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As aranhas e centopeias gigantes que se alimentam de grandes animais

Adrian Barnett

BBC Earth

09/04/2017 17h06

Há algo de filme de terror quando uma aranha ou um inseto ataca um bicho vertebrado. Mas esses episódios perturbadores são mais comuns do que imaginamos.

Você já deve ter visto um vídeo viral em que uma aranha australiana carrega um rato ao subir por uma geladeira. Bem, há bem mais do que isso na natureza. O registro é mesmo impressionante. A aranha exibe uma força e um poder de aderência incríveis: a superfície da geladeira é lisa e não facilita a escalada.

Mas é importante notar que a aranha provavelmente não matou o rato. A cauda rígida e a barriga estufada são pistas de que o animal já estava morto havia algum tempo. O que o vídeo mostra é uma bela demonstração de levantamento de peso.

Mas ao pesquisar a fundo no reino animal encontramos muitos exemplos de bichos horripilantes como aranhas subjugando e matando animais bem maiores do que eles.

Em artigo publicado em 2016, por exemplo, pesquisadores descrevem um episódio no Brasil em que uma tarântula (Grammostola quirogai) foi encontrada comendo uma cobra que aparentemente havia dominado e matado. A cobra tinha 39 cm de comprimento.

Esse comportamento é mais comum do que imaginamos.

Aranhas e insetos são fundamentalmente diferentes de nós porque não possuem espinhas dorsais: são invertebrados. Nós, como cães, águias, sapos e peixes, somos vertebrados --animais com espinhas dorsais.

Vertebrados podem crescer bem mais do que invertebrados. Fora do mundo de filmes B de terror, não há insetos do tamanho de elefantes. Então tendemos a pensar em vertebrados comendo invertebrados --pássaros pegando mosquitos, chimpanzés almoçando cupins-- mas não o inverso.

A ideia de um invertebrado comer um vertebrado costuma dar arrepios, por ser algo que contraria a ordem natural das coisas.

Mas a natureza não está nem aí para nossas concepções. Há muitos predadores grandes, rápidos e (muitas vezes) venenosos sem espinhas dorsais. Para eles, não importa se a presa é vertebrada: talvez a espinha deixe apenas a refeição mais crocante.

Imagem capta momento em que tarântula come cobra - Gabriela Franzoi Dri - Gabriela Franzoi Dri
Imagem capta momento em que tarântula come cobra
Imagem: Gabriela Franzoi Dri

Libélulas

Um relato recente apareceu no periódico alemão Salamandra. Em abril de 2016, biólogos no Brasil registraram os primeiros casos de larvas de libélulas comendo sapos adultos.

Larvas de libélulas são predadores aquáticos que costumam comer girinos, o que já desencadeou estratégias de defesa dessas presas. Girinos de certas espécies de sapos aceleram seu desenvolvimento em ambientes com larvas de libélula.

Outras espécies de girinos se escondem ou desenvolvem ornamentos nas caudas para evitar que as libélulas ataquem partes vulneráveis de seus corpos.

Essas larvas podem ser os "tigres" dos brejos, mas não se pensava que atacassem sapos. O novo estudo provou que fazem isso, ao menos de vez em quando. As larvas vorazes saltam nos sapos e começam a comê-los vivos.

E a lista não para aí. Também há flagrantes de ataques de libélulas adultas, como na foto famosa de uma grande libélula canadense que atacou um beija-flor em pleno ar. Não se trata, porém, de algo comum: o outro caso conhecido é de 1977.

Pássaro da espécie Empidonax virescens preso em teia de aranha - K. Nesmith - K. Nesmith
Pássaro da espécie Empidonax virescens preso em teia de aranha
Imagem: K. Nesmith

Lacraias

Outros invertebrados são predadores regulares de vertebrados. Um dos mais dedicados é a centopeia do gênero Scolopendra.

A maioria das centopeias são predadores, mas essas são ferozes. Podem ter até 30 cm de comprimento e possuem presas poderosas, que na verdade são pernas dianteiras modificadas.

Nos trópicos, algumas espécies de Scolopendra encontradas em cavernas são predadoras de morcegos.

As lacraias sobem até o teto das cavernas e se penduram pelas pernas, fortes e com garras afiadas nas pontas. Uma vez em posição, a centopeia balança o restante do corpo até o espaço de voo dos morcegos e faz a captura em pleno ar, ou então pode arrancar um morcego distraído direto da parede.

Além de morcegos, esses bichos podem ser predadores de ratos, lagartos, sapos e até cobras. E não estamos falando de cobras inofensivas: há registro de lacraias dominando espécies rápidas e tóxicas como a coral da Índia.

