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O pedaço do Brasil que guarda segredos do asteroide que dizimou dinossauros

A Pedreira Poty abriga em suas rochas marcas do megatsunami causado pelo asteroide que dizimou os dinossauros - Alexandre Albuquerque/Folhapress
A Pedreira Poty abriga em suas rochas marcas do megatsunami causado pelo asteroide que dizimou os dinossauros Imagem: Alexandre Albuquerque/Folhapress

André Carvalho

Do UOL, em São Paulo

14/07/2017 04h00

O asteroide que há 65 milhões de anos pôs fim a era dos grandes dinossauros na Terra e marcou a transição entre os períodos Cretáceo e Paleógeno, caiu na península de Yucatán, no México. A milhares de quilômetros dali, em Pernambuco, porém, há um local que guarda registros do asteroide que mudou para sempre a vida terrestre.

No município de Paulista (PE), a Mina Poty apresenta em suas rochas microesférulas (grãos de vidro microscópicos) e fragmentos de quartzos de impacto, produzidos pelo calor gerado no momento da colisão no México. Na ocasião, estes objetos foram lançados na atmosfera e posteriormente caíram, distribuindo-se por boa parte da Terra e ficando preservados em algumas áreas, como é o caso dessa localidade no Nordeste brasileiro. 

Bacia Nordeste - Arte/UOL - Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL
A área, que irá virar um geossítio --com abertura prevista para novembro, em uma parceria da UFPE com a Votorantim Cimentos, empresa proprietária da mina--, traz marcas geológicas da passagem entre os períodos Cretáceo e Paleógeno e também apresenta resquícios do megatsunami causado pelo impacto do asteroide, cujas ondas de 20 metros de altura e 112 km/h alcançaram o Nordeste brasileiro.

"Os geossítios são áreas que representam eventos marcantes da história da Terra que precisam ser preservadas para as gerações futuras", diz Alcina Barreto, paleontóloga da UFPE.

Primeiro registro encontrado na América do Sul

Esta passagem entre Eras geológicas é caracterizada pela sequência sedimentar em rochas que abriga microfósseis e fósseis de vertebrados marinhos destes diferentes períodos. É por meio da datação destes fósseis que os pesquisadores podem concluir que o local registra esta transição de eras --trata-se da primeira localidade da América do Sul a apresentar estas marcas geológicas.

O geólogo Gilberto Albertão fez a descoberta no início dos anos 1990, quando pesquisava para seu mestrado pela Universidade Federal de Ouro Preto.

"O objetivo do trabalho era verificar se em alguma bacia sedimentar brasileira nós encontrávamos evidências físicas e biológicas dessas extinções no final do período Cretáceo e essas anomalias geoquímicas e físicas que também são observadas coincidentemente neste período”, afirma o geólogo, que atua na Petrobras.

E as evidências foram encontradas. Além dos fósseis de vertebrados marinhos, algumas anomalias químicas e físicas mostravam que resquícios do asteroide que marcou a transição do Cretáceo para o Paleógeno.

Albertão explica que o impacto do asteroide na superfície terrestre levou à estratosfera microesférulas (grãos de vidro microscópicos produzidos pelo calor do impacto e lançados na atmosfera), quartzos de impacto (cristais transformados pelo choque) e anomalias de carbono. Níveis anormais de irídio, elemento químico trazido à Terra pelo asteroide, também foram registrados.

A pedreira Poty abriga em suas minas microesférulas; este grão representado na imagem mede menos de 0,2 milímetro - UFPE - UFPE
A pedreira Poty abriga em suas minas microesférulas; este grão representado na imagem mede menos de 0,2 milímetro
Imagem: UFPE
"O primeiro efeito do impacto [do asteroide] foi um grande incêndio global, em função da chegada desse corpo. O atrito do asteroide gerou um superaquecimento. E em todas as áreas desse limite que são continentais existem evidências de anomalia de carbono”, diz Albertão.

Megatsunami 'varreu' o Caribe e chegou ao Brasil

Outra descoberta do geólogo na região, que também se relaciona com a queda do asteroide que extinguiu os grandes dinossauros, foram as marcas do megatsunami que 'varreu' o Caribe e atingiu a região Nordeste do país.

"Este megatsunami tem uma característica importante que é de misturar elementos presentes em água rasa, água funda e continente”, explica Albertão. 

O geólogo detalha que as enormes ondas misturaram fragmentos de madeira, quartzo, conchas, peixes (inclusive abundantes dentes de tubarão), microfósseis e microesférulas de vidros. "É o único local do Brasil onde é possível observar isso."

Presença de fósseis de vertebrados marinhos

Representação de animais do período Cretáceo, cujos fósseis foram encontrados em Paulista (PE) - UFPE - UFPE
Representação de animais do período Cretáceo, cujos fósseis foram encontrados em Paulista (PE)
Imagem: UFPE
Entre 2004 e 2007, a paleontóloga Alcina Barreto orientou o trabalho de mestrado "Os vertebrados da Bacia da Paraíba (Cretáceo Superior – Paleoceno), Nordeste do Brasil”, da bióloga Marcia Cristina da Silva.

O trabalho estudou fósseis de vertebrados marinhos, répteis e peixes, encontrados na região. Répteis gigantes, como os mosassauros, que podem atingir até 17 metros, habitavam o local, que à época do período Cretáceo ainda era mar.

Outros animais, como os crocodilomorfos, tiveram fósseis datados do período Paleógeno encontrados na região.

"Alguns vertebrados, como os grandes répteis, se extinguiram neste período por conta da queda do asteroide. Do mosassauro, por exemplo, a ordem inteira se extinguiu. Outros animais, como tartarugas e crocodilos sobreviveram”, diz Barreto. A geóloga explica que os fósseis encontrados no local tinham equivalentes em regiões correlatas, como outras áreas do Nordeste do Brasil e do Norte da África.

No trabalho de mestrado, Márcia Cristina documentou fósseis encontrados na Pedreira Poty. Entre eles, há 18 animais do período Cretáceo: três espécies de peixes ósseos, nove espécies de peixes cartilaginosos, cinco espécies de répteis marinhos e um pterossauro. Já em relação ao período Paleógeno, são 13 espécies diferentes: dois peixes ósseos, oito de peixes cartilaginosos, uma espécie de quelônio e duas de crocodilomorfos.

Mineração, paleontologia, geologia e preservação

Mais de duas décadas depois da conclusão do seu mestrado, Albertão seguiu estudando a região, que agora está prestes a virar um geossítio. O geólogo frisa que a atuação do Ministério Público Federal de Pernambuco na questão foi essencial para que a proposta de geossítio saísse do papel e pudesse ser efetivada, através do acordo que foi estabelecido entre a mineradora e a UFPE.

"Essa intervenção foi fundamental. O que tínhamos antes eram apenas áreas de alto valor geológico levantadas, como existem mais de 200 no Brasil”, diz Albertão.

A Pedreira Poty abriga em suas rochas marcas do megatsunami causado pelo meteoro que dizimou os dinossauros - Divulgação/Votorantim - Divulgação/Votorantim
O geossítio Mina Poty ocupará um espaço dentro da área da Pedreira Poty, em Paulista (PE)
Imagem: Divulgação/Votorantim
O geólogo Rodrigo Sansonowski, representante da Votorantim Cimentos, explica que a manutenção do local ficará a cargo da empresa, ao passo que o acompanhamento de interessados em realizar estudos no local será de responsabilidade da universidade.

Uma equipe da empresa, treinada por profissionais da UFPE também irá atuar na separação de fósseis que forem encontrados na região, para posterior análise na universidade.