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Um em cada dez aficionados por games é jogador patológico

Tatiana Pronin

Editora do UOL Ciência e Saúde

23/11/2009 08h00

Mais de 48 horas seguidas sem sair do computador. Até para o coordenador de um programa para dependentes em internet como o psicólogo Cristiano Nabuco, da Universidade de São Paulo (USP), a história causou impacto. Mas é o que passou um jovem levado pela mãe ao consultório particular do especialista recentemente. “Ele não saía do jogo nem para ir ao banheiro”, conta Nabuco. A mulher chegou a ser notificada pelo condomínio porque o garoto jogou a cueca suja de fezes pela janela.


O vício em jogos online e a própria dependência em internet ainda não foram catalogadas como doença na bíblia da psiquiatra, o DSM (Diagnostic and Statistic Manual of Mental Disorders). Mas tudo indica que esse tipo de transtorno entre para o guia nos próximos anos, como já foi recomendado pela Associação Médica Americana (AMA).

 

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Os viciados em games ficam irritados ou ansiosos quando estão fazendo outra coisa, perdem produtividade no trabalho ou na escola e deixam de se relacionar com outras pessoas para jogar mais e mais
SINTOMA DE TRANSTORNO MENTAL PODE PREVER VÍCIO EM INTERNET
DEPENDÊNCIA EM INTERNET É
UM PROBLEMA CRESCENTE
VÍCIO EM INTERNET É MAIS GRAVE
EM CRIANÇAS, APONTA ESTUDO
NÚMERO DE VICIADOS EM INTERNET CRESCE NO BRASIL E NO MUNDO
UOL CIÊNCIA E SAÚDE

Em estudo publicado este ano por um psicólogo da Universidade de Iowa State, nos EUA,  um em dez aficionados por games pode ser considerado jogador patológico. Douglas Gentile entrevistou 1.178 americanos de 8 a 18 anos e levou em consideração o grau de prejuízo que a prática trazia para vida social, escolar e familiar dos jovens.

 


“World of WarCraft”


Os preferidos dos adictos em jogos, segundo o especialista, são os MMOG (Massively Multiplayer Online Game), como o "World of WarCraft". É o caso do paciente atendido por Nabuco (e não recuperado, pois a família se mudou para outro Estado). Além de permitir a interação de milhares de jogadores ao mesmo tempo, o psicólogo relata que existe uma espécie de “mercado negro” que permite aos jovens ganharem dinheiro vendendo pontos conquistados na internet.


Não é só essa peculiaridade que faz o viciado em jogos online tornar-se parecido com o dependente de bingos e jogos de azar. Os jogadores compulsivos ficam irritados ou ansiosos quando estão fazendo outra coisa, perdem produtividade no trabalho ou na escola e deixam de se relacionar com outras pessoas para passar cada vez mais tempo jogando.


“Ganhar pontos do oponente traz uma enorme sensação de prazer”, descreve o psicólogo, também idealizador do site “O que eu tenho”, parceiro do UOL. Esse é o diferencial dos MMOGs também na opinião do engenheiro naval M.B.B., de 31 anos, um aficionado em “World of WarCraft”. “Eles são mais viciantes do que outros pelo fato de o usuário poder interagir com outras pessoas, ‘validando’ suas conquistas socialmente”, analisa.


O engenheiro conta que já passou dez horas consecutivas jogando e chegou a dormir sobre o teclado, em certa ocasião. Desde que entrou no jogo, em julho deste ano, ele já gastou mais de 550 horas online, que representam quase 25 dias em um período de quatro meses. Nem por isso ele se considera viciado: “Nunca deixei de sair ou trabalhar por causa disso, embora de vez em quando no meio do trabalho dê uma entrada de cinco minutos só para ver alguma coisa, o que eu compararia com a pausa para o café”.


Como atesta o psicólogo Guilherme Ohl, do Núcleo de Pesquisas da Psicologia em Informática (NPPI), da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica), o fator “tempo” não é o aspecto mais importante quando se considera a vício em internet, de uma forma geral. “Se a pessoa não se prejudica no trabalho, não deixa de conviver com outras pessoas e não fica ansiosa quando está fazendo outra coisa, é provável que não seja dependente”, afirma.


Relacionamentos online


Embora os jogos sejam uma fonte de dependência comum entre as pessoas que procuram o ambulatório da USP ou o serviço de orientação online promovido pelos psicólogos do NPPI, o principal deflagrador de casos ainda são as redes sociais e os comunicadores instantâneos. Como ressalta Nabuco, trocar as experiências reais pelas virtuais pode ser tentador: “Na vida, é preciso lidar com situações difíceis, enquanto que, na web, é só apertar um botão”.


Para quem perdeu o controle, a saída é ficar longe do computador, como um abstêmio? Não, responde o psicólogo, até porque as pessoas precisam cada vez mais dessa ferramenta para trabalhar. “O problema não é a internet, mas na maneira como a pessoa se relaciona com ele”, lembra. Por isso, o tratamento envolve a compreensão dos gatilhos que levam ao abuso, como a dificuldade de relacionamento, a insatisfação com o trabalho etc. Depois que a pessoa recupera a habilidade para tolerar ou enfrentar as frustrações, fica fácil ter uma relação saudável com o ambiente virtual.