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Historiador diz ter decifrado um dos manuscritos mais misteriosos do mundo - mas alguns não se dão por satisfeitos

Beinecke Library
Imagem: Beinecke Library

16/09/2017 14h52

Textos que parecem mensagens cifradas, desenhos de mulheres nuas em banheiras com líquido verde, símbolos do zodíaco e desenhos de plantas e criaturas estranhas. Não é de se estranhar que estes e outros elementos, parte do conteúdo do Manuscrito Voynich - um livro ilustrado datado do período entre os séculos 15 e 16 e encontrado em 1912 pelo comerciante Wilfrid Voynich, que batiza o objeto - tenham intrigado especialistas e leigos há décadas sobre sua origem e função.

Com tamanho pequeno, 240 páginas ilustradas e uma capa de couro desgastada, o livro já foi chamado de "o manuscrito mais misterioso do mundo", de obra de extraterrestres e até de "uma farsa" fabricada por Wilfrid Voynich.

Mas no início deste mês, o historiador britânico Nicholas Gibbs diz ter chegado à resolução de tamanho e duradouro mistério. E, segundo seu artigo publicado na prestigiada revista britânica The Times Literary Supplement, a resposta é simples: o livro tinha como objetivo aconselhar sobre a saúde - principalmente a das mulheres - e é uma amostra da medicina medieval de seu tempo.

Em seu texto na The Times Literary Supplement, que ganhou o título "Manuscrito Voynich: A solução", Gibbs diz que o objeto é "um livro de referências de remédios retiradas dos tratamentos padrão do período medieval, um manual de instruções para a saúde e o bem-estar para as mulheres mais abastadas da sociedade, e que muito possivelmente foi escrito para uma única pessoa".

Latim

Se por muito tempo acreditou-se que as estranhas palavras do livro eram criptografadas, Gibbs apresenta uma explicação alternativa: elas seriam abreviações de termos do latim. Mais especificamente, seriam ligaduras tipográficas - o nome que se dá à grafia que une duas ou mais letras em um único símbolo (como Æ e &, neste caso uma união das letras "E" e "T"). Este recurso era muito utilizado na Idade Média como forma de economizar espaço e trabalho pelos escribas de então.

"Como alguém com uma longa experiência na interpretação de inscrições em latim em monumentos clássicos, nas tumbas e em chapas metálicas de igrejas inglesas, reconheci no Manuscrito Voynich sinais reveladores de um formato abreviado de latim", escreveu Gibbs.

Consultando o Léxico Abbreviaturarum de Latim Medieval (1899), de Adriano Cappelli, o historiador diz ter reconhecido no manuscrito pelo menos duas ligaduras, "Eius" e "Etiam". Diversas abreviações corresponderiam a palavras-padrão relacionadas a plantas e infusões, como aq=aqua (água), con=confundo (mistura), ris=radacis/radix (raíz). "Então, o herbário do Manuscrito Voynich deve, portanto, ser uma série de ingredientes 'simples' com as medidas necessárias".

O artigo publicado na The Times Literary Supplement traz uma imagem com duas linhas codificadas com palavras como estas.

Segundo o pesquisador, era comum que livros de referência semelhantes ao manuscrito viessem acompanhados de um índice com abreviações e os nomes correspondentes de doenças, sintomas, nomes de plantas, entre outros. Para Gibbs, porém, o que seria o índice do Manuscrito Voynich está desaparecido.

Medicina medieval

O historiador relaciona também o manuscrito a outros contextos da Idade Média, como as práticas de banho - tema bastante presente nas ilustrações do manuscrito. "Me pareceu lógico olhar para os hábitos de banho do período medieval. Ficou logo bastante óbvio que eu havia entrado na seara da medicina medieval", diz o texto de Gibbs.

Segundo o pesquisador, ilustrações de plantas, símbolos do zodíaco e diagramas eram comuns quando o tema era saúde nesta época - quando precursores clássicos da medicina como Galeno, Hipócrates e Sorano de Eféso eram reverenciados. O uso dos banhos como tratamentos era uma longa tradição, praticada por gregos e romanos e continuada na Idade Média.

"O tema central do Manuscrito Voynich é apenas uma dessas atividades, e uma de suas principais características é a presença de figuras femininas nuas imersas em algum tipo de mistura. A medicina clássica e medieval tinha divisões separadas dedicadas às queixas e doenças das mulheres, principalmente, mas não exclusivamente na área de ginecologia", escreveu o historiador no artigo.

Gibbs identificou também referências, em conteúdo e em ilustrações, a dois guias amplamente disseminados pela Europa no período medieval: o Trotula, um tratado ginecológico, e o De Balneis Puteolanis, que versava sobre os benefícios dos banhos com infusões.

Críticas

A solução dada por Gibbs, porém, não resolveu a incógnita para muitos outros especialistas. Em blogs, em fóruns e no Twitter, a publicação foi bastante criticada - em geral, acusada de não ter apresentado bases suficientes para os argumentos.

"E lá vamos nós de novo. Eu já revisei dezenas de 'soluções', e essa é tão pouco convicente quanto as últimas 3 mil", escreveu no Twitter Lisa Fagin Davis, diretora da Academia Medieval dos Estados Unidos.

Já René Zandbergen, engenheiro que administra um site sobre o manuscrito, o artigo de Gibbs foi desproporcional: um texto muito grande com apenas duas linhas do livro medieval decodificadas. "O resumo no Times Literary Supplement é realmente muito curto para fornecer qualquer análise séria", disse Zandbergen à revista The Atlantic.