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O que determina o quanto precisamos dormir?

Arte UOL
Imagem: Arte UOL

Débora Nogueira

Do UOL, em São Paulo (SP)

23/09/2015 06h00Atualizada em 23/09/2015 16h15

Os morcegos dormem 20 horas por dia. As girafas e elefantes, quatro. Os humanos, com sorte, oito horas. Mas o que, afinal, determina o quanto um mamífero precisa dormir? A neurocientista Suzana Herculano-Houzel conseguiu chegar a uma resposta para essa pergunta universal a partir do cruzamento de dados do cérebro de 24 espécies de mamíferos, coletados durante dez anos em seu laboratório na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), com um banco de dados sobre o sono em diferentes animais. O resultado do estudo foi publicado nesta quarta-feira (23) na respeitada revista científica Proceedings of The Royal Society B.

Segundo a pesquisa, o número de horas de sono diminui universalmente entre mamíferos de acordo com a densidade de neurônios por área do córtex cerebral. Quanto menor a densidade de neurônios no cérebro, menos um animal precisa dormir. Os neurônios crescem, a densidade por área cai (onde cabiam 10, agora cabe 1, por exemplo) e os animais dormem menos, o que resulta em mais tempo para se alimentar e obter mais energia e permite um crescimento maior do corpo, na evolução. Além disso, as substâncias que induzem ao sono se acumulam mais lentamente enquanto o animal está acordado e elas têm um efeito no tempo necessário de sono de cada animal (elas ajudam o cérebro a se "auto-limpar" e ficar pronto para o próximo dia).

"Esta é a primeira vez que alguém chega a uma explicação simples que relaciona o crescimento e evolução dos mamíferos com a quantidade de sono. Conseguimos uma hipótese fisiológica com um mecanismo plausível para responder a essa dúvida", afirma a pesquisadora. "Foi essa regra que permitiu que a gente estivesse aqui, senão, ainda seríamos toupeiras, com cérebros pequenos e dormindo a maior parte do dia", brinca Suzana. 

"A lógica, ou seja, o mecanismo que eu proponho, é que os metabólitos que induzem o sono se acumulam no cérebro acordado, e são produzidos pelos próprios neurônios. No estado acordado, somente a superfície do cérebro é lavada pelo líquor. Quanto tempo o animal dura no estado acordado deve depender de quanto tempo leva para uma concentração crítica de metabólitos indutores de sono se acumular. Por isso, quanto menor a densidade de neurônios debaixo de uma certa superfície cortical, mais lento deve ser o acúmulo de metabólitos, e mais tempo o animal deve durar no estado acordado", disse. 

A evolução das espécies de mamíferos com mais neurônios no córtex cerebral diminuiu a necessidade de se dormir tanto, e com isso, cresceram as oportunidades de alimentação - levando a corpos maiores. A capacidade de sustentar um corpo maior, com ainda mais neurônios no córtex, cria uma espiral ascendente que explica por que os mamíferos vão se tornando cada vez maiores na evolução. 

Por que os bebês dormem muito?

A pesquisa pode explicar, ainda, por que os bebês dormem muito. "Quando você é pequeno, você tem uma densidade elevada de neurônios em um córtex pequeno e, por isso, dorme muito. Agora podemos dizer que os primeiros mamíferos na história evolutiva deviam dormir a maior parte do tempo e, por isso, só podiam ter corpos pequenos", explica Suzana. 

O sono longo dos bebês é causado pelo próprio desenvolvimento do cérebro. Ao nascer, há uma alta densidade de neurônios e pequena superfície cortical (já que o cérebro ainda está crescendo e já nascemos com grande parte dos neurônios que vamos precisar na vida). Conforme o cérebro amadurece, os neurônios crescem e a densidade por área cai, e os bebês passam a ficar mais tempo acordados e a comer mais. Com isso, o corpo cresce, o cérebro também, e o bebê passa a dormir ainda menos - até que o cérebro e o sono se estabilizam.

"Ao nascer, o cérebro é pequeno e tem uma densidade de neurônios extremamente elevada. Mas, conforme os neurônios crescem, a densidade cai e a superfície do cérebro aumenta - e ambas as coisas contribuem para uma densidade de neurônios por área cada vez menor, supostamente fazendo levar mais tempo para que aquela concentração crítica de metabólitos indutores de sono seja atingida, e portanto permitindo que o bebê fique acordado cada vez mais tempo", disse.

O exemplo pode ser verificado com ratos filhotes: eles dormem 95% do dia ao nascerem, mas duas semanas depois o sono é estabilizado para cerca de 12 horas por dia.

Para ler a pesquisa completa (em inglês) clique aqui