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Ciência descobre por que é tão raro observar buraco negro devorando estrela

Concepção artística de um evento de ruptura das marés, que acontece quando uma estrela passa fatalmente perto para um buraco negro supermassivo, que reage com o lançamento de um jato de radiação - Sophia Dagnello, NRAO/AUI/NSF
Concepção artística de um evento de ruptura das marés, que acontece quando uma estrela passa fatalmente perto para um buraco negro supermassivo, que reage com o lançamento de um jato de radiação Imagem: Sophia Dagnello, NRAO/AUI/NSF

Do UOL, em São Paulo

14/06/2018 15h00

As cenas são monstruosas: quando uma estrela passa muito perto de um buraco negro -- região do espaço da qual nada escapa --, ela é rasgada ao meio por uma tremenda força gravitacional. Esse fenômeno é chamado pelos astrônomos de "evento de ruptura de marés". Após ser rasgada, a estrela é praticamente pulverizada no espaço, e seus detritos flamejantes brilham intensamente antes de sumirem no interior do buraco negro.

Apesar de toda intensidade e magnitude desses fenômenos de fome e fúria, sua observação é raríssima. Considerava-se que eles ocorressem a cada 10 mil anos em grandes galáxias. Essa frequência, contudo, poderá ser revisada pelos cientistas por causa de uma nova e prosaica evidência: o banquete de buracos negros devorando estrelas é sutilmente encoberto por poeira cósmica.

A equipe de Seppo Mattila, do departamento de astronomia da Universidade de Turku, na Finlândia, acompanhou por dez anos um fenômeno desses acontecendo na Arp 299, um par de galáxias em colisão localizada na constelação de Ursa Maior. As observações foram feitas a partir da captação de ondas por radiotelescópios. Os resultados da pesquisa foram publicados na revista Science desta quinta-feira (14).

Em 2005, quando os cientistas buscavam supernovas para estudar, eles descobriram um sinal na Arp 299. Inicialmente, suspeitaram que poderia ser tanto uma supernova extremamente energética -- a explosão de uma estrela cuja massa é aproximadamente dez vezes a do Sol -- quanto um raro flagra de um evento de ruptura de marés. 

O que intrigava os astrônomos era o fato de conseguirem detectar uma intensa atividade a partir de sinais em infravermelho, mas não conseguirem observar nada a partir de luz visível. A única explicação para isso era a de que havia poeira interestelar na região investigada da galáxia, que bloqueava a passagem da luz visível.

Ao longo dos anos, os cientistas constataram mudanças nas ondas de rádio e em infravermelho captadas pelos radiotelescópios. Essas emissões se transformaram em jatos proeminentes, que chamavam a atenção nas imagens geradas a partir de 2011. 

No artigo, os cientistas contam que o jato de rádio se expandiu e assumiu uma forma diferente daquela observada em supernovas. Além disso, a radiação infravermelha e a temperatura da poeira cósmica aumentaram substancialmente. "Nós interpretamos isso como um evento de ruptura de marés", dizem os pesquisadores no artigo.

Além de encobrir o momento em que a estrela é devorada, a poeira cósmica faz com que a energia liberada seja irradiada aos poucos. A saída para detectar o buraco negro em ação, portanto, foi a utilização de ondas de rádio e raios infravermelho.

A detecção de ondas de rádio e em infravermelho não dispensam outras formas de observação, como de luz visível e ultravioleta, mas representa uma alternativa importante. "Observações em diferentes faixas do espectro eletromagnético são fundamentais para melhor caracterização dos fenômenos físicos. São complementares, e quanto mais informação houver, melhor será", afirma Oswaldo Duarte Miranda, pesquisador do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que não participou do estudo publicado na Science. 

Raro ou difícil de se observar?

A raridade atribuída a fenômenos como o do buraco negro devorando estrelas pode estar associada à dificuldade de observação. Tal obstáculo pode ser explicado pela existência de material como poeira "encobrindo" nossa visão ou até mesmo pela limitação de nossos telescópios. 

"Eventos semelhantes ao ocorrido em Arp 299 podem estar escondidos em ambientes densos e empoeirados, e não seriam detectáveis por observações de ondas ópticas, ultravioleta ou raios-X", diz a equipe de Mattila no artigo da Science.

Oswaldo Miranda explica que a observação do fenômeno requer telescópios com elevada resolução. "As primeiras detecções de ondas gravitacionais foram justamente de buracos negros em coalescência [colisão de buracos negros] e derivados de estrelas de massa intermediária. Algo que antes das observações do Ligo [observatório que detectou o fenômeno pela primeira vez] acreditava-se ser muito raro", diz o pesquisador do Inpe.

"O evento de buraco negro devorando uma estrela não é raro, na minha opinião. A questão é a dificuldade de observar", completa.