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Falando de política com humor, Tuiuti quer repetir o sucesso de 2018

Jack Vasconcelos, carnavalesco da Paraíso do Tuiuti - Ewerton Pereira/Divulgação
Jack Vasconcelos, carnavalesco da Paraíso do Tuiuti Imagem: Ewerton Pereira/Divulgação

05/02/2019 04h00

Após o Carnaval de 2018, todo o país falou de uma escola de samba até então pouco conhecida do público. A Paraíso do Tuiuti, com um desfile sobre os 130 anos da Lei Áurea, reposicionou o desfile das escolas de samba na agenda política do país. Com diversas críticas à reforma trabalhista e ao então presidente Michel Temer, representado como um vampiro, a azul e amarela arrebatou público e crítica e conquistou um festejado vice-campeonato.

Para 2019, o carnavalesco Jack Vasconcelos segue pela trilha política. Enfocando um personagem inusitado, o bode Ioiô, pretende, mais uma vez, levar para a Sapucaí um retrato do momento político do país. Por meio da trajetória de um animal que flanava pela Fortaleza do início do século passado e, segundo a lenda, teve expressiva votação para vereador, a Tuiuti promete mais um desfile polêmico.

Em entrevista exclusiva, Jack conta os detalhes do que a escola apresentará na segunda-feira de Carnaval (confira a programação dos desfiles do Rio).

UOL - Quando lançou o enredo, você afirmou que quem ficou incomodado com o Carnaval de 2018 ficaria ainda mais com o próximo desfile. Porém, agora temos um governo de extrema direita no poder. Você teme que a sua mensagem não seja bem entendida?

Jack Vasconcelos - Medo é uma palavra um pouco pesada. Estou cauteloso. Estou esperando para ver como estará o clima na época do Carnaval. Como o enredo lança mão do humor, não é tão direto, isso me dá uma certa tranquilidade, porque há uma liberdade poética. O bode Ioiô é uma metáfora, e o enredo é uma fábula, uma coisa mais sutil, mais nas entrelinhas. E justamente por meio do humor que as pessoas captam melhor as mensagens, porque nos dá a leveza necessária para que as pessoas reflitam. O enredo tem uma mensagem otimista.

A Tuiuti será a escola mais aguardada do Carnaval. Como você lida com essa expectativa e a possível cobrança para que mais surpresas surjam?

Estou indo de peito aberto, porque esse Carnaval não é a continuação do ano passado. Quem pensar isso, vai se decepcionar completamente. Nunca foi a proposta, desde o início. Sempre procuro evitar as comparações entre meus projetos. Todos os desfiles que fiz para a Tuiuti, desde 2015, têm uma coerência de mensagens, mas cada trabalho tem sua identidade. Comparar a Tuiuti da escravidão com a da Ioiô é uma crueldade. A expectativa é natural que aconteça. Eu ficaria triste se não existisse (risos).

Existe a expectativa de ser campeão?

Eu acho que o sucesso de um projeto não se resume à classificação oficial, até porque, em muitas vezes, a gente não concorda com ela. O sucesso é manter a Tuiuti no foco, na atenção do público, na pauta de discussões. É mostrar que o que aconteceu ano passado não foi um acidente. Se existe uma busca em relação a resultado, da minha parte, é essa. Não coloco o campeonato ou outro vice como objetivo. Não que eu não queira ser campeão (risos).

Como você sentiu a repercussão do trabalho?

Tivemos a honra de o "vampirão" (o destaque que representou o ex-presidente Temer) ter virado charge no mundo inteiro. Até uma capa de caderno do Le Monde usou o vampiro para representar o neoliberalismo. Então, quando eu desenhava o destaque, não foi com o objetivo de causar. Para mim, era apenas um elemento do desfile, um personagem totalmente carnavalesco. Não escondemos de ninguém. Quem entrasse aqui e me visse desenhando, via o vampiro. Involuntariamente, acabamos contribuindo para o imaginário das charges e é uma imagem que ficou na história do Carnaval e da política brasileira. E, na verdade, a fantasia nunca foi criada pensando na pessoa do presidente e, sim, no conceito do que ele representa, na questão da retirada dos direitos trabalhistas. O Temer não era o vampiro, e sim o que ele defendia.

