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Distância e radiação são os desafios para viagens tripuladas a Marte

Mirthyani Bezerra

Do UOL, em São Paulo

04/12/2014 01h00Atualizada em 05/12/2014 08h50

A primeira missão tripulada ao espaço profundo desde o programa Apollo, da década 1970, com o objetivo de enviar astronautas a Marte até 2030 está sendo preparada pela Nasa (agência espacial norte-americana). O primeiro passo para a concretização desse desafio será dado nesta sexta-feira (5), com o lançamento da cápsula Orion, da base da agência em Cabo Canaveral, na Flórida, nos Estados Unidos. O lançamento estava previsto originalmente para esta quinta-feira (4), mas devido a problemas técnicos foi reagendado para as 7h05 (10h05 no horário de Brasília).

Entre a chegada dos astronautas a Marte, o que pesa no programa espacial não é a tecnologia em si e, sim, a falta de comunicação rápida e a forte radiação.

Especialistas ouvidos pelo UOL afirmam que a tecnologia para chegar ao planeta vermelho já existe e não é nova. Foi desenvolvida na década de 1970 e existe deste o final do programa Apollo. Fatores de risco, como a separação por estágios do foguete, a alta radiação e as elevadas temperaturas (cerca de 2.200°C) serão testados durante o lançamento da cápsula Orion, juntamente com o foguete Delta 4. A missão não será tripulada e dará duas voltas na órbita da Terra, alcançando 5.800 quilômetros de altitude, o que é 15 vezes mais distante do ponto em que a ISS (Estação Espacial Internacional, sigla em inglês) orbita ao redor do nosso planeta. A Orion voltará à Terra até cinco horas depois do lançamento e cairá no oceano Pacífico, perto do sudoeste de San Diego, na Califórnia, onde será capturada por um navio da Marinha norte-americana.

Para o professor do Observatório do Valongo da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Gustavo Frederico Porto de Mello, a tentativa vem com um atraso de quase 40 anos. “Já poderíamos ter chegado a Marte com a tecnologia que tínhamos nos anos 1970, que existe deste o final do programa Apollo. O que não houve foi interesse político de manter a exploração espacial iniciada durante a Guerra Fria”, afirma.

Segundo ele, naquela época, os Estados Unidos não viam a necessidade de continuar com a corrida espacial rumo a Marte porque já haviam “ganhado da Rússia”, após a chegada do homem à Lua. “Esse quadro mudou. Outras nações se desenvolveram e possuem projetos de exploração espacial próprios, como foi o caso da sonda indiana que chegou com sucesso a Marte, já na sua primeira tentativa. Não vivemos mais em um mundo bipolar”, diz.

Chegar a Marte é importante não apenas para o avanço dos estudos sobre o planeta vermelho, mas também para saber mais sobre a origem e formação do planeta Terra, segundo o astrofísico do IAG (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas) da USP, Amâncio Friaça. “Marte tem muitas semelhanças com a Terra e entre os planetas do sistema solar é o mais habitável, pois não tem uma temperatura absurdamente baixa, possui uma gravidade razoável, água em estado sólido, dimensões compatíveis e pode ter vida, ou ter abrigado vida no passado. Ir a Marte permitiria ao homem pesquisar sobre a possibilidade de vida lá, de criar uma segunda Terra”, afirma.

Para Gustavo Frederico Porto de Mello, Marte é um destino natural para o ser humano. “A Terra se tornará inabitável um dia, vai esquentar e poderá se tornar uma Vênus, porque é isso que acontece com os planetas. Então a humanidade se extinguiria. Por isso, Marte é o nosso próximo destino espacial, pois tem atmosfera, recursos minerais exploráveis e água.”

Riscos de uma missão tripulada a Marte

Chegar a Marte não será tarefa fácil. A diferença entre uma viagem à Lua e ao planeta vermelho são gritantes. Para ter uma ideia, Marte está a aproximadamente 500 milhões de quilômetros de distância da Terra, enquanto a Lua fica a 400 mil quilômetros.

Uma viagem à Lua, segundo o professor do Observatório do Valongo da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Gustavo Frederico Porto de Mello, demora três dias. “Um foguete vai e volta em uma semana”, explica. No caso de Marte, seriam seis meses de viagem de ida, um ano de missão no planeta e mais seis meses de retorno à Terra. “Além disso, o astronauta que for a Marte precisa estar bem preparado para enfrentar situações adversas, pois não há possibilidade de contato rápido com a Terra, como acontece na Lua. Ele precisará ter autonomia, suporte de vida independente, que não é necessária em uma viagem a Lua”, diz.

Ainda sobre os riscos da missão, o astrofísico da USP, Amâncio Friaça, afirma que a radiação é um risco à vida da tripulação. “Numa viagem para Marte, o astronauta receberia uma quantidade de radiação maior do que a recomendada para um homem durante toda a sua vida. Isso é muito tempo em um ambiente com forte radiação”, diz.

Apesar de ser lançada pelo Delta 4, a cápsula Orion deverá ser aparelhada ao SLS (Sistema de Lançamento Espacial), um foguete mais adequado para a exploração do sistema solar, que ainda está sendo desenvolvido pela Nasa e deve ser testado em missões futuras.