O sexo dos clérigos

Tomás Eloy Martínez

Tomás Eloy Martínez

Já quase não há memória da época em que a Igreja Católica passou por desafios tão ásperos como os desses últimos anos.

O que acontece hoje não tem a profundidade do cisma litúrgico do bispo Marcel Lefebvre nem o fervor revisionista da interpretação dos Evangelhos que desembocou na Teologia da Libertação, mas diz respeito às violações de uma obrigação que não é matéria de dogma, mas sim de contínua perturbação: o sexo dos clérigos.

Primeiro, foram os crimes de pedofilia que, em dezembro de 2002, provocaram a renúncia do cardeal de Boston Bernard Law, suspeito de encobrir os casos; 450 indenizações milionárias por décadas de abusos contra menores deixaram a arquidiocese à beira da falência.

Agora, mais uma vez, como de costume, o escândalo se desata quando algo que se tratava de manter em segredo vem à tona: a descendência do ex-bispo paraguaio Fernando Lugo. Aqueles atos aberrantes e a aparição de três filhos concebidos pelo atual presidente do Paraguai durante seus anos de ministério põem em dúvida o valor da repressão sexual na vida católica.

O bispo de Ciudad del Este, no Paraguai, Rogelio Livierres, disse que seus colegas sabiam sobre Lugo há muito tempo. "Não sei por que os assuntos da Igreja são mascarados e não divulgados. Em nossa época isso é péssimo, porque tudo acaba sendo descoberto", afirmou Livieres.

E recebeu uma resposta oficial instantânea: "O Conselho Episcopal Permanente lamenta e rejeita as declarações do monsenhor Livieres, que dá a entender que houve encobrimento e cumplicidade dos bispos do Paraguai em relação à conduta moral do então membro do colegiado episcopal, monsenhor Fernando Lugo".

As palavras de Livieres lembram as que o monsenhor argentino Jerónimo Podestá, que impulsionou o Movimento Latino-Americano de Sacerdotes Casados, escreveu em 1990 ao então presidente do Episcopado Argentino, cardeal Raúl Primastera.

"Vejo com pena que, em geral, vocês tenham uma visão tão 'alienada' e moralista: não sabem o que as pessoas pensam e sentem no mundo de hoje. A Igreja é o Povo de Deus e vocês sabem disso, mas no fundo continuam pensando que vocês é que são a Igreja".

Quando era bispo de Avellaneda, na província de Buenos Aires, Argentina, no final dos anos 60, Podestá se transformou num pesadelo para a ditadura do general Juan Carlos Onganía. Reunia multidões de até um milhão de pessoas para cerimônias religiosas que se transformavam em manifestações políticas espontâneas. Para o regime, foi um alívio o bispo ter anunciado, em 1967, sua decisão de se casar.

Podestá bateu várias vezes às portas do Vaticano sem conseguir que Paulo 6º retirasse sua suspensão "a divinis". Insistia em lembrar que, apesar de Jesus ter optado pelo celibato, não o impôs a seus apóstolos, entre os quais havia homens casados e solteiros. O ex-bispo de Avellaneda pregava que o celibato é um dom, não uma determinação divina, e que nada impede que aqueles que são privados desta graça sintam a vocação sacerdotal.

A maioria dos católicos ignora que os sacerdotes e bispos não eram proibidos de se casar durante os primeiros dez séculos da vida cristã. Além de São Pedro, outros seis papas viveram em matrimônio e - ainda mais chamativo - 11 papas foram filhos de outros papas ou membros da Igreja, sem que essa linhagem afetasse a santidade de seus atos. Até o Concílio de Elvira, que proibiu o matrimônio no ano 306, um sacerdote podia até mesmo dormir com sua mulher na noite anterior à missa. Isso começou a mudar 19 anos mais tarde, quando o Concílio de Nicea estabeleceu que, uma vez ordenados, os sacerdotes não podiam se casar.

Em 1073, Gregório 7º impôs o celibato. Um de seus teólogos, Pedro Damián, determinou que o casamento dos sacerdotes era herético, porque os distraía do serviço ao Senhor e contrariava o exemplo de Cristo. Apesar de a intenção do papa ter sido de restaurar a ruína moral do clero e purificar os fiéis com exemplos de castidade, dezenas de historiadores - incluindo os mais religiosos - acreditam que a decisão de impor o celibato foi também um meio para evitar que os bens dos bispos e sacerdotes casados fossem herdados por seus filhos e viúvas em vez de beneficiar a Igreja.

Em 1123, o Concílio de Latrão decretou a invalidade do matrimônio dos clérigos. Só a Igreja Oriental, submetido a Roma, admite sacerdotes casados, mas que tenham contraído matrimônio antes da ordenação, e que nunca chegarão a ser bispos.

Para os católicos, a passagem por este mundo é sacrifício e sofrimento, tal como escreveu Santa Tereza: "Vivo sem viver em mim, / e tão alta vida espero, / que morro porque não morro".

Mas assim como o prazer do sexo fora do matrimônio está proibido pela doutrina, para as religiões védicas da Índia é um caminho de aprendizagem e um elemento de vida: "Atravessada por um ardor que te devora, a boca seca, te arrastarás até mim, doce, sem ira, toda minha, a voz terna, fiel", diz uma oração hindu para conquistar o amor de uma mulher no Atharva-Veda.

Qual é o sentido de reprimir as expressões da sexualidade, não só entre os clérigos, mas também na vida diária? O que a fé católica ganha com isso?

Teme-se que o prazer distraia da oração, da relação com Deus, mas o menosprezo para com as mulheres nos seminários e a contradição dos impulsos naturais do homem, na realidade, não fortalecem os vínculos entre a Igreja e o povo de Deus. Ao contrário, o celibato obrigatório costuma desanimar algumas vocações sacerdotais e provocar deserções no clero.

Apesar de acreditar que "a lei vigente do sagrado celibato" deveria continuar "firmemente unida ao ministério eclesiástico", Paulo 6º, atento aos clamores de modernização do Concílio Vaticano 2º, analisou as objeções em uma encíclica memorável, "Sacerdotalis caelibatus", de 1967.

No texto, ele se pergunta: "Não será chegado o momento de abolir o vínculo que une o sacerdócio ao celibato na Igreja? Esta difícil observância não poderia ser facultativa? O ministério sacerdotal não seria favorecido se a aproximação ecumênica fosse facilitada?"

Talvez a Deus não importem os deslizes do ex-bispo Lugo, porque sua glória está mais além daquilo que estabelecem os seres humanos. Mas a inflexibilidade da doutrina deixa entre os católicos a dúvida sobre o sentido de normas criadas pela Igreja há dez séculos, que não existiam antes e não teriam porque existir para sempre.

Jesus pregou a humildade, o amor a Deus e aos semelhantes. Suas lições de vida continuam sendo claras. Às vezes, no afã de interpretá-las, os seres humanos as obscurecem.

Tradução: Eloise De Vylder

Tomás Eloy Martínez

Morto em 31 de janeiro de 2010, o argentino Tomás Eloy Martínez, analista político e escritor, escreveu livros como "O voo da Rainha" e "O Cantor de Tango".

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