Muitas pessoas não gostaram e levaram para o lado pessoal.

Foi punk. Sofri ameaça em rede social, teve gente descobrindo meu telefone. Mantive minhas redes sociais bloqueadas por muito tempo. Hoje acalmou.

Presidente Michel Temer virou "vampiro neoliberal" em desfile crítico da Paraíso de Tuiuti - Mauro Pimentel/AFP - Mauro Pimentel/AFP
Presidente Michel Temer virou "vampiro neoliberal" em desfile crítico da Paraíso de Tuiuti
Imagem: Mauro Pimentel/AFP

Geralmente os dirigentes do Carnaval têm um perfil adesista. Como a diretoria da Tuiuti encarou o enredo do ano passado? Eles compraram sua ideia desde o início?

O presidente me dá uma boa liberdade de criação. Algumas coisas mais delicadas são discutidas, mas o lance do destaque ganhou importância dentro da escola depois que vazou, antes do Carnaval, que ele estaria no desfile. Não houve, em nenhum momento, o presidente falar que "não quero". Natural que algumas pessoas tiveram medo ou foram contra, mas foram posições particulares.

De onde surgiu a ideia do enredo sobre o bode Ioiô?

Há alguns anos, o jornalista e enredista João Gustavo Melo me mandou um texto sobre o bode e eu achei bem interessante. Mas não cogitei fazer o enredo na época, porque eu achei que era meio que dele, até pelo Gustavo ser cearense. E também tinha acabado de fazer um enredo sobre a história do Boi Mansinho, que levou a escola ao Especial. Essa ideia ficou guardada. E quando o presidente me pediu um enredo sobre o Nordeste, me lembrei na hora. Como estávamos em ano de eleição, achei que seria interessante. Sabia que ia dar bode na eleição. Só não imaginava que seria tão grande.

Qual foi o recorte que você encontrou para contar a história?

Pensei numa forma diferente de contar essa história. Não iria contar simplesmente um causo. Eu acredito muito que o sucesso de um enredo está na narrativa. Já foi o tempo da escola de samba ser luxuosa ou de vanguarda. Hoje é o momento do poder da narrativa. A forma que você conta a história faz a atenção do grande público ser aguçada. O bode Ioiô é um personagem de origem humilde, que venceu as dificuldades da vida, ganhou o apoio popular e acabou virando um líder, mesmo sem querer. Afinal, ele apenas era um bode (risos). Mas no que ele se transforma, ao longo da história, é um excelente exemplo de como o sucesso dos humildes é mal visto e incomoda uma parcela da população.

Mas o bode não termina preso.

Ele foi empalhado (risos). Está até hoje no museu do Ceará.

Como é planejar um Carnaval em meio a tanta indefinição sobre dinheiro?

Nossa luta é manter o projeto o mais fiel ao planejado. A gente sabe que será difícil. Mas como a escola e grande parte da equipe têm experiência de Grupo de Acesso, o processo flui com mais tranquilidade, substituindo materiais e buscando baixar o custo. Se não tivermos mais nenhuma surpresa desagradável, terminaremos o Carnaval de forma até tranquila.

Seu desfile do ano passado recolocou o Carnaval na pauta nacional. Como você vê a situação da folia perante à opinião pública?

Quem comanda a festa tem que olhar com mais carinho as sugestões que os analistas e apaixonados dão. Há varias saídas possíveis para recuperar os patrocínios, mas também recuperar a entrada que as escolas têm nas casas. As pessoas não estão mais interessadas como antes. No meio disso tudo, a Tuiuti é uma escola que é exceção à regra. Estamos em um momento de muita procura e interesse. Mas o quadro geral é de muita dificuldade, de fuga de patrocinadores, poucas pessoas interessadas em comprar fantasias. A crise é ampla, e as escolas precisam ficar atentas. Não dá para minimizar os sinais. É muito perigoso. As escolas precisam encarar esse momento e se reformular. Se isso acontecer e o Carnaval sair da zona de conforto, todos os problemas que estamos passando hoje em dia terão valido a pena.

Anderson Baltar