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Tumultos, bombas e rolezeiros: como o Carnaval fugiu do largo da Batata

Esquina da avenida Faria Lima com rua dos Pinheiros ficou mais vazia após ação da PM na noite de domingo (3) - Osmar Portilho - 3.mar.2019/UOL
Esquina da avenida Faria Lima com rua dos Pinheiros ficou mais vazia após ação da PM na noite de domingo (3) Imagem: Osmar Portilho - 3.mar.2019/UOL

Nathan Lopes e Patricia Larsen*

Do UOL, em São Paulo, e colaboração para o UOL, em São Paulo

04/03/2019 17h20

Um dos símbolos da nova fase da folia paulistana, o largo da Batata ganhou protagonismo no Carnaval deste ano em razão de casos de violência. Ocorrências registradas desde as festas de pré-Carnaval fizeram com que a Prefeitura de São Paulo decidisse que, a partir de hoje, os blocos que estavam previstos para a região da zona oeste da capital paulista mudassem de lugar. 

No final de semana anterior ao Carnaval, no sábado 23 de fevereiro, a reportagem do UOL testemunhou tumultos, brigas, furtos, arrastões, e foliões desmaiando em função do álcool. Os casos fizeram com que a PM utilizasse bombas para dispersar a multidão. As cenas se repetiram nos últimos sábado (2) e domingo (3), sempre no começo da noite, no momento da dispersão dos blocos.

As ocorrências começam a partir do final dos desfiles dos blocos, na chegada ao largo da Batata. Esse é um momento em que os foliões dos blocos acabam encontrando pessoas que ficam concentradas no espaço, que, em tese, deveria servir para dispersão.

Brigas, confusões e arrastões no Largo da Batata durante o pré-Carnaval de São Paulo - Daniel Lisboa - 23.fev.2019/UOL - Daniel Lisboa - 23.fev.2019/UOL
Brigas, confusões e arrastões no Largo da Batata aconteceram no pré-Carnaval
Imagem: Daniel Lisboa - 23.fev.2019/UOL

Foi o que aconteceu no bloco de Carlinhos Brown em 2 de março. Ao chegar no largo, a reportagem testemunhou uma briga que fez o bloco parar. No local, era possível ver adolescentes cercando meninas, utilizando drogas e abusando da bebida alcoólica. 

Organizador do bloco "Me Lembra Que Eu Vou", Zé Cury esteve no largo da Batata nos primeiros dias de Carnaval. Para ele, estava difícil "ver a divisão entre folião e rolezeiro". O bloco de Cury e o "Não Serve, Mestre", tocado por Fábio Lopes, desfilariam nesta segunda na região. A prefeitura pediu, no domingo, que o local fosse alterado e, a menos de 24 horas dos desfiles, precisaram mudar sua logística para que o bloco acontecesse em um local a cerca de dois quilômetros do ponto na avenida Faria Lima.

Cury e Lopes avaliam que os foliões, em razão das ocorrências, estavam começando a fugir da região da Faria Lima. "A gente percebeu que esse pessoal do batidão está se organizando para ocupar o largo para detonar", disse Cury. Os organizadores também reclamam de falta de policiamento no local. A PM diz que conta com 5.700 agentes na capital para a segurança nos blocos, sem especificar a quantidade em cada local. 

Após blocos na Faria Lima, PM dispersa foliões na noite de sábado

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"Não oficiais"

Ao oficializar a mudança, a Prefeitura de São Paulo alegou que "eventos não oficiais" ocorreram nos momentos em que incidentes aconteceram no sábado e no domingo. Ao longo do final de semana, a reportagem notou que o público na Faria Lima neste ano era majoritariamente de adolescentes, característico de "rolezinhos". Era comum vê-los utilizando bebidas alcóolicas.

Os organizadores relataram ao UOL que presenciaram casos de facadas e tiros. A PM, porém, diz que ainda não tem um levantamento a respeito das ocorrências no local. Em contato com a reportagem ao longo do final de semana, a assessoria da corporação citou apenas registros de CDC, sigla para ações de "controle de distúrbio civil". 

A SSP (Secretaria de Segurança Pública) de São Paulo confirmou a apreensão de cinco adolescentes no domingo. Eles foram identificados por testemunhas após terem roubado celulares na Faria Lima. No sábado (2), um colombiano de 35 anos foi preso por ter roubado 58 celulares na mesma região. As prisões aconteceram por volta das 18h30 nos dois dias. Outros casos não teriam sido registrados oficialmente.

O dado de violência que motivou a prefeitura a decidir pela alteração do local dos blocos foi o de ocorrências em postos médicos no largo da Batata. Os organizadores dos blocos foram informados de que sete em cada dez atendimentos feitos eram relacionados a casos de violência. Oficialmente, a prefeitura só divulga o número total de atendimentos, sem discriminar o local e o motivo dele. Foram 404 no sábado e outros 493 no domingo.

Tenda para atendimento médico da prefeitura no largo da Batata - Daniel Lisboa - 23.fev.2019/UOL - Daniel Lisboa - 23.fev.2019/UOL
Tenda para atendimento médico da prefeitura no largo da Batata
Imagem: Daniel Lisboa - 23.fev.2019/UOL

Ao UOL, nesta segunda, o secretário de subprefeituras, Alexandre Modonezi, disse que a administração municipal, nos primeiros dias do Carnaval, percebeu que "era muito difícil manter a segurança" no largo. "Por isso, temos a decisão de mudar", citando que já havia a ideia de diminuir a quantidade de blocos na Faria Lima. "Mesmo com menos blocos, o comportamento do público foi o mesmo, por isso mudamos só ontem", disse.

Além dos blocos, quem também teve de mudar de lugar foram os vendedores ambulantes que possuem autorização da prefeitura. Fábio Alves Lima, que já havia trabalhado na folia de 2018, diz que este ano "foi muito ruim" no largo da Batata. "Tinha uma molecada de no máximo 15 anos roubando todo mundo, inclusive a gente".

A esposa dele, Juvani Alves de Lima, sempre acompanha o marido junto com a filha, de nove anos: "fomos surpreendidos por bando de moleques tentado nos roubar". Além disso, o vendedor disse que a polícia estava cercando o local com bombas de efeito moral. "Não tinha por onde escapar. Hoje, o clima está bem melhor", disse sobre a região da rua Henrique Schaumann.

Os foliões dos blocos que foram remanejados comemoraram a mudança. "Acompanho o bloco ["Não Serve, Mestre"] todos os anos, mas confesso que se fosse na Faria Lima não iria", disse a engenheira ambiental Ângela Orsi. "Estava todo mundo dizendo que a região da Faria Lima estava perigosíssima. Não iria se fosse lá", disse o doutorando Ramon Wilk.

Lopes diz que o problema não é o local, mas a estrutura montada para o evento. "O largo da Batata é o que é desde sempre", disse. Os organizadores pedem que mais segurança seja ofertada para a folia do próximo ano. Segundo Cury, que também integra o Fórum Aberto dos Blocos de Carnaval de São Paulo, diz que, para 2020, as reuniões junto com a prefeitura para organizar a folia devem começar em abril, e não agosto como das outras vezes. 

Resta saber o que se decidirá sobre ter ou não o largo da Batata no ano que vem. Organizadores e autoridades ainda aguardam o final do Carnaval para um balanço sobre a situação.

*Colaboraram Carlos Minuano, Daniel Lisboa e Mirthyani Bezerra

São Paulo