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Consciência engana; inconsciente pode fazer as melhores escolhas

Felipe Falleti

Do UOL, em São Paulo

15/05/2013 06h00

Qual a melhor forma de fazer análises precisas, tomando as decisões mais corretas com consequências positivas para sua vida e seus objetivos? Dirá o senso comum que o melhor método para se posicionar em temas difíceis é pensar racionalmente.

Conselhos de amigos sensatos ou a orientação de alguém com mais experiência de vida são válidos como método de aumentar suas chances de tomar uma decisão correta. Mas, de acordo com uma série de estudos recentes, há em nosso cérebro uma inteligência que nem sempre somos capazes de acessar e, em várias situações, pode fazer a diferença entre uma decisão que nos levará ao sucesso ou nos conduzirá ao fracasso, e ele é o inconsciente.

De acordo com o médico psiquiatra Frederico Porto, a consciência muitas vezes distorce a realidade para evitar que encaremos situações de sofrimento ou, ainda, para adequar alguns fatos desagradáveis às nossas convicções mais íntimas. “Nos anos 90, um estudo acompanhou uma comunidade de religiosos que pregava o fim do mundo, em uma localidade no interior dos Estados Unidos. Quando o horário marcado para o mundo acabar chegou e nada aconteceu, vários daqueles religiosos atribuíram a salvação do mundo às orações que fizeram com seu mestre. Ou seja, ao invés de admitir o fracasso da previsão catastrófica, distorceram a realidade e reforçaram a importância de suas orações para, supostamente, salvar o planeta”, conta Porto. Segundo o pesquisador, seria muito doloroso para aqueles religiosos que abandonaram suas famílias e emprego para viver aquela experiência admitir que tudo foi em vão. Por isso, sua consciência os engana.

Há ainda situações em que a consciência humana, que opera com racionalidade, é incapaz de relacionar informações que permitam a uma pessoa chegar à melhor decisão para um problema. Um estudo feito pela Universidade de Carnegie Melon, nos Estados Unidos, reuniu 27 adultos saudáveis para uma apresentação sobre carros usados. Os voluntários foram convidados a observar as características de cada automóvel e escolher aquele que, na análise de cada um, representasse a melhor oportunidade de negócio. Enquanto assistiam à apresentação dos vendedores de carros, todos os voluntários tinham suas atividades cerebrais monitoradas por exames de imagem.

Neuromarketing e subconsciência

No livro “Você não é tão esperto quanto pensa”, do escritor americano David McRaney, o autor defende a ideia de que há um repositório de inteligência que nós ainda não acessamos e, em tese, poderia tornar toda a humanidade mais inteligente e capaz.

Num dos exemplos citados por ele no livro, um grupo de jogadores de pôquer recebe, sem saber, cartas vermelhas sempre ruins e cartas boas sempre pretas. Embora, racionalmente, os jogadores saibam que as chances de uma carta ser boa ou ruim independem de sua cor, eles passam a, de modo não consciente, preferir as cartas pretas.

“Acessar o subconsciente não quer dizer, necessariamente, que você chegará a decisões melhores, pois muitas vezes ele nos trai. Mas compreender os mecanismos que nos fazem ter essa ou aquela intuição e dominar nossa mente, certamente, nos ajudará a sermos mais espertos”, afirma Porto.

Do mesmo modo que um indivíduo pode ficar mais inteligente ao dominar sua mente, políticos e marqueteiros também podem, de posse desse conhecimento, induzir as pessoas a preferir um determinado produto ou candidato.

O psicólogo Adam Alter, professor da Universidade de Nova York, afirma que, historicamente, a indústria da propaganda tenta sofisticar métodos subliminares para convencer as pessoas de suas ideias. Uma das armadilhas clássicas do neuromarketing, diz Alter, é explorar o medo de perda das pessoas. Vendedores de serviços como assinatura de revista ou TV paga, por exemplo, optam por deixar os contratos com seus clientes em renovação automática. Se quiserem cancelar o serviço, terão que ligar para uma central e solicitar a medida. Neste momento, serão lembrados de que perderão tais benefícios, conteúdos e serviços. Como o sentimento de perda tem um apelo negativo no subconsciente humano, boa parte dos consumidores desiste do cancelamento neste momento.

Um líder político que saiba, de forma sistemática, emitir mensagens que toquem áreas da subconsciência dos eleitores terá mais chances de obter votos que outro, que apresente apenas ideias lógicas e racionais. Um novo campo do conhecimento está se abrindo. Os desdobramentos destes estudos só conheceremos no futuro. Se nossa consciência permitir, é claro.

Uma parte deles, no entanto, foi separada do grupo e convidada a fazer cálculos matemáticos propositalmente complexos. O objetivo era “ocupar” a parte racional de seu cérebro, deixando que áreas menos bem conhecidas pelos cientistas ficassem mais livres para atuar. O resultado apresentado pela pesquisa indicou que as pessoas que não estavam usando a área racional na escolha preferiram carros melhores por preços mais baixos.

A conclusão de James Burslay, pesquisador que conduziu o grupo de estudo, publicado no jornal Social Cognitive and Affective Neuroscience, foi que o grupo submetido a cálculos “distraiu” a parte mais racional de seu cérebro, deixando a análise dos itens dos carros usados para outras áreas do cérebro, conforme demonstraram exames de imagens feitos nos participantes. Neste episódio, a atuação do subconsciente ajudou as pessoas a tomar uma decisão mais sábia. Em palavras simples, o estudou comprovou a tese popular que, frente a uma questão difícil de resolver, vale a pena dar um tempo e relaxar, que a escolha correta “surgirá naturalmente”.

Pressentimentos, intuições e placebo

De acordo com o pesquisador Leonard Mlodnow, autor do livro “O Andar do Bêbado”, como esta é uma área ainda pouco conhecida do cérebro humano, as pessoas tendem a acreditar que tiveram um pressentimento ou uma intuição ao acertar em escolhas feitas de forma não racional. “Na verdade, não há um aspecto mágico por trás dessas escolhas, mas sim uma análise sofisticada feita por nosso subconsciente, que a ciência ainda não é capaz de compreender totalmente”, afirma Mlodnow.

Os poderes de ação do subconsciente são tão grandes que podem alterar reações de nosso corpo, como demonstram estudos clássicos sobre os chamados efeitos placebo e nocebo. Segundo Frederico Porto, pessoas que recebem pílulas falsas de um medicamento, muitas vezes, melhoram da doença apenas por acreditar que estão protegidas pelo remédio. Do mesmo modo, pacientes que são advertidos de que um tratamento não funcionará ou determinado exame será muito dolorido, tendem a experienciar dor e ter menor taxa de sucesso no tratamento médico, efeito chamado de “nocebo”.

“Os cientistas ainda não têm clareza de como isso ocorre, mas é evidente que nestes episódios (efeito placebo e nocebo) algumas áreas de nosso cérebro são estimuladas de forma a produzir reações de cura, dor ou piora no quadro médico. Um dos estudos mais intrigantes que vi, por exemplo, mostra pessoas sob hipnose que ouvem a frase ´agora, vou colocar uma bituca de cigarro acesa em seu braço´. Na verdade, o médico toca a pele do paciente apenas com uma caneta, mas o fato da pessoa acreditar que há algo lhe queimando faz bolhas de queimadura aparecerem em sua pele”, conta Porto.