Uma lacraia gigante (Scolopendra viridicornis) come um morcego (Eptesicus furinalis) - Ana Carolina Srbek de Araújo - Ana Carolina Srbek de Araújo
Uma lacraia gigante (Scolopendra viridicornis) come um morcego (Eptesicus furinalis)
Imagem: Ana Carolina Srbek de Araújo

Vale lembrar que as centopeias são um dos animais venenosos mais antigos do planeta. Espécies bem parecidas com as que temos hoje já foram encontradas em rochas de 420 milhões de anos.

Mamíferos, por sua vez, só apareceram há cerca de 208 milhões de anos. Ou seja, quando os primeiros mamíferos colocaram seus narizes para fora na natureza, essas lacraias já estavam à espreita.

Além do tamanho, outra característica que torna essas lacraias dignas de filmes de terror é o veneno.

Produzido no interior das presas, o veneno dessas lacraias contém de 10 a 62 proteínas que podem, entre outras coisas, parar o coração de um animal ou atrapalhar seu metabolismo. O veneno de algumas espécies pode matar crianças, cães de grande porte e até humanos, como no caso de um militar que engoliu uma pequena lacraia por acidente.

Também parece que essas lacraias não sabem a hora de parar.

Em estudo de 2014, Dragan Arsovski e colegas relataram o caso de uma víbora que foi encontrada com o estômago aberto. A serpente de 20 cm engoliu a lacraia de 15 cm viva, mas a centopeia parece ter comido todos os órgãos internos da cobra e tentou achar o caminho da liberdade pelo corpo da víbora. E quase conseguiu.

Uma lacraia do gênero Scolopendra rompe uma víbora (Vipera ammodytes) que a havia engolido - Xavier Bonnet - Xavier Bonnet
Uma lacraia Scolopendra rompe uma víbora (Vipera ammodytes) que a havia engolido
Imagem: Xavier Bonnet

Insetos aquáticos

Ambientes aquáticos também estão cheios de predadores invertebrados.

Olhe para qualquer curso d'água no verão e você verá insetos com longas patas, saltando entre a vegetação e se equilibrando na superfície.

Eles se alimentam ao sugar as entranhas de insetos que se afogam. Mas abaixo da superfície da água, escondidos entre arbustos e folhas mortas, há escorpiões d'água, predadores de 2 cm de comprimento que comem o que aparecer pela frente.

Nos trópicos, esses insetos são mais robustos, conhecidos como besouros d'água gigantes, e podem alcançar até 12 cm.

Eles se escondem na vegetação e então atacam. Possuem um apêndice alongado na cabeça que usam para empalar a presa, injetar sucos digestivos e sugar a "sopa" resultante. As pernas dianteiras em forma de gancho são fortes e dificultam a fuga das vítimas.

Esses insetos se alimentam de peixes e girinos, e até de sapos adultos e cobras d'água. Há até um relato de um ataque a uma pequena tartaruga.

Tais insetos gigantes e as lacraias do gênero Scolopendra são predadores de emboscada. Os ataques podem ser arrepiantes, mas pelo menos a presa é morta antes de ser ingerida.

Caranguejos, contudo, não são tão piedosos. Se uma presa está no lugar errado na hora errada e não pode reagir, encara a morte diante de milhares de garras, ou pequenos cortes.

Um exemplo vem de Taiwan. Um estudo de 2005 mostrou que casais de sapos estavam sendo atacados por caranguejos da espécie Armases rubripes durante o acasalamento. Os sapos estavam muito distraídos para perceber a aproximação.

Nem girinos vivendo longe de lagos estão a salvo. Uma espécie de sapo do Panamá coloca ovos em buracos com água no alto de árvores, mas há registros desses ambientes sendo atacados por caranguejos.

Em Israel, besouros do gênero Epomis caçam jovens sapos e salamandras. Quando encontram um, saltam nas costas da presa e a mordem na base da espinha. Quando a vítima para de se mover, eles começam a se alimentar. Estudos de Gil Wizen e Avital Gastith, da Universidade de Tel Aviv, mostram que a dieta desses insetos de cor azul-escura e alaranjada é formada em grande parte por anfíbios. 

Um besouro de caverna da Polônia chamado Pterostichus niger é menos atlético na caçada. Ataca salamandras enquanto elas hibernam no subsolo e estão muito sonolentas para reagir.

