Os Estados Unidos voltam ao mundo

Tomás Eloy Martínez

Tomás Eloy Martínez

Muito se tem dito, mas não o suficiente, sobre o fato de os oito anos de governo do presidente George W. Bush terem deixado como legado uma imensa crise econômica que lembra os desastres da Grande Depressão, bem como a destruição dos valores morais sobre os quais foram erigidos o respeito e a influência dos Estados Unidos no mundo durante os dois séculos anteriores.

Por outro lado, pouco se tem observado os danos definitivos que essas catástrofes infligiram aos sonhos de hegemonia que os Estados Unidos tiveram em mãos depois da queda da União Soviética em 1989.

Bush destruiu algumas das crenças básicas que seu país havia conseguido exportar ao mundo durante o século 20. A supremacia da paz como melhor forma de vida para os povos, por exemplo, sucumbiu no dia em que inventou o conceito de "guerra preventiva". Também acabou a fé no mercado livre como argumento para melhorar a vida dos indivíduos.

Enquanto isso a China, que cultiva um capitalismo heterodoxo e cujo governo está longe de ser democrático, continua sendo um modelo alternativo, ainda que não esteja mais crescendo em ritmo de atleta.

A importância das Nações Unidas como um pacto entre as grandes potências para buscar a pronta resolução de conflitos - tal como foi concebida por Franklin D. Roosevelt, entre outros - veio abaixo desde que o presidente George H. W. Bush (pai de G. W. Bush) impôs o unilateralismo na Guerra do Golfo.

Nunca a imagem dos Estados Unidos no mundo havia caído num fosso tão fundo. A desconfiança que o inquilino anterior da Casa Branca despertava um ano atrás entre os cidadãos dos países europeus superava os 85%, e sete em cada 10 norte-americanos acreditavam que, em comparação com o passado, os Estados Unidos haviam perdido o respeito mundial, segundo pesquisas da Pew Global Attitudes.

O efeito está durando mais tempo do que o governo Bush. Uma pesquisa do Gallup sobre a liderança norte-americana, feita em 139 países, mostra que a antiga hegemonia está caindo aos pedaços. Barack Obama sabe disso. Em seu discurso de posse, em 20 de janeiro, apelou a interlocutores do mundo todo: "Com velhos amigos e antigos adversários, trabalharemos sem descanso para reduzir a ameaça nuclear e fazer retroceder o fantasma de um planeta que se aquece", disse.

Ao mesmo tempo, abriu o diálogo em relação a dois temas que o ex-presidente havia evitado. De qualquer forma, seu olhar continua sendo imperial, como foi o de todos os que governaram seu país nos últimos 100 anos: "Saibam que estamos prontos para assumir a liderança mais uma vez".

A ideia do "destino manifesto" dos Estados Unidos, surgida na época da anexação territorial do Oeste e invocada tantas vezes por Theodore e Franklin Roosevelt, por Ronald Reagan e por Woodrow Wilson, persiste, ainda que hoje pareça uma aspiração insensata. É a história da aspiração norte-americana por exercer o controle sobre toda a América, desde a Doutrina Monroe (1823) até o recente Plano Colômbia, aperfeiçoada pela Guerra Fria.

Quando a União Soviética caiu sob o peso de sua própria tragédia política, os Estados Unidos se impuseram não somente como maior potência, mas como a única capaz de fazer valer o direito internacional. Assim, assumiram o poder de uma polícia global. O primeiro Bush proclamou o nascimento de "uma nova ordem mundial" e Bill Clinton falou em "multilateralismo assertivo", um eufemismo para dizer que o que fosse estabelecido por seu país deveria ser aceito por todos.

A contribuição do segundo Bush, logo depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, foi declarar uma "guerra contra o terror". A primeira baixa dessa guerra foi, precisamente, o direito internacional. Além de alguns valores básicos como o respeito à vida, a integridade física, a defesa em juízo, a privacidade, a verdade. Em 2006, seu partido perdeu a maioria parlamentar. E em 2008, as eleições presidenciais.

No Afeganistão, onde a Operação Liberdade Duradoura começou em outubro de 2001, Osama bin Laden ainda não foi encontrado e a resistência dos talebãs continua ameaçadora.

No Iraque, onde Saddam Hussein não possuía armas de destruição em massa nem havia apoiado a Al Qaeda, há 160 mil soldados que tentam inutilmente conter a guerra civil desencadeada pela invasão, a um custo de US$ 300 milhões diários, e um número indeterminado, porém próximo de um milhão, de iraquianos mortos.

O restante do "eixo do mal" despediu-se de Bush com suas armas nucleares intactas (como é o caso da Coreia do Norte) e o Irã exerce uma influência cada dia maior no depósito de pólvora do Oriente Médio.

Obama resumiu o problema em poucas palavras: "Rejeitamos a falsa escolha entre nossa segurança e nossos ideais".

Suas primeiras medidas de governo tendem a recordar quais são os ideais perdidos. Ordenou o fechamento da vergonhosa prisão de Guantánamo e de outros cárceres ainda mantidos pelos serviços secretos. Em sua primeira reunião com o secretário de Defesa e com o comandante das tropas no Oriente Médio, pediu que formulassem propostas que permitam uma retirada rápida e responsável do Iraque.

Já não é mais suficiente que o novo governo exija respeitar a lei e os direitos humanos. Depois de tanto prestígio dilapidado, os Estados Unidos já não estão em condições de dominar um mundo onde há outros gigantes como a China que, depois da queda de Wall Street prefere ser extremamente cautelosa com sua assistência financeira, e onde a Rússia espreita, sem perdoar a Washington por ter sido excluída da Otan.

Assim como a chanceler alemã Angela Merkel, o primeiro-ministro da Espanha José Luis Rodríguez Zapatero e Gordon Brown, primeiro-ministro do Reino Unido, o presidente francês Nicolas Sarkozy também celebrou a ascensão de Obama, mas deixou evidente na festa que não tem papas na sua afiada língua francesa: "Deixemos uma coisa clara", disse. "No século 21, já não existe uma nação que possa dizer o que se deve fazer e o que se deve pensar".

Muitas nações são menos poderosas que as corporações econômicas ou as organizações não-governamentais. Se quiser manter a primazia de seu país ou não perdê-la por completo, o presidente deverá levar em conta que novas circunstâncias e novas ideias estão movendo o mundo.

"Os Estados Unidos não podem resolver sozinhos os problemas mais urgentes, mas o mundo tampouco pode fazê-lo sem os Estados Unidos", sintetizou Hillary Clinton, secretária de Estado dos Estados Unidos do governo de Obama.

O momento é esse e continuará sendo assim a menos que o carisma e a inteligência de Obama abram caminho no terreno perdido para a lentidão de seu desanimado predecessor.

Tradução: Eloise De Vylder

Tomás Eloy Martínez

Morto em 31 de janeiro de 2010, o argentino Tomás Eloy Martínez, analista político e escritor, escreveu livros como "O voo da Rainha" e "O Cantor de Tango".

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