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Cientistas usam rastreamento ocular para saber como crianças enxergam o mundo

Por Charles Q. Choi

The New York Times

23/08/2010 10h51

As crianças e bebês parecem "cyborgs", enquanto perambulam e engatinham ao redor da sala de brinquedos com mochilas carregando transmissores wireless e câmeras presos a suas cabeças. Cada um tem uma câmera mirada em seu olho direito e outra no campo de visão – ambas enviam vídeos a monitores próximos.

Com os vídeos combinados, o resultado é uma gravação onde traços vermelhos – como numa mira telescópica – marcam o alvo do olhar de uma criança.

Cientistas estão usando a estrutura de rastreamento ocular para aprender como as crianças enxergam o mundo, enquanto descobrem como interagir com ele. No laboratório, bebês com 5 meses ou mais engatinham e andam, atravessando um curso de obstáculos ajustáveis com declives, intervalos e degraus.

Para agregar ao desafio, algumas vezes os participantes são vestidos com calçados revestidos por teflon ou roupas com contrapesos de chumbo.

Isso pode parecer o cenário de um novo reality show da televisão, mas não há prêmios, exceto talvez para os pesquisadores. Eles esperam entender o que faz uma criança reagir a outra, como os bebês coordenam seu olhar com suas mãos e pés para navegar ao redor de obstruções ou manusear objetos, e como essas crianças muito jovens se adaptam a mudanças – como aquelas trazidas por um calçado escorregadio.

Até agora, as descobertas proporcionadas por esses rastreadores oculares (os primeiros leves o bastante para uso em crianças) sugerem que os bebês podem ser mais capazes de compreender e agir sobre o que eles veem do que se imaginava. “Rápidos olhares a obstáculos na frente deles ou nos rostos de suas mães pode ser tudo de que precisam para obter a informação desejada. Eles parecem ser surpreendentemente eficientes”, disse John Franchak, candidato a doutorado em psicologia do desenvolvimento na Universidade de Nova York (NYU).

Embora a visão possa parecer algo basicamente fácil, na verdade nós escolhemos ativamente o que olhamos, realizando de dois a quatro movimentos oculares por segundo e atingindo 150 mil em um dia, explicou Karen Adolph, também psicóloga do desenvolvimento na NYU. “A visão não é passiva”, disse ela. “Nós coordenamos ativamente nossos movimentos oculares com as ações de nossas mãos e corpos”.

Estudos de rastreamento ocular já existem há mais de um século, mas os instrumentos envolvidos eram geralmente máquinas de mesa. Os rastreadores usáveis que Adolph, Franchak e seus colegas utilizam se baseiam em dispositivos criados ao longo da última década pela Positive Science, uma empresa de Nova York, com verba do Laboratório de Pesquisa Naval dos EUA. Eles foram projetados para ajudar cientistas a descobrir coisas como a visualização de alvos camuflados por combatentes no campo. Atualmente, rastreadores oculares estão sendo usados em estudos sobre as diferenças de como geólogos amadores e profissionais mapeiam paisagens, e como as pessoas examinam sinais ao procurar uma saída durante emergências.

Para adaptar os rastreadores para crianças, cujos narizes e orelhas são pequenos demais para as versões adultas, o fundador da Positive Science, Jason Babcock, usou testeiras acolchoadas, gorros de lycra e etiquetas em velcro para manter as câmeras afixadas. O aparato pesa apenas 45 gramas, aproximadamente o peso de um bolso cheio de trocados. Como os bebês geralmente caem primeiro com a cabeça, observadores seguram correias ligadas às suas roupas para evitar que eles se machuquem com as câmeras. Mesmo assim, as crianças são livres para se movimentar.

Os cientistas recrutam pais e crianças para seu trabalho em alas de maternidade. Embora alguns bebês não pudessem ser convencidos a vestir os rastreadores, até agora os pesquisadores já testaram cerca de 70 crianças.

Comportamento natural

“A beleza deste trabalho é como ele ajuda a capturar o que as crianças estão pensando durante o comportamento natural. Como o que eles olham está relacionado às suas ações em andamento, rastrear o movimento dos olhos permite uma leitura bastante direta do que pode estar se passando em suas mentes”, explicou Mary Hayhoe, psicóloga da Universidade do Texas, em Austin, que não participou da pesquisa.

Em estudos com seis crianças de 14 meses, que podiam vagar por uma sala de brinquedos no laboratório de Adolph – repleta de bolas coloridas, bichos de pelúcia e carros de brinquedo –, os pesquisadores descobriram que, em aproximadamente um quarto dos encontros com obstáculos, os bebês conseguiam ultrapassá-los sem centrar o olhar sobre eles. “Os adultos só fixam em obstáculos por cerca de um terço do tempo, e crianças entre 4 e 8 anos focam em obstáculos durante 60% do tempo. Porém, é impressionante que os bebês consigam navegar sem olhar”, disse Franchak.

Os pesquisadores também descobriram que, durante os estudos, os bebês olhavam para suas mães em apenas 16% do tempo. Isso é incrivelmente baixo, segundo Adolph, dada a importância que um grande estudo anterior aferiu ao fato de as crianças olharem os rostos de adultos enquanto dão nomes a objetos e aprendem a linguagem.

“Essas descobertas sugerem que as crianças podem não precisar olhar por tanto tempo para obter a informação necessária, seja para pessoas ou objetos”, disse Jeffrey Lockman, psicólogo do desenvolvimento da Universidade Tulane, que não participou dos estudos. “Isso traz novas percepções sobre quanta informação eles precisam, ou a rapidez com que as crianças podem processar essas informações”.

Esses experimentos preliminares apenas arranham a superfície do que os cientistas podem descobrir a respeito das crianças com os rastreadores oculares. Por exemplo, segundo Hayhoe, aprender com que idade os bebês começam a olhar para o chão quando alguém derruba uma bola pode ajudar a entender quando as crianças se tornam capazes de prever as prováveis consequências das ações, um passo importante no desenvolvimento cognitivo.

Estudos sobre quais dicas visuais atraem a atenção de crianças com autismo, ou sobre como crianças com deficiências motoras interagem com o mundo poderiam ser úteis para acompanhar seu progresso ou desenvolver intervenções terapêuticas, disse Lockman.

“Esta é uma forma totalmente nova de fazer perguntas limitadas somente por sua imaginação”, concluiu Adolph.