundo de acordo com sua vontade - e a única coisa que falta é um presidente com "vontade".

A única coisa que falta é um presidente pronto a, simultaneamente, enfrentar a Rússia, bater na China, dizer aos iraquianos que não sairemos de seu país, esnobar o mundo muçulmano por meio da terceirização de nossa política árabe-israelense para o primeiro-ministro de Israel, dar sinal verde a Israel para que bombardeie o Irã - e aumentar o orçamento de defesa enquanto reduz os impostos e elimina o déficit.

Tudo isso se resume a mera "atitude" - uma vez que não temos a menor ideia de como poderíamos fazer todas essas coisas contraditórias ao mesmo tempo nem conseguimos reconhecer que duas guerras e um corte de impostos gigante sob o ex-presidente George W. Bush restringiu nossa capacidade de levar a cabo menos da metade desses objetivos.

Vamos olhar para o mundo onde realmente estamos vivendo. É um mundo que se tornou muito mais interdependente, de modo que, agora, o fracasso de nossos amigos (como a Grécia) pode nos prejudicar tanto quanto as ameaças de nossos inimigos, e o colapso de nossos rivais (como a China) pode nos ferir tanto quanto sua ascensão. Esse é um mundo onde um vídeo produzido por um indivíduo de alta credibilidade e divulgado no YouTube pode nos causar mais problemas do que uma campanha de publicidade de milhões de dólares feita por uma superpotência concorrente.

Estamos vivendo em uma economia globalizada, na qual a Câmara de Comércio dos EUA, o maior canal de lobby empresarial dos norte-americanos, se opôs ao compromisso firmado por Romney de tachar a China como manipuladora do câmbio, e está pressionando o Congresso dos EUA a eliminar as restrições comerciais à Rússia - criadas durante a Guerra Fria -, país que Romney rotulou de "inimigo geopolítico número um" dos Estados Unidos.

É um mundo onde recuar, às vezes, e focar na reconstrução de nossas forças em casa é a iniciativa de política externa mais significativa que podemos adotar, pois, quando os EUA estão no seu melhor - por meio de suas instituições, suas escolas e seus valores - podem inspirar a concorrência mundial, enquanto países como a Rússia e a China ainda precisam contar com transações ou com intimidação para que os outros países os sigam. Esse ainda é um mundo onde o uso da força, ou a ameaça do uso da força, contra inimigos implacáveis (o Irã) se faz necessário, mas é também um mundo no qual uma cotovelada no momento e no lugar certos também pode ser eficaz.

Some tudo isso e teremos um mundo onde os EUA terão uma responsabilidade maior (porque os nossos aliados europeus e japoneses estão economicamente debilitados atualmente) e menos recursos (pois temos que cortar nosso orçamento de defesa) para gerenciar um conjunto mais complexo de atores (porque muitos dos Estados com os quais nós precisamos lidar agora são novas democracias com poder que emana de seu povo, e não mais de um único homem - como o Egito -, ou Estados falidos, como o Paquistão), onde nosso nível de influência sobre outras grandes potências é limitado (devido ao fato de a receita maciça obtida pela Rússia por meio da venda de petróleo e gás dar grande independência ao país, e do fato de que, para lutar qualquer guerra na Ásia, teríamos que pedir dinheiro emprestado à China).

Essa complexidade não defende o isolacionismo. Ela defende o uso do nosso poder de forma criteriosa e diferenciada. Por exemplo, se você tivesse ouvido Romney acusar Obama de fraco após o ataque ao consulado dos EUA em Benghazi, na Líbia, você teria pensado que, se Romney fosse presidente, ele teria ordenado um contra-ataque imediato. Mas, caso nós tivéssemos feito isso, teríamos abortado o que foi uma resposta muito mais significativa: os próprios líbios tomaram as ruas bradando "nossa revolução não vai ser roubada", além de invadirem a sede das milícias islâmicas que mataram o embaixador dos EUA. Isso demonstra o quanto a complexidade pode nos surpreender.

A única área em que Romney poderia ter realmente desafiado Obama em política externa relaciona-se à má decisão do presidente de reduzir em 100% as tropas no Afeganistão. Mas Romney não pode desafiar Obama nesse quesito, pois o Partido Republicano queria reduzir as tropas em 300%. Por isso, nós não estamos conseguindo debater qual a melhor forma de nos desvencilhar da maior bagunça de nossa política externa, e temos que encarar um debate ao estilo desenho animado - "Eu sou forte, ele não é" - sobre todo o restante. Nesse sentido, nossa política externa é um pouco como nossa política interna. Na manhã seguinte à eleição, vamos ter que enfrentar um "precipício" enorme: como lidar com o Afeganistão, o Irã e a Síria sem a orientação de candidatos ou de um mandato dos eleitores. Os eleitores terão de seguir seus instintos para definir quem tem o melhor instinto para navegar neste mundo. Obama demonstrou ter um pouco desse instinto. Romney não tem.