Desfilar no Carnaval é resistência, defendem lésbicas de bloco carnavalesco
Pelo terceiro ano consecutivo, o bloco Siga Bem Caminhoneira vai cair de boca no Carnaval de São Paulo.
Com mais de 100 integrantes na bateria -todas mulheres lésbicas ou bissexuais-, o bloco chega ao Carnaval 2019 com o discurso na ponta da língua. "Ser lésbica na cidade de São Paulo e no Brasil, principalmente neste momento, é um ato político", defende Juliana de Borba, uma das integrantes.
Em entrevista ao UOL durante um ensaio, o grupo se definiu como "um coletivo de visibilidade lésbica e bissexual, um espaço para as mulheres se sentirem livres, respeitadas, empoderadas e seguras".
O próprio ato de colocar o bloco na rua simboliza uma conquista importante para essas mulheres, que sofrem diariamente com a invisibilização. Segundo elas, desfilar é celebrar a diversidade sexual e promover a resistência. "E todo o mundo que quiser apoiar a nossa causa e se divertir com o batuque das sapatão é bem-vindo", convida a integrante da bateria Larissa Damas.
"O problema não é homens héteros aparecerem. Há héteros aliados que curtem o bloco e estão apoiando nosso movimento. E ao meu ver, precisamos desse apoio também", diz Larissa. "O problema é que eles precisam entender o que está sendo dito, que o protagonismo é das mulheres naquele espaço", aponta.
Textão no trio elétrico
Para fazer acontecer um desfile nas ruas com máximo respeito e segurança, é preciso uma força-tarefa para inibir homens héteros desavisados de irem ao bloco com o foco errado, ou seja, procurando "pegação".
"Tem uns caras sem noção que aparecem para causar, ainda mais sabendo que é um bloco só de mulheres", conta Juliana. "Eles tentam invadir a corda, ou vão ali achando que vai ter um monte de mulher e que vão se dar bem."
De cima do trio elétrico, as cantoras e porta-vozes do bloco dão seus textões. "Nas ruas, tentamos dar o recado de que nosso bloco preza pelo respeito às mulheres, que não toleramos atitudes machistas, homofóbicas e lesbofóbicas", diz Didi Lima, uma das fundadoras do coletivo."O objetivo é criar um clima de harmonia para que homens não cheguem agarrando as mulheres como a gente vê em outros blocos."
Já Juliana acredita que o próprio perfil das integrantes do bloco ajuda a repelir o foco de paquera. "A nossa presença sapatão é muito forte e todas as minas da bateria são muito combativas", diz. "No nosso bloco, eles vão ver mulheres masculinizadas, mulheres gordas, fora dos padrões. Não é uma mulher padrãozinho que o boy vai querer pegar. Mesmo as mulheres bi não estão ali para pegar um cara", brinca.
Para Thaís, por onde o bloco passa, o respeito é maior entre mulheres. "Até as senhorinhas do Bixiga saem na frente das casas para ver nossa bateria passar. Quando veem que somos um bloco de mulheres, as outras mulheres se sentem representadas e atraídas por aquilo", conta.
Após o cortejo, a bateria e as amigas mais chegadas se reúnem num after fechado apenas para garotas. Parentes e amigos homens que foram prestigiar o bloco ficam de fora nesse momento. "O clima do after é totalmente diferente. É outra coisa. Nas ruas, estamos mais vulneráveis", diz Larissa.
Baixaria, não
Os ensaios do coletivo são liderados pela maestrina Jackie Cunha, do Ilú Obá de Min, tradicional estandarte do Carnaval paulistano e formado também por uma bateria 100% feminina. No setlist, entram clássicos carnavalescos e paródias, como "Ê Sapatão" (no lugar de "Ê Faraó", do Olodum), "Minha Xota te Ama" (paródia do funk "Meu Pau te Ama") e o funk "Cai de Boca", da MC Rebecca.
Além da bateria, todo o staff que envolve o cortejo é preferencialmente feminino. Só está em falta quem faça jus ao nome: uma caminhoneira. Por enquanto, quem pilota o trio elétrico é homem. "Estamos à procura de uma motorista", avisam.
O Siga Bem Caminhoneira sai no dia 9 de março, no bairro do Bixiga, com concentração às 14h na praça Emilio Miguel Abella.
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