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Paraíso do Tuiuti leva "coxinhas conservadoras" e bom humor na Sapucaí

Desfile da Paraíso do Tuiuiti - Júlio César Guimarães/UOL
Desfile da Paraíso do Tuiuiti Imagem: Júlio César Guimarães/UOL

Do UOL, em São Paulo

05/03/2019 03h02

Após surpreender no ano passado com o vice-campeonato, a Paraíso do Tuiuti desfilou este ano com um enredo sobre a cultura popular cearense. Mais especificamente a respeito do bode Ioiô, um animal que fez sucesso entre o povo de Fortaleza e incomodou as elites.

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Com o samba-enredo "O Salvador da Pátria", a escola falou sobre a trajetória de um animal que flanava pela capital cearense no início do século passado e, segundo a lenda, teve expressiva votação para vereador. O desfile foi assinado mais uma vez pelo carnavalesco Jack Vasconcelos, que criticou o governo Michel Temer em 2018 com um "vampirão" como presidente.

Houve quem especulasse que o enredo seria uma referência à trajetória do ex-presidente Lula. Procurados pelo UOL após o desfile, integrantes da escola não confirmam nem negam a interpretação.

"O bode Ioiô é um personagem de origem humilde, que venceu as dificuldades da vida, ganhou o apoio popular e acabou virando um líder, mesmo sem querer. Afinal, ele apenas era um bode (risos). Mas no que ele se transforma, ao longo da história, é um excelente exemplo de como o sucesso dos humildes é mal visto e incomoda uma parcela da população", definiu Jack em entrevista ao UOL.

Vendeu-se o Brasil

A comissão de frente, um tanto mais simples e menos tecnologia do que vimos em outras agremiações na Sapucaí neste ano, foi uma síntese do enredo. Um político surge em um palanque, falando com a população e jogando dinheiro aos pobres, uma alusão também à compra de votos. Então, eis que nasce uma criança do povo, um bode, que conquista os eleitores e aparece com uma faixa presidencial -- na história original ele foi apenas vereador. Porém, em seguida, o animal é retirado do poder e a velha classe política retorna ao comando.

Bom humor

A história do bode mais famoso do nordeste -- que muitos juram de pé junto que existiu de verdade -- foi contada com muito bom humor. Um bode vestido de terno estampou alguns instrumentos usados pelos ritmistas da escola, e todos desfilaram "chifrudos" em homenagem ao protagonista do enredo. No carro "O Bode Noturno", o animal apareceu imponente e com um charuto na boca, na época em que ele percorria a capital do Ceará com os boêmios, aproveitando uma bebida aqui e acolá. Outro momento impagável foi a ala colorida "Ispilicute", termo cearense que é uma referência à frase "She's pretty cute" (ela é bem bonita), usada pelos ingleses quando estiveram na região e que entrou para a linguagem popular.

Cores fortes

A Tuiuti quis deixar claro desde o começo que o desfile seria quente. Cores pesadas, como o vermelho e o amarelo, carregaram o abre-alas "A Travessia do Sertão", inspirada nas obras de Chico da Silva. Os animais representavam o medo dos retirantes de entrar na jornada para o desconhecido, além de cactos secos para lembrar da falta de água da região. Uma bela iniciativa da agremiação também foi de colocar a velha guarda antes do carro de abertura, um símbolo da força de seus integrantes mais experientes. Cores quentes ainda foram vistas na cabeça das baianas, cujo adereço foi uma referência às trouxas usadas pelos retirantes, e em uma ala para simbolizar o chão árido e rachado do nordeste. Assim que o boi saiu do sertão e foi para a capital Fortaleza, o azul e o verde dominaram as alegorias e as alas, dando uma "esfriada" em relação à região anterior. 

Polarização

O final do desfile da Tuiuti foi reservado para mostrar a polarização atual no Brasil. De um lado estavam integrantes fantasiados de "bodes da resistência" enquanto do lado oposto ficavam as "coxinhas ultraconservadoras", como a escola definiu. As frases "Ninguém solta a mão de ninguém", usada principalmente por críticos ao atual governo de Jair Bolsonaro, "racismo não existe" e "Deus acima de todos, mas sou a favor de tortura" também apareceram na passagem da agremiação pela Sapucaí para mostrar o contraste político que existe no país.

Problemas técnicos

O desfile da Tuiuti corria muito bem até enfrentar problemas técnicos no último carro, o que resultou em um buraco após a última ala. Pela câmera aérea deu para observar os integrantes correndo para se juntarem ao grupo da frente, mas o incidente ocorreu justamente na frente dos jurados, o que pode resultar em perda de pontos para a escola. Algumas construções da mesma alegoria foram arrancadas pela organização minutos antes de sair na avenida. Nos últimos 10 minutos, também foi perceptível alguns integrantes acelerando o passo para que a agremiação não ultrapassasse os 75 minutos limites de desfile. Por fim, a Tuiuti concluiu sua passagem um minuto antes do permitido.

Veja o enredo da escola

"O Salvador da Pátria"

O meu bode tem cabelo na venta
O Tuiuti me representa
Meu Paraíso escolheu o Ceará
Vou bodejar lá iá lá iá

Vendeu-se o Brasil num palanque da praça
E ao homem serviu ferro, lodo e mordaça
Vendeu-se o Brasil do sertão até o mangue
E o homem servil verteu lágrimas de sangue

Do nada um bode vindo lá do interior
Destino pobre, nordestino sonhador
Vazou da fome, retirante ao Deus dará
Soprou as chamas do dragão do mar

Passava o dia ruminando poesia
Batendo cascos no calor dos mafuás
Bafo de bode perfumando a boemia
Levou no colo Iracema até o cais
Com luxo não! Chão de capim!
Nasceu muderna Fortaleza pro bichim

Pega na viola, diz um verso pra iô iô
O salvador! O salvador! (da pátria)

Ora meu patrão!
Vida de gado desse povo tão marcado
Não precisa de dotô
Quando clareou o resultado
Tava o bode ali sentado
Aclamado o vencedor

Nem berrar, berrou, sequer assumiu
Isso aqui iô iô é um pouquinho de Brasil

CarnaUOL