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Brasileiros ganham prêmio por pesquisas que substituem animais em testes

Desde 2012, o Lush Prize premia projetos científicos que viabilizam o fim de testes toxicológicos em animais - Danilo Verpa/Folhapress
Desde 2012, o Lush Prize premia projetos científicos que viabilizam o fim de testes toxicológicos em animais Imagem: Danilo Verpa/Folhapress

Larissa Leiros Baroni

Do UOL, em São Paulo

11/11/2017 04h00

Dois pesquisadores brasileiros estão entre os vencedores do Lush Prize 2017, um concurso internacional que premia projetos científicos que viabilizam o fim de testes toxicológicos em animais. Uma prática combatida por defensores dos direitos animais, mas que ainda é praticada na ciência e em testes para o desenvolvimento de cosméticos e remédios no Brasil.

Mais de 115 milhões de animais são utilizados como cobaias em laboratórios em todo o mundo, segundo um relatório da HSI (Humane Society Internacional). O número, no entanto, tende a ser ainda maior, como aponta Karl Bygrave, diretor da Lush --empresa britânica de cosméticos-- e responsável pelo Lush Prize.

"Algumas das grandes companhias que realizam estes testes, como as dos EUA, não publicam nenhuma informação. Também não há números na China (...) e em alguns países da Europa", relata Bygrave,

Na União Europeia, os testes de cosméticos em animais são proibidos desde 2009 e a venda dos produtos testados em bichinhos foi proibida a partir de março de 2013. Israel também tem uma legislação similar. De acordo com um levantamento da HSI, a proibição também tem sido considerada pela Índia e pela Coreia do Sul.

Já no Brasil, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou em 2015 uma resolução que reconhece procedimentos alternativos às técnicas que até agora se valem de animais para testar o efeito e a segurança de determinados produtos. Métodos que a partir de setembro de 2019 estarão proibidos no país.

Pesquisas brasileiras premiadas 
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Cada um dos pesquisadores ganhou 10 mil libras (cerca de R$ 43 mil)
Imagem: Divulgação

Com o desenvolvimento de modelos de pele in vitro criados a partir de impressão 3D, a pesquisadora Carolina M. Catarino se destacou entre os mais de 66 finalistas da premiação.

A biotecnóloga conta que sempre teve dificuldade em conduzir pesquisas envolvendo animais e abraçou a causa contra a metodologia quando começou a estagiar em um banco de pele. 

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Bioimpressão de pele 3D já é usada pela industria de cosméticos
Imagem: Divulgação

Agora no doutorado, no Instituto Politécnico Rensselaer (EUA) como bolsista do programa brasileiro Ciência Sem Fronteiras, ela desenvolveu uma pele melhorada que pode ser usada em testes.

"É uma melhoria dos modelos atuais, com a inclusão de uma estrutura de pele que inclui não apenas as estruturas da derme e da epiderme, mas também o folículo capilar", afirma Catarino. 

Outro brasileiro reconhecido pela organização do concurso foi o estudante de doutorado da UFG (Universidade Federal de Goiás) Renato Ivan de Ávila Marcelino, que há dez anos se dedica a estratégias alternativas ao uso de testes em animais. 

Marcelino desenvolveu um mapa molecular capaz de determinar se uma substância pode ou não causar alergia. "Indicação realizada a partir de três parâmetros: a reação das proteínas da pele, a substancia ativa do queratinócito [uma das principais células da pele] e a ativação de células dendríticas ", explica ele, que também é bolsista do Ciência Sem Fronteiras e tem realizado suas pesquisas na Universidade de Lund, na Suécia. 

Os dois brasileiros ganharam 10 mil libras esterlina (cerca de R$ 43 mil) cada. Verba que, segundo eles, vai possibilitar os avanços de suas pesquisas. 

Cortes na ciência dificultam pesquisa no Brasil 
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Mais de 115 milhões de animais são utilizados como cobaias em laboratórios em todo o mundo
Imagem: Kyoto University/Takehito Kaneko/AFP

Como aponta Marcelino, o Brasil é carente "de conhecimento, bem como de autonomia tecnologia e científica", que seriam essenciais para extinção dos testes em animais previstos para 2019. "Seria necessário, portanto, um maior investimento em pesquisas na área. Mas o que vemos no país é um movimento contrário, com um corte nas verbas destinadas à inovação", aponta o pesquisador.

Catarino também destaca a falta de recursos no Brasil e garante que não teria condições de desenvolver sua pesquisa em universidades brasileiras. "É uma área de pesquisa muito cara e, conhecendo a realidade brasileira, seria impossível desenvolvê-la por aí. O país possível profissionais de altíssimo nível, que acabam sendo podados pela falta de infraestrutura e financiamentos", afirma a pesquisadora, graduada pela USP (Universidade de São Paulo).

Do orçamento de R$ 6 bilhões proposto no começo do ano para o Ministério da Ciência e Tecnologia (fundido pela gestão Temer com o das Comunicações –tornando-se o MCTIC), apenas R$ 3,3 bilhões poderão ser usados após o corte de 44% nos recursos de livre aplicação da pasta. 

Por meio de nota, o MCTIC disse que no mês de outubro foi descontingenciado o valor de R$ 338 milhões em despesas discricionárias pela equipe econômica do governo federal, que foi destinado ao pagamento de bolsistas até janeiro de 2018. Já os valores liberados do PAC em outubro, R$ 102 milhões, serão destinados às obras do novo laboratório de luz síncrotron, o Sirius, do Satélite SGDC e da RNP (Rede Nacional de Ensino e Pesquisa).

No total, restam ainda R$ 1,342 bilhão para serem descontingenciados do orçamento deste ano em despesas discricionárias, e R$ 260 milhões do PAC. "Atuamos junto aos ministérios da Fazenda e do Planejamento pela recomposição orçamentária ainda em 2017", disse o órgão por meio de nota.