Pior ainda talvez seja a morte por sanguessugas. Há casos no Brasil, Índia e sul dos EUA de sanguessugas que grudam em sapos, matando as vítimas, comendo seus ovos e ameaçando até cobras d'água.

Um besouro d'água (Dytiscus sp.) ataca um girino - Josh Van Buskirk - Josh Van Buskirk
Uma besouro d'água (Dytiscus sp.) ataca um girino
Imagem: Josh Van Buskirk

Aracnídeos

E, claro, há aranhas.

Muitas pessoas têm algum tipo de medo de aranha, mesmo quando elas comem apenas insetos como moscas. Aquele fator de terror aumenta, contudo, quando esses bichos peludos de oito patas atacam parentes mais próximos.

Um estudo de 2012 enumerou registros de 54 espécies de pássaros de 23 famílias que foram presos em teias de aranha apenas nos EUA.

A maioria dessas teias foi produzida por espécies do gênero Nephila. Fêmeas adultas têm o tamanho de um polegar humano e suas teias podem ter até três metros de largura. A maioria das vítimas eram beija-flores pesando menos de 15 gramas. Quando encontrados, já estavam enrolados e envenenados, prontos para serem sugados até o final.

Um estudo de 2007 descreveu o caso de um ferreirinho-relógio encontrado em uma teia no Brasil. A aranha Nephilengys cruentata tinha quase o tamanho do pássaro de 7 gramas.

É quase o peso de um morcego que já foi localizado preso em teia da aranha Argiope savigni, como mostrou em 2005 um relato do biólogo Robert Timm.

E aranhas também podem atacar anfíbios, como revelou um artigo de 2010 sobre uma aranha-lobo que comeu uma rã recém-saída da metamorfose.

E não há como não mencionar a aranha-golias-comedora-de pássaros, que está entre as maiores do mundo. Apesar do nome, ela raramente ataca pássaros, mas isso não significa nunca. Em 2016, pesquisadores descreveram um episódio em que essa aranha matou um pássaro que ficara preso em sua teia.

Centopeia gigante em ataque a lagarto (Cnemidophorus ocellifer) - Anthony Ferreira - Anthony Ferreira
Centopeia gigante em ataque a lagarto (Cnemidophorus ocellifer)
Imagem: Anthony Ferreira

Entendendo nossas reações

Essas aranhas gigantes trazem à tona a questão do tamanho. A maioria das pessoas fica satisfeita em ver vertebrados caçando vertebrados. Se um leão mata uma girafa, podemos sentir tristeza, mas não repulsão; e vibramos quando o filhote de iguana escapa de dezenas de cobras. Do mesmo modo, parece normal se um invertebrado caça um invertebrado: um jovem pássaro capturando uma minhoca é algo "do jogo".

Mas invertebrados comendo vertebrados é outra história. Ficamos horrorizados ao ver caranguejos comendo pequenas tartarugas ou uma lacraia gigante atacando um morcego. Parece algo errado, como se a ordem natural tivesse sido subvertida. Mas por quê?

Talvez seja porque reconheçamos instintivamente uma verdade evolutiva: outros vertebrados são mais parecidos conosco do que invertebrados.

Pode ser que nem pensemos na palavra "vertebrado", mas um cachorro é claramente mais parecido com um humano do que uma centopeia gigante. O cão tem pelos e o mesmo número de membros, e também age de maneira compreensível, demonstrando emoções conhecidas como alegria e raiva.

Na pré-história humana, poder prever o comportamento de um animal era obter segurança. Mas não entendemos os invertebrados como já deciframos cachorros, leões ou águias. Esses bichos são muito diferentes, com comportamento muito estranho e corpos muito distintos. Não possuem caudas que balançam e olhos que ajudam a traduzir suas emoções.

Talvez em algum nível mais profundo não confiemos nos invertebrados, então somos agradecidos por sua estranheza não se manifestar em ações predatórias. Isso poderia explicar porque ficamos tão abalados quando isso ocorre. Se um morcego comer uma aranha, nós mal nos levantamos do sofá; mas se uma aranha comer um morcego, talvez fujamos atrás das almofadas.

Mas seria um erro reduzir esses invertebrados a apenas uma fonte de pesadelos e filmes ruins de terror. Até essas criaturas aparentemente assustadoras estão provando ser valiosas.

Em um desses casos, os complexos venenos das centopeias gigantes estão sendo estudados a fundo pelos possíveis benefícios medicinais de suas proteínas. Até agora, compostos com grande potencial para tratamento de câncer de mama, pressão sanguínea, asma e trombose estão sob investigação. E os animais até ganharam um novo apelido: centopeias medicinais.