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Carna terror: "Queremos esquecer problemas do país", diz criador de evento

Chris Briza, organizador de pré-Carnaval da Vila Madalena - Arquivo Pessoal
Chris Briza, organizador de pré-Carnaval da Vila Madalena Imagem: Arquivo Pessoal

Daniel Lisboa

Colaboração para o UOL, em São Paulo

15/02/2019 17h47

Um pré-Carnaval marcado pela internet terminou em confusão no sábado passado (9) na Vila Madalena, em São Paulo. Irados, morados ouvidos pela reportagem do UOL não tiveram dúvidas em apontar o músico Chris Briza como responsável pela bagunça.

O rapper de 25 anos é o autor da página do Facebook "Diário de um Maconheiro", seguida por mais de 1 milhão de pessoas, e criou o evento que levou, de acordo com a prefeitura, cerca de 15 mil às ruas do bairro da zona oeste (mais de 50 mil confirmaram presença). 

Em conversa com o UOL, Briza, que prefere não dizer seu verdadeiro nome, mostra-se surpreso com a dimensão que a história ganhou. E em saber que tanta gente na Vila Madalena supostamente gostaria de vê-lo bem longe do bairro. 

"Eu não sabia [que o pré-Carnaval] teria toda essa repercussão, que iria ´colar` tanta gente assim", diz o cantor. "Eu vou direto à Vila Madalena. Para mim é uma surpresa que tantos moradores assim tenham algum problema comigo."

Briza afirma que não é apenas frequentador, mas que mora na região, o que torna alegações de que seu evento atrai "gente da periferia" para o bairro pura "desinformação e preconceito".

"Dizer isso é já se colocar um patamar acima de quem não tem dinheiro. Posso garantir que 90% de quem foi ao pré-Carnaval era de classe média. Os moradores não podem reclamar de mim porque quem foi ao evento foram os filhos deles, os irmãos deles, os amigos deles. Estava todo o mundo lá."

O músico confirma que não foi a primeira vez que criou um evento do tipo. Mas diz que não houve confusão em anos anteriores. Ele acredita que, no sábado passado, o problema começou quando um folião atirou um objeto contra uma viatura da polícia. É a mesma versão relatada ao UOL pela GCM (Guarda Civil Metropolitana) e por um morador da rua Girassol, que afirmou ter presenciado o incidente. 

"Inclusive, pelo que me disseram, foi um rapaz lá da Vila Madalena que jogou a pedra no carro da polícia. Aí vêm dizer que na região não tem gente de baixo nível. Estava tranquilo até então, sem brigas, todo o mundo curtindo. Depois do que aconteceu, a polícia começou a jogar spray de pimenta e bomba, o que também está errado, e a galera começou a correr, a trombar", conta Briza.

"O problema é a educação. Não foi um rapaz pobre que tacou pedra na polícia. Foi um rapaz de família privilegiada."

Mas o que o rapper ganha organizando esses eventos (ao menos virtualmente) e correndo o risco de ser acusado de cumplicidade com a balbúrdia? "Faço isso por três razões", diz Briza. "A primeira é que nós, brasileiros, estamos cansados de nos f... Queremos extravasar. Sair para nos divertir, esquecer os problemas deste país lixo. Depois, é uma maneira de protestar contra o governo. O terceiro motivo é divulgar meu trabalho, mesmo", admite. 

Informado de que o Carnaval de rua de São Paulo hoje tem várias regras, Briza diz não estar a par de nenhuma delas. Nem da que, inclusive, estabelece que não haja mais blocos desfilando pelo interior da Vila Madalena. No ano passado, o bairro chegou até a ter as ruas fechadas por "barricadas" para conter foliões. "Essa informação não chegou a mim."

Apesar de representantes da Savima (Sociedade Amigos de Vila Madalena) e de outros entrevistados pelo UOL afirmarem que já denunciaram o músico mais de uma vez, Briza garante que jamais recebeu uma única notificação das autoridades. "Nunca vieram bater na minha porta. Depois de sábado, só dois moradores vieram falar comigo pelo Facebook."

Segundo Briza, esse diálogo pelo Facebook se deu de modo amistoso e foi um dos motivos pelos quais ele decidiu cancelar o outro pré-Carnaval, que estava agendado para amanhã. "Uma moradora conversou comigo de modo muito educado, viramos até amigos. Ela mostrou o lado dela, disse que tinha muito lixo e barulho na rua dela e que ela estava desconfortável."

O pré-Carnaval agendado para o largo da Batata no mesmo dia, porém, segue confirmado. "Pretendo falar com a prefeitura para ver se disponibilizam espaço para algum evento. Se ela e o governo do estado facilitarem o acesso da galera e pararem de roubar, todo o mundo pode viver feliz, curtindo a vida tranquilamente", diz o músico. Ele, inclusive, garante também que já escreveu para a prefeitura, mas nunca teve retorno. 

Não pode responder pelos problemas

Enquanto não se entende com as autoridades, dificilmente Chris Briza poderá ser legalmente responsabilizado pelo que vier a acontecer em seus eventos. Pelo menos essa é a avaliação de Rafael Custódio, advogado da Conectas Direitos Humanos. 

"Não é possível responsabilizar penalmente a pessoa que anuncia o encontro, pois ela não pode responder pelos eventuais ilícitos dos outros. Por exemplo, se uma pessoa comparece à festa e danifica um ponto de ônibus. Só ela poderá responder por sua conduta", explica Custódio.

O advogado, entretanto, faz uma ressalva. "Agora, há espaço, ao menos em teoria, para se discutir a responsabilização cível do organizador. Se ficar comprovado, por exemplo, que ele é um organizador de festas de rua, que é um espaço público, o município pode alegar que ele, o município, é o único legitimado a regulamentar esse tipo de evento e, caso a festa não esteja dentro dos parâmetros pré-estabelecidos, o organizador pode sofrer sanções administrativas ou cíveis", explica. 

Blocos de rua