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Por que há destros e canhotos? Resposta pode estar na sua medula

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Do UOL, em São Paulo

11/05/2017 11h41

A gente não escolhe a mão que usa para escrever. A maioria das pessoas apenas se resigna com o fato de que uma das mãos é a mais habilidosa. Há mais de cem anos, os cientistas se perguntam porque a maioria das pessoas são destras, algumas são canhotas e um pequeníssimo grupo tem habilidade nas duas mãos.

Até hoje não temos uma boa explicação. As teorias existentes são as mais diversas: desde os estudos do cérebro e do funcionamento neurológico até a compreensão da influência social na determinação de qual mão é a “melhor” para escrever. Recentemente, um grupo de pesquisadores introduziu mais um argumento na polêmica. Nem cérebro, nem sociedade; o que determina que mão usamos são genes da medula.

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Medula pode ser a chave explicativa para a assimetria entre o uso das mãos esquerda e direita
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Nos estudos da área foi por muito tempo dominante a explicação da lateralidade cerebral. De acordo com essa perspectiva, o lado esquerdo do cérebro controla o lado direito do corpo e vice-versa. Como a maioria das pessoas possui uma proeminência do lado esquerdo, há um maior número de destros.

A recente pesquisa, conduzida por cientistas da Alemanha, Holanda e África do Sul, leva a uma reviravolta no entendimento sobre as causas que levam a assimetria entre o uso da mão direita e esquerda. De acordo com os estudiosos, está na medula, e não no cérebro, a chave explicativa. O estudo foi publicado na revista eLife.

A nova explicação pela medula

Os cientistas já sabiam que o feto, por volta da 13ª semana na barriga da mãe, pode apresentar preferência por chupar um dos polegares da mão direita ou da esquerda.

Contudo, o córtex cerebral, que controla os braços e mãos, não está ligado à medula espinhal desde o início no feto. Como os precursores de destreza se mostram presentes antes dessa conexão, os cientistas passaram a acreditar que a explicação estaria na medula, e não no cérebro.

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Seriam então partes da coluna vertebral, responsáveis por transmitir impulsos elétricos para as mãos, braços, pernas e pés, que determinariam quais membros são mais habilidosos. Isso dependeria da genética influenciada por fatores ambientais, como as enzimas que atuam no bebê em desenvolvimento.

Explicação clássica nasceu no século 19

A explicação dominante na ciência sobre o que faz com que usemos mais um dos lados do corpo surgiu no século 19. O neurocirurgião francês Paul Broca e seu colega alemão Carl Wernicke identificaram no hemisfério esquerdo do cérebro uma área que desempenharia papel primordial na produção da fala e na compreensão da linguagem. E fizeram uma associação entre o lado do cérebro usado para a linguagem e o lado do corpo com maior habilidade.

Essa correlação seria espelhada. Assim, os destros, que são a maioria, processam a linguagem no lado esquerdo. Com os canhotos ocorreria o inverso: a linguagem é processada no lado direito do cérebro – fenômeno que ocorreria em menor número. 

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O lado esquerdo de cérebro está associado ao processamento da linguagem; o lado direito, à percepção e criatividade
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As explicações para a existência dessa correlação variam. Para alguns neurologistas, o lado do cérebro que é dominante é maior que o outro. E, assim, controla de forma melhor o lado oposto do corpo. Já em outras análises, a evolução fez com que o cérebro, para ganhar eficiência, especializasse um dos seus lados no controle de órgãos ligados à fala, como laringe e língua, que estão posicionados no centro do corpo. Essa especialização se refletiu na lateralidade do corpo.

Somam-se a essas perspectivas as explicações que apontam para causas genéticas ou congênitas --alterações durante a gestação-- como determinantes para a definição da lateralidade cerebral da criança.

No entanto, a ciência verificou que a correlação entre lado do cérebro e lado do corpo não é perfeitamente espelhada --há pessoas que usam a mão direita para escrever e possuem mais habilidade com o pé esquerdo ou um mix de destrezas diferentes entre mãos, pés, olhos, ouvidos etc.

A relevância da influência social

Uma pessoa que escreve com a mão direita, mas prefere usar o pé esquerdo, o olho esquerdo no binóculo e o ouvido esquerdo para escutar atrás da porta pode ser um canhoto reprimido. Isso porque a sociedade e a cultura exercem pressão sobre os canhotos.

Basta notar quão poucos são os equipamentos adaptados para quem usa a mão esquerda, ou lembrar-se de escolas conhecidas por forçar as crianças a usar a mão direita para escrever.

Para antropólogos como Robert Hertz, as causas orgânicas são insuficientes para explicar a proeminência do uso da mão direita. Há significados culturais que contribuiriam para a forma dividida e hierárquica como vemos a realidade. Não é à toa que o “direito” é considerado como o correto, o sagrado, e o “esquerdo” como o errado e o “diabólico”.

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Existem leis que determinam a necessidade de quantidade mínima de carteiras para canhotos em escolas
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Quem é destro e quem é canhoto?

São diversos os parâmetros para dizer se uma pessoa possui um lado dominante. Por exemplo, o fato de alguém escrever com a mão direita não significa que possui o lado direito do corpo como “o mais utilizado”. Há muitos destros “de mão” que, durante o futebol, chutam melhor “de canhota”. E se você fosse olhar através de uma luneta, ou ouvir atrás de uma porta, qual olho, ou orelha, utilizaria? 

Por não haver consenso com relação ao que faz de uma pessoa destra ou canhota, também não há estatística definitiva de como se distribuem essas características entre as pessoas.

Assim, os destros podem compor entre 70% a 95% da população de uma localidade, enquanto os canhotos giram entre 5% a 30%. Já os ambidestros são cerca de 1%.

Tal configuração parece ocorrer em todo o mundo. Contudo, a prevalência da mão direita sobre a esquerda pode ser maior em algumas sociedades do que em outras – e o fato de a sociedade ser mais rígida em termos de costumes ou mais permissiva pode influenciar esses números.