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Ciência explica por que alguns alimentos são intragáveis

Edison Veiga

Colaboração para o UOL, em Milão (Itália)

20/08/2018 06h00

É raro, mas tem gente que prefere jiló a bacon. Há quem não tolere o sabor de uma cerveja e aqueles que passam longe de um prato de feijão, ainda mais se temperado com um pouco de coentro.

Um grupo de cientistas norte-americanos descobriu que o segredo do apreço a um alimento em detrimento de outro está na saliva. Por isso gosto, como diz o ditado popular, não se discute: cada um tem o seu e pronto.

A pesquisa foi apresentada nesta segunda-feira (20) em evento da American Chemical Society, em Boston, nos Estados Unidos.

"O nosso grande objetivo é, algum dia, tentar mudar a saliva das pessoas de forma a ajudá-las a ter dietas mais saudáveis", disse ao UOL a química Cordelia A. Running, especialista em alimentos, pesquisadora da Universidade de Purdue e principal autora da pesquisa.

O estudo aponta que a saliva serve muito mais do que para provar e digerir alimentos. Ela tem um papel no gosto que as pessoas sentem.

Isso porque as proteínas que compõem a saliva —que variam para cada pessoa— fazem parte de um ciclo de resposta e recompensa para o organismo. Graças a elas, o indivíduo sente prazer no sabor e, consequentemente, elege qual tipo de comida gosta no seu dia a dia.

De acordo com a pesquisa de Running, a saliva contém, além de água, milhares de proteínas liberadas pelas glândulas salivares.

Os cientistas acreditam que algumas dessas proteínas são capazes de se ligar a compostos de sabor em alimentos e também a células receptoras de gosto na boca. E isso daria sensações diferentes.

Por isso, por exemplo, algumas pessoas sentem maior adstringência do que outras quando consomem vinho tinto, chocolates e outros alimentos.

"Se um dia pudermos mudar a expressão dessas proteínas, talvez consigamos atenuar sabores tidos como 'ruins'", afirma a química.

"Por outro lado, também creio que a dieta de uma pessoa pode alterar a composição de sua saliva e, consequentemente, alterar a percepção do sabor dos alimentos", explica Running. "Isso explica por que as pessoas 'adquirem gostos' ao longo da vida, para sabores específicos."

Ou seja, pode haver um ciclo virtuoso da alimentação, desde que planejado cuidadosamente.

De ratos a pessoas

Em estudo anterior da mesma equipe, a pesquisadora Ann-Marie Torregrossa, hoje na Universidade de Buffalo, conduziu um experimento que mostrava que uma dieta amarga poderia alterar a expressão das proteínas na saliva de ratos. Essa mudança acabava alterando o comportamento alimentar dos roedores.

Em seguida, os cientistas decidiram suprimir os alimentos amargos. Aos poucos, os ratos voltaram à normalidade de seu cardápio.

Running conta que se inspirou nesse trabalho da colega para fazer algo semelhante, mas desta vez em cobaias humanas.

Sua pesquisa consistiu em avaliações sensoriais nas quais os participantes tomaram leite de amêndoa com chocolate três vezes por dia durante uma semana. A cada vez, precisavam classificar tanto a amargura quanto a adstringência.

Ao fim do processo, a saliva dos participantes foi analisada —e a composição proteica era outra. Foi observado o aumento de várias proteínas ricas em prolina, ligadas aos compostos amargos e adstringentes.

Essa transformação encontrou correlação com as análises sensoriais: à medida que tais proteínas aumentavam, as avaliações sensoriais de amargura e adstringência diminuíam.

Isto explica muito do que vemos no dia a dia. É comum que alguém não esteja habituado a ingerir pimenta, por exemplo. Começa com pouquinho, apenas para provar, vai colocando mais e chega a um ponto que tem muito mais tolerância mesmo àquelas mais fortes. Situações semelhantes são comuns a quem começa um hábito como tomar café, vinho ou mesmo saborear um bom chocolate amargo.

"Ao que parece, o corpo se adapta para reduzir a sensação negativa dos compostos amargos", avalia Running.

De acordo com a pesquisadora, a principal conclusão, portanto, é que "a saliva modifica o sabor que, por sua vez, modifica as escolhas alimentares".

De certa forma, portanto, seria possível que a escolha por determinados alimentos mais saudáveis, com o tempo, faça com que o hábito se torne mais palatável e prazeroso, facilitando a manutenção de uma boa dieta.