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ONGs processam Estado francês por inação climática

14/03/2019 09h08

Paris, 14 Mar 2019 (AFP) - Quatro ONGs francesas apresentaram nesta quinta-feira (14) a primeira demanda judicial contra o Estado francês por não cumprir suas obrigações no combate às mudanças climáticas, algo que já aconteceu em países como Holanda, Colômbia e Paquistão.

A iniciativa do Greenpeace, da Fundação Nicolas Hulot, da Oxfam France e da Notre Affaire à Tous (Assunto de Todos) é apoiada por dois milhões de pessoas que assinaram nas últimas semanas a petição "O Caso do Século", em referência ao aquecimento global.

O número representa um recorde para uma petição on-line na França e coincide com uma mobilização crescente da sociedade civil ante as mudanças climáticas no país, onde na sexta-feira jovens devem organizar manifestações como parte de uma iniciativa mundial. No sábado, está convocada uma "marcha do século".

As ONGs decidiram apresentar a demanda depois que pediram ao governo que se pronunciasse sobre seu requerimento e consideraram a resposta insuficiente.

"Esperamos muito tempo antes de obter uma resposta do governo, na qual não anuncia nenhuma medida nova, nenhuma reforma profunda", declarou Marie Pochon, coordenadora da Notre Affaire à Tous.

"Assim, parece natural apresentar um recurso", disse.

- "Um assunto político" -Em sua resposta de fevereiro, o governo francês rejeitou a acusação de inação e afirmou que aplicava medidas que "começavam a fazer efeito".

"Entendo que se deseje uma ação mais rápida, com mais contundência ante a mudança climática. Sou o primeiro a querer isto, e o presidente (Emmanuel) Macron, também", afirmou nesta quinta-feira o ministro da Transição Ecológica, François de Rugy.

"Mas em nenhum tribunal conseguirão reduzir as emissões de gases do efeito estufa. Antes de mais nada, este é um assunto político", completou.

Em seu recurso, as ONGs pedem ao juiz que reconheça "o não cumprimento" do Estado em termos de ação climática e "obrigue o primeiro-ministro e os ministros competentes a acabarem com a inércia".

Os demandantes querem o reconhecimento de um prejuízo moral, com o pagamento simbólico de um euro, e ecológico.

Também destacam os objetivos frustrados em termos de emissões de gases do efeito estufa - que começaram a subir novamente em 2016 -, de eficiência energética e de energias renováveis, com consequências diretas sobre a saúde e a segurança alimentar dos cidadãos, entre outras repercussões.

O recurso é baseado principalmente na Carta do Meio Ambiente de 2005 e na Convenção Europeia dos Direitos Humanos, que teve seu valor vinculante reconhecido pela Justiça.

"O valor constitucional da Carta está reconhecido e nela o direito a viver em um entorno saudável e que respeite a saúde, assim como a obrigação de vigilância ambiental a cargo do Estado", destaca Clément Capdebos, conselheiro do Greenpeace.

Uma nova jurisprudência está sendo criada ao redor do mundo.

O exemplo mais conhecido é a vitória da ONG Urgenda, que conseguiu na Justiça obrigar o Estado holandês a aumentar suas metas de redução de emissões.

Também se destacam os casos da Colômbia, onde o Supremo Tribunal reconheceu a obrigação do Estado de adotar ações após uma demanda apresentada por 25 jovens, e do Paquistão, onde um filho de agricultores conseguiu o reconhecimento do direito à vida.

De acordo com o Grantham Research Institute, 270 recursos estão sendo examinados em 25 jurisdições fora dos Estados Unidos, onde foram registrados mais de 800 casos.

E quais são as possibilidades de vitória das quatro ONGs na Justiça francesa?

"É uma questão difícil, o recurso é muito ambicioso", reconhece Capdebos, que espera a resposta do juiz em um prazo de um a dois anos.

"Temos três objetivos: o reconhecimento expresso da existência da obrigação do Estado na luta contra a mudança climática, a constatação de suas faltas legais e que seja obrigado a atuar. Pedimos muito ao juiz, mas a margem de manobra é muito ampla".

"Temos grandes esperanças, com argumentos científicos e jurídicos sólidos", acredita Pochon. "Mas não conseguiremos apenas por meio da Justiça, cada um deve atuar em seu próprio nível", afirma.

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