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Fábrica de memes: como brasileiros profissionalizaram a criação de vídeos e fotos de humor que bombam nas redes

30/03/2017 13h29

Quem usa as redes sociais tromba, inevitavelmente, com os populares memes - fotos ou vídeos curtos com frases engraçadas em letras garrafais - com frequência. Mas quem cria todo esse conteúdo que bomba na internet?

A BBC Brasil entrevistou os fundadores e administradores de algumas das maiores comunidades brasileiras de criação de memes no Facebook. As páginas mais populares, que chegam a reunir mais de um milhão de integrantes, como a South America Memes (SAM), tem até mesmo equipes responsáveis por fazer um controle de conteúdo.

A intenção é filtrar as mensagens ofensivas e copiadas de outras páginas e aprovar apenas as melhores montagens. Algumas fábricas de memes - como são chamados os grupos que recebem as imagens - chegam a ser abastecidas com até 5 mil montagens diariamente.

Para funcionar, os administradores bloquearam todas as publicações, que são liberadas apenas quando os moderadores as consideram boas, segundo sua experiência. Apenas 1% do conteúdo passa pela peneira.

O grupo "South America Memes - Máquina de Memes Aberta" tem até mesmo uma escala de horários para filtrar a produção despejada na comunidade, que tem mais de 600 mil pessoas.

O fundador da SAM, Gabriel Felix, de 18 anos, que mora no Rio de Janeiro, afirma que ele e outras 30 pessoas selecionam conteúdo 24 horas por dia.

"Os moderadores decidem o que vai ou não ser exibido no grupo. A partir dessa aprovação, quem decide o que vai para a página principal é o público. Se, por exemplo, em 15 minutos a publicação receber mil reações é porque merece ser publicada na South America Memes", diz Felix, que trabalha com marketing e quer fazer faculdade para se especializar no assunto para promover a página.

Para demonstrar apoio aos memes que eles mais gostam, os membros do grupo usam expressões como "S I N C R O N I A" e "Q U A L I D A D E", escritas em letras garrafais e espaçadas. Já na comunidade Capina Meme Factory, com 10 mil membros, a senha de aprovação é "promova".

Bruno Lopes, de 19 anos, é criador de uma das páginas mais populares dedicadas aos memes, a MemeGuy1997, e explica que os melhores produtores são promovidos a moderadores.

"Tudo é feito por pura satisfação. Nossa página é alimentada pelos próprios fãs, que se tornam moderadores quando se destacam. Mas queremos mudar isso em breve e transformar a MemeGuy em uma empresa, com funcionários que ganham para fazer o que gostam", diz o potiguar, estudante de Tecnologia da Informação.

Publicidade e dinheiro

A página Capinaremos, que atualmente tem 1,1 milhão de seguidores, surgiu após o sucesso do blog de mesmo nome, criado há dez anos pelo analista comercial Sandro Sanfelice, de 28 anos. Para ele, começar a ganhar dinheiro com a empreitada é só uma questão de tempo.

"Acredito que a monetização é a próxima etapa e virá naturalmente. Mas estamos sempre de olho nas oportunidades que surgem, como artigos patrocinados. Algo relacionado a isso que surgiu recentemente é a utilização do nosso alcance para promover eventos. Teremos nossa primeira festa, a Capina Party, no mês que vem", conta.

Sanfelice, que mora em Curitiba, diz que os memes publicados na página têm um grande compromisso com a identidade visual e respeito aos seus seguidores. Essa tática faz parte da técnica para aumentar as chances de atrair parceiros e anunciantes.

"Não permitimos piadas ofensivas, somos muito prudentes. A gente também tenta não abordar assuntos muito sensíveis, como o machismo e o feminismo", conta o universitário Nelson Monteiro, de 24 anos, administrador da Capinaremos.

O grupo ainda se preocupa em não publicar uma sequência grande de memes em um curto período para não prejudicar o alcance da página no Facebook. Isso porque a rede social limita o número de pessoas atingidas quando identifica uma sequência de conteúdos com a mesma origem ou repetidos.

O administrador da Capinaremos define os memes produzidos pelo grupo como "jornalismo voltado para o humor". Isso porque, além de ter uma produção qualificada e organizada, eles procuram usar os temas mais quentes do dia nas piadas.

"Se acabou um jogo de futebol e vimos algo engraçado ou estamos na semana de lançamento de um filme de sucesso, focamos nossa produção nesses assuntos. Esse 'timing' agrada o público da internet e isso amplia nosso alcance", explica Monteiro.

