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Por que chove tanto no Nordeste, mas o sertão continua seco?

Diego Nigro/JC Imagem/Estadão Conteúdo/Edson Ruiz/Coofiav
Imagem: Diego Nigro/JC Imagem/Estadão Conteúdo/Edson Ruiz/Coofiav

Fernando Cymbaluk*

Do UOL, em São Paulo

01/06/2017 13h27

Enquanto fortes chuvas atingem mais de 30 cidades de Pernambuco e Alagoas, a seca que já dura 7 anos persiste no interior dos Estados nordestinos. Chuvas no leste do Nordeste e o clima seco no sertão são características dessa região do país. A explicação para essa dinâmica climática está relacionada aos deslocamentos das massas de ar e alguns fatores ligados ao relevo.

O Nordeste é composto por quatro sub-regiões: a zona da mata, localizada na faixa litorânea (o nome remete à Mata Atlântica); o agreste, área de transição entre os climas úmido e seco; o sertão, caracterizado pelo clima semiárido e pela vegetação da caatinga; e meio-norte, zona de transição entre o sertão e a Amazônia. Cada sub-região possui clima e vegetação própria.

Nos últimos dias, as fortes chuvas que atingiram a área se concentram na zona da mata e em algumas cidades do agreste. Cerca de 50 mil pessoas foram atingidas pelas águas. 

Deslizamentos e enchentes causados pelas fortes chuvas deixaram Maceió (AL) em Estado de calamidade pública - Itawi Albuquerque/Futura Press/Estadão Conteúdo - Itawi Albuquerque/Futura Press/Estadão Conteúdo
Deslizamentos e enchentes causados pelas fortes chuvas deixaram Maceió (AL) em estado de calamidade pública
Imagem: Itawi Albuquerque/Futura Press/Estadão Conteúdo

Chuvas de meio do ano

Os meses de maio, junho, julho e agosto são os mais chuvosos na zona da mata e também no agreste nordestino. Essa chuva acontece no principalmente por causa do encontro de massas de ar úmidas do oceano Atlântico que sobem até o Nordeste. Ocorre um encontro entre essas massas úmidas e a massa de ar seca do continente, o que provoca as chamadas chuvas frontais.

As chuvas da última semana caíram de maneira concentrada e acima do esperado em algumas cidades. Em Caruaru (PE), por exemplo, choveu 220mm no período de 24 horas no final de semana, segundo o técnico da Defesa Civil, Kleber Aleksander de Queiroz. Em Maceió, foram 377mm de chuva em seis dias, enquanto a média esperada para o mês é de 382 mm.

As duas cidades estão entre os municípios que decretaram calamidade pública pela chuva. 

No entanto, a média de chuva na região toda ainda não está fora do esperado na região para o período. 

A ocorrência de chuvas durante a época próxima ao inverno no litoral do Nordeste deve-se ao comportamento da massa de ar úmido do Atlântico. Para entender o raciocínio, é preciso saber que regiões de alta pressão atmosférica são aquelas que dispersam umidade, deixam o ar seco e reduzem chances de chuva. E regiões de baixa pressão atmosférica são aquelas que concentram umidade, ajudam a formar nuvens e favorecem chuvas.

“No verão, a superfície continental aquece mais que o oceano e forma uma área de baixa de pressão”, explica Maicon Veber, meteorologista Cptec (Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos). Com a área de baixa pressão no continente, o ar úmido do oceano se desloca e leva chuvas para o Sudeste e Centro-Oeste.

“No inverno, acontece o contrário, a baixa pressão fica no oceano, a massa de ar se desloca saindo do continente, e a borda dela pega o litoral do Nordeste”, completa o meteorologista.

Carcaças de boi em área rural do Ceará são sinais da pior seca dos últimos anos - Evaristo Sá/AFP - Evaristo Sá/AFP
Carcaças de boi em área rural do Ceará são sinais da pior seca dos últimos anos
Imagem: Evaristo Sá/AFP

Pressão atmosférica explica secura do sertão

O sertão nordestino possui uma característica que dificulta muito a chegada de massas úmidas que provocam chuvas: a alta pressão atmosférica. “Zonas de alta pressão atmosférica são dispersoras de vento”, explica o geógrafo Márcio Castelan. “A massa de ar que vem do oceano não consegue entrar, encontra um bloqueio no semiárido”, completa.

Há, contudo, uma época do ano em que pode ocorrer chuvas nas regiões de clima semiárido do Brasil. 

“No Equador, o ar esquenta e sobe. Ao ganhar altitude, esfria, desce na região dos trópicos e se espalha. Forma assim os ventos alísios, que vão do trópico para o Equador”. O ponto de encontro entre esses ventos, a chamada zona de convergência intertropical, provoca chuvas, diz o professor. “No nosso inverno, essa zona de convergência se desloca para o Hemisfério Norte. E no verão, se desloca para o Sul e causa chuva na parte central do Brasil”, explica Castelan.

É por esse motivo que as chuvas costumam ocorrer no semiárido no início do ano, nos meses de março e abril.

Mapa meteorológico - Goes 13 - Goes 13
Mapa meteorológico mostra forte seca no sertão do Nordeste (esq.) e aproximação de massa de ar úmida do litoral da região (dir.)
Imagem: Goes 13

Por que não tem chovido nada no sertão?

A sub-região do sertão é caracteristicamente seca, com um pouco de chuva ocorrendo no início do ano. Contudo, mesmo essas poucas chuvas estão abaixo da média há 7 anos - o ano de 2011 foi o último com chuvas acima da média, e 2017 está sendo mais um ano seco.

Cerca de 24 milhões de pessoas, em 1.133 cidades do semiárido, são diretamente afetadas por esta seca, que já dura sete anos.

De acordo com Renata Tedeschi, climatologista do Cptec, a longa duração da seca deve-se a uma “combinação infeliz de vários fatores.

Houve em alguns anos, desde 2010, um aquecimento maior das águas do Atlântico Norte. “Quando isso ocorre, a zona de convergência se desloca para o Norte, fica mais próxima do Equador, e não tem convergência de umidade para o Nordeste”, explica Tedeschi.

Quando não houve esse aquecimento das águas do Atlântico, outro fator foi crucial para continuar impedindo a chegada de chuva no sertão. Trata-se do El Niño, fenômeno caracterizado pelo aquecimento das águas do oceano Pacífico e que causa alterações climáticas em diferentes regiões do globo. “O El Niño faz com que chova menos na região Nordeste”, diz a climatologista.

*Colaborou Aliny Gama, de Caruaru (PE)