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Não é só natureza: ação humana também pode causar terremotos

Carro é destruído por destroços após terremoto, em Pohang, Coreia do Sul. Tremor foi causado por usina geotérmica - Reuters
Carro é destruído por destroços após terremoto, em Pohang, Coreia do Sul. Tremor foi causado por usina geotérmica Imagem: Reuters

Fernando Cymbaluk

Do UOL, em São Paulo

04/05/2018 04h02

Perdas causadas por terremotos não entram apenas na conta dos desastres naturais. Tremores de terra também podem ser provocados pelo homem e têm aumentado em quantidade e intensidade, à medida que se expande a atividade humana em grandes profundidades.

A exploração de óleo e de gás no subsolo ou a geração de energia a partir do calor do interior da Terra, nas chamadas usinas geotérmicas, são alguns exemplos de atividades por trás dos terremotos induzidos - isto é, aqueles que não têm causas naturais. Nessas indústrias, é comum a injeção de grandes quantidades de água no subsolo, ação relacionada a terremotos de grande intensidade. 

Os cientistas ainda tentam entender como ocorre um abalo sísmico. Alguns estudos indicam que injetar água sob alta pressão provoca tensão adicional em áreas já instáveis, desencadeando o tremor. A água também lubrifica falhas geológicas, levando ao escorregamento de camadas do solo. 

A preocupação com as consequências dessas ações cresce em países como EUA, Canadá, Suíça e Coreia do Sul. Por ocorrerem em áreas onde não há atividades sísmicas naturais intensas, os terremotos induzidos acontecem em lugares onde não são esperadas.

Foi o que aconteceu na Basileia, na Suíça, em 2009, quando um tremor de 3,4 graus na escala Richter foi registrado em decorrência de atividade de uma usina geotérmica. O país pretende expandir o uso desse tipo de energia. Em Fox Creek, no Canadá, o fraturamento hidráulico (fracking, em inglês) para extração de gás de xisto causou tremor de 4,4 graus na escala Richter em 2015. Já no interior de Oklahoma, Estados Unidos, um chacoalhão de magnitude 5,6 ocorreu em 2011 devido a operações de extração de petróleo e gás.

Tremor 2 - Getty Images - Getty Images
Usinas geotérmicas injetam água no subsolo, ação que pode provocar deslizamento de rochas subterrâneas
Imagem: Getty Images

O aumento da intensidade dos tremores induzidos leva os cientistas a acreditarem que eles podem tomar proporções cada vez maiores. Os terremotos com magnitude a partir de 3,0 graus na escala Richter já podem ser sentidos pelas pessoas. Tremores com magnitude maior do que 4,0 graus podem causar danos e a partir de 5 têm o potencial de derrubar paredes mais frágeis.

"Certamente há falhas grandes o suficiente para produzir uma magnitude 7", disse Justin Rubinstein, geofísico do USGS (Serviço Geológico dos Estados Unidos), à revista Science. Um terremoto dessa magnitude seria suficiente para causar colapso de edifícios e danos generalizados. De acordo com o USGS, 17 áreas em oito estados do país têm risco elevado de terremotos associados à exploração de petróleo e gás.

Oklahoma, por exemplo, não está no mapa dos terremotos naturais dos EUA. Ainda assim, têm riscos de curto prazo comparáveis aos dos estados tradicionais de terremotos, como Califórnia. "Esses terremotos estão ocorrendo em uma taxa mais alta do que nunca e representam uma ameaça muito maior para as pessoas que vivem nas proximidades", disse Mark Petersen, da USGS, à Science

Tremor 3 - NãoFrackingBrasil/Divulgação - NãoFrackingBrasil/Divulgação
A água usada no fraturamento de rochas para extração de gás de xisto pode causar tremores
Imagem: NãoFrackingBrasil/Divulgação

Até 2008, Oklahoma, teve aproximadamente um terremoto perceptível por ano. Em 2014, esse número subiu para quase um por dia. Os cientistas têm registrado aumento de tremores em todo o centro e leste dos EUA, todos associados ao bombeamento de água no subsolo.