Bloqueios e migração para o YouTube

O rígido controle de conteúdo também evita que a Capinaremos tenha problemas com a política de remoção de conteúdos e de páginas do Facebook. Os administradores da SAM e da MemeGuy, no entanto, não podem dizer o mesmo.

A MemeGuy já foi banida quatro vezes - uma delas após publicar um telefone falso de um suposto integrante do grupo extremista autodenominado "Estado Islâmico" na página em abril de 2016 e incentivar pessoas a entrar em contato com ele.

Na época, muitas pessoas acreditaram na informação, inclusive veículos de comunicação, que fizeram reportagens sobre as trocas de mensagens.

Bruno Lopes, criador da página, afirmou à BBC Brasil tratar-se de uma brincadeira - o número era de um amigo que mora em Angola. O rapaz cadastrou um chip virtual e se passou por um extremista.

Procurado pela BBC Brasil, o Facebook informou que não comenta casos específicos.

Mas, para mudar a imagem do grupo e ampliar seu alcance a outras redes, Lopes começou a publicar conteúdo no YouTube.

"Quase todo dia tem vídeo nosso. Nossa página cai muito no Facebook, enquanto no YouTube temos a confiança de que nosso conteúdo vai ficar lá porque eles avisam antes de tirar e a gente mesmo exclui quando tem algo errado. No Facebook não tem aviso prévio", diz.

Lopes também passou a recusar memes que tenham discurso de ódio e palavrões.

Mas mesmo atingindo um grande alcance no YouTube, a página não rende dinheiro. Isso porque praticamente todo o conteúdo publicado tem direitos autorais de artistas e empresas - já que se trata, na maioria das vezes, de montagens -, o que impede qualquer lucro com o material.

Identidade visual

Nenhum dos produtores ou moderadores de memes recebe salário. Para eles, o que vale é a satisfação de ver suas criações e seus nomes viralizarem nas redes sociais. Por isso, as páginas passaram a se preocupar em estampar selos próprios em todas as montagens.

Gabriel Hakkinem, de 20 anos, trabalha de segunda a sexta-feira no departamento financeiro de uma empresa no Rio de Janeiro, cursa o terceiro ano da faculdade de administração e ainda administra o trabalho dos 30 moderadores da South America Memes.

Para ele, é uma vitória ver seu meme ser publicado por alguém no grupo da família do WhatsApp com o selo da página.

"Passo a manhã programando posts no Facebook e resolvendo problemas da página nos meus raros períodos livres. Eu faço meme por hobby, por paixão, e não tem dinheiro que pague. Eu só quero ter o nosso esforço reconhecido", conta.

Hakkine classifica a produção de memes como algo viciante - ele passa o dia tentando encaixar as situações que vê no cotidiano em tirinhas engraçadas.

O fundador da SAM, Gabriel Felix, afirma que reforçar a identidade da página é crucial para começar a ganhar dinheiro. Hoje, ele usa o espaço para divulgar alguns funks gratuitamente, mas pretende lucrar com a promoção dos artistas.

"Empresas estão fazendo campanhas usando memes e isso vai se tornar recorrente. Seria interessante se nós, que criamos esse segmento, entrássemos nesse mercado e criássemos uma agência de marketing para divulgar o trabalho de artistas. Já estudamos essa possibilidade e fizemos um mapeamento do nosso público para produzir um 'media kit' e demonstrar a nossa eficácia", diz.

A página da South America Memes tem um alcance semanal médio de 20 milhões de pessoas. Algumas publicações recebem mais de 30 mil reações no Facebook.

No clube das páginas mais relevantes de memes do Facebook está também a Corrupção Brasileira Memes, que tem mais de 600 mil membros.

A Aprenda Dollynez também faz sucesso ao publicar piadas com personagens retirados de uma marca de refrigerantes. Ela era muito mais popular quando se chamava Dicas Dollynho, mas foi excluída porque o Facebook considerou algumas publicações ofensivas ou polêmicas.

Por enquanto, a única renda gerada pela página é pela venda de camisetas, que custam a partir de R$ 59,90 cada. "A gente ganha muito pouco com isso. Fazemos mais pela gratidão dos membros", diz Felix.

Os grupos também querem sair do mundo virtual e aproximar seus membros no mundo real. Há quatro meses, a SAM promoveu um encontro de fãs no parque do Ibirapuera, em São Paulo - eles reuniram 200 pessoas e conseguiram arrecadar 200 kg de alimento para uma instituição de caridade da capital paulista.

O evento, segundo os donos da página, é importante para que as pessoas encontrem seus ídolos do mundo virtual.