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Em crise, escolas cariocas trazem enredos diversificados e interessantes

Vista da Sapucaí onde acontecem os desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro - Douglas Shineidr / UOL
Vista da Sapucaí onde acontecem os desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro
Imagem: Douglas Shineidr / UOL

Anderson Baltar

Colaboração para o UOL, do Rio

11/12/2018 04h00

Quase noventa anos depois de seu primeiro desfile, na mítica e hoje destruída Praça Onze, as escolas de samba do Rio de Janeiro vivem o seu maior momento de crise financeira e institucional. Com um relacionamento conturbado com a prefeitura de Marcelo Crivella e a credibilidade abalada por dois anos de rebaixamentos cancelados, a Liesa (Liga Independente das Escolas de Samba) sofre a com a fuga de patrocinadores.

Ainda sem receber um centavo da subvenção oficial de R$ 1 milhão (o repasse da primeira parcela deve sair nos próximos dias), as escolas de samba preparam um Carnaval em que a tônica será a dificuldade para fechar cronogramas e orçamentos.

Para racionalizar custos, Mocidade Independente de Padre Miguel, Estação Primeira de Mangueira e São Clemente suspenderam ensaios no mês de dezembro. Os ensaios técnicos na Sapucaí, a exemplo da temporada passada, estão ameaçados e, a despeito do discurso da Liga de que está sendo buscada uma solução, dificilmente serão realizados. Nos barracões da Cidade do Samba, o ritmo dos trabalhos ainda não é o ideal.

Em tempos de crise, os enredos patrocinados sumiram do mapa. A exceção que confirma a regra é a Unidos de Vila Isabel, que aposta em uma homenagem à cidade de Petrópolis, na serra fluminense. Mas, se em tempos de bonança, certamente a prefeitura local apoiaria este desfile, desta vez quem prometeu ajuda à azul e branca foi um grupo de empresários da cidade. 

Presidente Michel Temer vira "vampiro neoliberal" em desfile crítico da Paraíso de Tuiuti - Mauro Pimentel/AFP - Mauro Pimentel/AFP
Presidente Michel Temer no desfile da Paraíso de Tuiuti
Imagem: Mauro Pimentel/AFP
Sumiço dos temas políticos

Após as duas primeiras colocadas de 2018 terem apostado em temas politizados, muitos aficionados acreditaram que esta seria uma nova tendência para os enredos das escolas. Foi uma previsão que se confirmou apenas pela metade. Os temas com viés político são relevantes, mas não mais numerosos do que no Carnaval passado. A atual vice-campeã, Paraíso do Tuiuti, aposta mais uma vez nesta fórmula e levará para a Sapucaí o enredo "O Salvador da Pátria" - uma alegoria sobre o bode Ioiô, que, segundo a lenda, teria se elegido vereador em Fortaleza no início do século passado. A Mangueira também segue a linha e fará seu desfile sobre heróis da História do Brasil que não constam nos livros oficiais. Sem estar presente na sinopse, o nome da vereadora Marielle Franco, assassinada em abril, acabou entrando na letra do samba e agregando emoção à narrativa mangueirense.

Em momento de crise do modelo de Carnaval, a São Clemente optou por criticar os males da folia e em ressuscitar uma prática da década passada: a reedição de sambas. Cantando mais uma vez "E o samba sambou", de 1990, a amarela e preta da Zona Sul promete divertir o público colocando o dedo na ferida e mostrando o processo de elitização dos desfiles das escolas. Já o Império Serrano faz uma aposta ousada em transformar "O que é o que é", clássico de Gonzaguinha, em samba-enredo.

Três escolas tradicionais desfilarão com enredos identificados com seu DNA. A Portela homenageará Clara Nunes, uma das maiores cantoras da história da música brasileira e ícone portelense. Já o Salgueiro, envolto em uma longa batalha judicial por sua presidência, levará para a Sapucaí um enredo em homenagem a Xangô, o orixá de devoção de seus torcedores. A campeã Beija-Flor lembrará os melhores momentos de seus 70 anos de Carnaval.

Com consultoria do designer Hans Donner, a Mocidade Independente de Padre Miguel faz uma inflexão a uma temática mais próxima de sua tradição e fará um desfile sobre a importância do tempo para o ser humano. Já a Imperatriz Leopoldinense aposta no bom humor para contar a relação que temos com o dinheiro. Sob o comando do multidiretor Laíla, a Unidos da Tijuca pretende voltar à disputa do título com um enredo sobre o pão como alimento para o corpo e para o espírito.

Pivô da virada de mesa do último Carnaval, a Grande Rio promete provocar polêmica com o seu enredo "Quem nunca... que atire a primeira pedra". Falando sobre os pequenos pecados do cotidiano, a escola de Duque de Caxias tenta um envergonhado pedido de desculpas ao público pelo ocorrido. A União da Ilha do Governador aposta em uma homenagem ao Ceará com um enfoque diferenciado: através das obras de Rachel de Queiróz e José de Alencar. De volta ao Grupo Especial, a Viradouro recontratou o carnavalesco Paulo Barros e promete um carnaval grandioso com o enredo "Viraviradouro".

Megan Fox - Getty Images - Getty Images
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Imagem: Getty Images
Apesar da crise, a safra de enredos e sambas é interessante e pode propiciar às escolas cariocas um desfile de nível equilibrado e com bom nível de canto e evolução. E, certamente, a exemplo do último ano, será um Carnaval decidido nos detalhes. A sorte está lançada.

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