Quando a terra treme onde não deveria tremer

Era completamente inesperado o terremoto que atingiu Pohang, na costa sudeste da Coreia do Sul. A cidade está longe de pontos de choque entre placas tectônicas que geram abalos sísmicos. A depender da natureza, dificilmente um terremoto ocorreria ali. Mas o chão tremeu, e com alta intensidade. Um raro terremoto de 5,5 graus na escala Richter chacoalhou a cidade em novembro de 2017, deixando 90 feridos e danos de R$ 180 milhões.

A injeção de grande quantidade de água no subsolo de Pohang por meio de dois poços perfurados para geração de energia geotérmica é apontada como grande responsável pelo tremor. Kwanghee Kim, um estudioso de terremotos, registrou uma grande quantidade de dados do momento exato do tremor. Ele monitorava a região com sensores sísmicos atrás de pequenos roncos que os cientistas já sabiam estar associados a esse tipo de usina.

"O terremoto de Pohang foi maior do que o previsto pelas teorias existentes", disse Kim à revista Science. Os aparelhos do pesquisador revelaram que o tremor começou bem embaixo do poço de 4 km de profundidade usado para gerar energia com o calor do interior da Terra. A água injetada sob alta pressão teria provocado um deslizamento de rochas no subsolo, causando o abalo que derrubou prédios e danificou estradas na superfície.

Energia "limpa" e descarte de água ligados a tremores intensos

Usinas geotérmicas têm sido construídas por países interessados em aumentar a produção de eletricidade pouco poluente. Nesse tipo de geração de energia não ocorre a queima de combustíveis. É o calor do interior da terra que aquece a água e forma vapor para girar turbinas.

A injeção de água é utilizada também para a extração de petróleo e gás presos em bolsões no subsolo e para fraturar rochas com o intuito de liberar o gás de xisto.

Mas nem todas as áreas em que essas atividades ocorrem há terremotos - como é o caso de Dakota do Norte, Costa do Golfo e Bacia de Michigan, nos EUA. Para os cientistas, isso provavelmente se deve ao fato de os fluidos não alcançarem áreas mais instáveis.

Os cientistas sabem há décadas que a injeção de fluido no solo pode aumentar as pressões dentro dos poros de formações rochosas profundas, empurrando falhas que já estão estressadas por forças na crosta terrestre além do ponto de ruptura.

Pesquisas recentes têm indicado que os terremotos ocorrem na maioria das vezes no descarte de águas residuais. Grandes volumes de água utilizada na geração de energia e operações de petróleo e gás são injetados em rochas profundas do subsolo, onde estão as maiores e mais perigosas falhas.

Tremor 3 - Reprodução/HiQuake - Reprodução/HiQuake
Projeto marca em mapa terremotos possivelmente causados por ação humana
Imagem: Reprodução/HiQuake

Estádio de futebol, grandes obras e outros indutores de terremoto

Outras atividades humanas, como o represamento de água, mineração e até mesmo um estádio de futebol lotado, podem provocar tremores, mesmo que não tão intensos. Recentemente, cientistas instalaram um sismômetro perto do estádio do Barcelona, o Camp Nou, e conseguiram medir a vibração na cidade quando a torcida comemora um gol.

Uma compilação de estudos científicos sobre tremores realizados desde 1868 foi feita por um grupo de pesquisadores, que criou um mapa de terremotos induzidos pela ação humana. O projeto, batizado de hiQuake, lista mais de 700 tremores espalhados por todo mundo.

A grande maioria dos terremotos listados é relacionada à mineração. Em segundo lugar aparecem os terremotos ligados ao represamento de água, seguidos pela extração de óleo e gás, perfuração geotérmica, descarte de água no subsolo e fraturamento hidráulico. Há ainda a explosão de bombas nucleares e construção civil, dentre outros. Essas atividades podem deslocar massa de terra e afetar áreas naturalmente instáveis, aumentando as chances de um tremor.

Os tremores apontados na compilação têm uma magnitude média baixa, entre 3 e 4 graus. O maior terremoto registrado, de magnitude 7,9 graus, atingiu Sichuan, na China, em 2008. Ele estaria associado à construção de um reservatório de água. A atividade indutora de terremotos que mais cresce no banco de dados é a injeção no solo de água residual de exploração de óleo e gás.

No Brasil são listados 18 tremores, todos relacionados à extração ou represamento de água.