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O que a ciência diz sobre a parapsicologia, difundida pelo Padre Quevedo?

Grande nome da parapsicologia, Padre Quevedo morreu nesta quarta-feira - Luiz Carlos Murauskas/Folhapress
Grande nome da parapsicologia, Padre Quevedo morreu nesta quarta-feira Imagem: Luiz Carlos Murauskas/Folhapress

Marcelle Souza

Colaboração para o UOL

09/01/2019 18h53

A notícia do falecimento, nesta quarta-feira (9), do jesuíta espanhol Oscar González Quevedo, mais conhecido como Padre Quevedo, fez muita gente se lembrar das participações do religioso em quadros de TV em que ele buscava desmascarar charlatões e explicar fenômenos até então considerados sobrenaturais. 

Quevedo era o principal expoente da parapsicologia no Brasil, área que, segundo o instituto que leva seu nome, tem o objetivo de pesquisar fatos incomuns, misteriosos, relacionados com o ser humano, além de estabelecer a diferença entre os fenômenos naturais e aqueles que superam as forças da natureza. Ou seja, busca separar o "joio do trigo", mostrar o que é truque e o que é milagre, "estabelecer uma fé racional e madura", como afirma o Instituto em seu site. 

Para isso, a maior parte dos estudos da parapsicologia se concentra em fenômenos como a telepatia (transmissão de um pensamento sem uso dos sentidos), a telecinese (movimento de objetos sem contato físico), a precognição (quando alguém consegue prever algo que vai acontecer) e a clarividência (enxergar algo que está fora do seu campo visual). 

O problema é que, ao investigar esses fatos, a parapsicologia se reconhece como ciência, armando uma treta histórica com várias áreas do conhecimento. 

"A ciência trabalha com evidências e não há absolutamente nenhum conjunto de evidências ou deduções lógicas que permitam comprovar a existência desses fenômenos", afirma o professor Paulo Alberto Nussenzveig, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo. 

Muitos anos de embate 

Apesar da descrença da comunidade científica, faz bastante tempo que começaram os estudos para tentar desvendar situações misteriosas para a maior parte da população. 

A parapsicologia surgiu no século 19, mas foi no início do século 20 que o botânico Joseph Banks Rhine e o psicólogo William McDougall decidiram adotar o termo para se referir ao que eles consideravam uma nova linha da psicologia. 

A ideia de Rhine era comprovar a existência de poderes extra-sensoriais e, para isso, escreveu livros e publicou pesquisas que realizou sobre o tema. O problema é que muitos desses estudos foram fortemente questionados anos depois, tanto pela falta de dados quanto pelas condições dos sujeitos pesquisados. 

Um dos estudos realizados pelo Rhine  Research  Center, da Universidade Duke, nos Estados Unidos, e publicado em 1943 no periódico Journal of Parapsychology, avaliou a capacidade de 50 crianças de comunidades nativas do Canadá de adivinhar o que estava escrito em um cartão. 

Além de não terem o consentimento dos pais, algo até comum naquela época, os pesquisadores davam doces às crianças, que tinham a partir de 6 anos, para convencê-las a participar do estudo. 

Segundo o jornal "The Washington Post", elas eram selecionadas de escolas aborígenes que funcionavam no Canadá, onde não tinham contato com a família e viviam em condição de miséria. Quando a história veio à tona, em 2015, o jornal chamou o experimento de "bizarro, cruel e antiético". 

Antes que o mundo científico tivesse conhecimento dos métodos adotados por Rhine, no entanto, muita gente tentou provar que esses fenômenos sobrenaturais existiam mesmo. 

Um dos esforços mais significativos foi da CIA (agência de inteligência do governo dos Estados Unidos), que em plena Guerra Fria resolveu fazer testes para criar um grupo de "paranormais espiões" para tentar descobrir e se antecipar às estratégias da União Soviética. 

Quase duas décadas depois, o projeto foi encerrado porque era considerado caro e não deu os resultados esperados. 

É ciência?

Assim como o governo dos Estados Unidos acreditou, muita gente atribui resultados inesperados a fenômenos investigados pela parapsicologia. 

Para a maior parte da comunidade internacional, no entanto, esses estudos não devem ser tratados como ciência. E isso se justifica por dois motivos. 

Primeiro porque muitos estudos realizados pela parapsicologia não teriam sido realizados nas condições adequadas, alterando a qualidade dos resultados e dificultando a checagem dos dados, como no caso de Rhine.

A segunda explica é que boa parte dos estudos da parapsicologia trabalharia com fatos raros, mas já contemplados estatisticamente. Quer um exemplo? Ganhar mais de uma vez na loteria. Para a ciência, é muito difícil, mas pode sim acontecer. 

"Muitas vezes a parapsicologia se fixa em pequenas anomalias estatísticas, explicadas pelas leis de probabilidade. Se for um efeito real, ele é ridiculamente pequeno, não serve para nada, é inútil", diz Carlos Orsi, diretor do Instituto Questão de Ciência e editor da publicação de mesmo nome, voltados a combater o que chamam de "pseudociência".

Mas e aquele sonho premonitório? Para a ciência, é coincidência. E o cara que entorta colheres na TV? Esse o Padre Quevedo mesmo disse que era truque. E os milagres que você já ouviu falar? "Quando se trata de crença, é algo cientificamente irrefutável, parte de um dogma, e se não tem evidência contra aquele dogma, você pode ou não acreditar", diz o professor da USP.