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Árvore genealógica humana ganha novos galhos

Em foto divulgada pelo Museu de História Natural de Cleveland, nos EUA, o pesquisador Yohannes Haile-Selassie aponta para um fragmento de maxilar encontrado por sua equipe durante escavações na Etiopia. Segundo a equipe de pesquisadores, esse fragmento pertence uma nova espécie humana completamente nova que teria vivido entre 3,3 milhões e 3,5 milhões de anos . Eles batizaram a espécie de Australopithecus deyiremeda  - Yohannes Haile-Selassie/Cleveland Museum of Natural History via The New York Times
Em foto divulgada pelo Museu de História Natural de Cleveland, nos EUA, o pesquisador Yohannes Haile-Selassie aponta para um fragmento de maxilar encontrado por sua equipe durante escavações na Etiopia. Segundo a equipe de pesquisadores, esse fragmento pertence uma nova espécie humana completamente nova que teria vivido entre 3,3 milhões e 3,5 milhões de anos . Eles batizaram a espécie de Australopithecus deyiremeda Imagem: Yohannes Haile-Selassie/Cleveland Museum of Natural History via The New York Times

Carl Zimmer

08/06/2015 17h52

Para os cientistas que estudam a evolução humana, os últimos meses foram vertiginosos. Em um curto intervalo de tempo, novas equipes revelaram ossos ou ferramentas de pedra recém-descobertos, levando os pesquisadores a repensar o que sabemos sobre a história humana primitiva.

Na semana passada, aconteceu novamente. Yohannes Haile-Selassie e colegas do Museu de História Natural de Cleveland relataram ter encontrado uma mandíbula na Etiópia que pertenceu a um parente humano antigo e que viveu entre 3,3 milhões e 3,5 milhões de anos atrás. Segundo eles, a mandíbula pertence a uma nova espécie, por eles batizada de "Australopithecus deyiremeda".

Embora alguns especialistas concordem, os céticos argumentam que a mandíbula pertence a uma espécie familiar de hominídeo, conhecido como "Australopithecus afarensis", que existiu de três milhões a 3,9 milhões de anos atrás.

Estudos do gênero acrescentam novo combustível ao debate sobre o ritmo da evolução humana. Pesquisadores agora acreditam que a arvore genealógica humana produziu galhos exuberantes desde cedo.

"Isso nos faz parar e repensar em tudo", afirmou Carol V. Ward, paleoantropóloga da Universidade do Missouri.

Na década de 1990, os traços gerais da evolução humana pareciam bem definidos. Os primeiros ancestrais humanos, conhecidos como hominídeos, evoluíram a partir de um ancestral comum compartilhado com o chimpanzé, cerca de seis ou sete milhões de anos atrás. Esses hominídeos eram macacos bípedes baixos, com cérebros pequenos e braços e pernas ainda adaptados para subir em árvores.

Os especialistas acreditavam que até três milhões de anos atrás não existiam muitas espécies de hominídeos. Na verdade, pesquisadores argumentavam que a maioria dos fósseis pertencia à mesma espécie.

Em 1974, o paleoantropólogo Donald Johanson e colegas encontraram um esqueleto quase completo de 3,4 milhões de anos na Etiópia, ao qual deram o nome de Lucy. A espécie foi batizada "Australopithecus afarensis", e muitos mais exemplares foram achados, com idades variando de 3,9 milhões a três milhões de anos atrás.

Os cientistas achavam que a evolução dos hominídeos se tornou mais complexa há apenas 2,4 milhões de anos. Novas espécies se afastaram do "Australopithecus afarensis", com pelo menos algumas delas coexistindo na África.

Alguns hominídeos desenvolveram mãos ágeis, as quais usaram para fazer ferramentas de pedra para extrair a carne de animais. Por fim, se transformaram em altos caminhadores de longas distâncias. Esses hominídeos pertenciam ao gênero "Homo", que produziu nossa própria espécie cerca de 200 mil anos atrás.

Entretanto, com novas descobertas como o "Australopithecus deyiremeda" essa história de milhões de anos pode precisar ser alterada.

Em 1995, Ronald J. Clarke e colegas da Universidade de Witwatersrand, campus de Johanesburgo, encontraram fósseis de "Australopithecus" em uma caverna sul-africana. Embora os fósseis ainda precisem ser formalmente batizados, Clarke e colegas começaram a se referir à suposta nova espécie como "Australopithecus prometheus".

Recentemente, Clarke e colegas utilizaram novos métodos para datar a camada de rocha na qual os fósseis estavam presos. Em abril, eles informaram que o "Australopithecus prometheus" tinha 3,67 milhões de anos.

Outro possível contemporâneo do "Australopithecus afarensis" morava no Quênia. Em 2001, pesquisadores relataram a descoberta de um crânio de hominídeo de rosto chato de 3,5 milhões de anos, batizado "Kenyanthropus platyops".

E antes mesmo do anúncio de quarta-feira, Haile-Selassie já contribuíra para o debate sobre a antiga evolução hominídea. Em 2012, ele e seus colegas relataram a descoberta de ossos do pé de 3,4 milhões de anos, na Etiópia, de um hominídeo desconhecido.

Os longos dedos do pé parecem mais bem adequados a escalar árvores do que os do "Australopithecus afarensis", sugerindo que pertenciam a uma espécie diferente. Até os cientistas conseguirem descrever mais ossos do esqueleto, ela continuará uma espécie sem nome.

Esses hominídeos primitivos podem ter sido mais mentalmente sofisticados do que se pensava, constataram os cientistas. Até agora, as ferramentas de pedra mais antigas já encontradas datavam de 2,6 milhões de anos – cerca de 400 mil anos depois da extinção do "Australopithecus afarensis".

Porém, na semana passada, Sonia Harmand, da Universidade Stony Brook, em Nova York, e colegas relataram a descoberta de ferramentas no Quênia com idade estimada em 3,3 milhões de anos. Os pesquisadores sugeriram que as ferramentas foram feitas pelo "Kenyanthropus" porque os fósseis vêm das pedras da mesma idade e da mesma região onde as ferramentas foram encontradas.

Carol Ward, da Universidade do Missouri, disse que as provas reunidas até agora apontavam para uma explosão bem anterior da diversidade hominídea. "Isso muda nossa visão da evolução humana de forma fundamental."

Quatro ou mais espécies podem ter coexistido com o "Australopithecus afarensis". Alguns cientistas dizem que elas se especializaram em formas diferentes de obter comida, talvez com ferramentas de pedra recém-descobertas. Ou podem ter competido entre si.

As ferramentas também dão a entender que pelo menos alguns desses hominídeos primitivos eram capazes de pensamento mais complexo do que se acreditava. "As ferramentas de pedra representam uma sofisticação no modo como utilizam e manipulam objetos", disse Carol.

Cientistas também ofereceram novas explicações sobre a transição do "Australopithecus" ao "Homo". Em março, Kaye E. Reed e colegas da Universidade Estadual do Arizona, relataram ter encontrado o fóssil de "Homo" mais antigo, datando de 2,8 milhões de anos. Ele tem características anatômicas encontradas somente no "Homo", tais como molares estreitos. Já outros traços, como o queixo arredondado, o fazem parecer mais com o "Australopithecus afarensis".

Carol disse que os cientistas agora devem localizar as origens do "Homo" em uma das várias espécies de hominídeos que podem ter vivido entre três e quatro milhões de anos atrás – e descobrir por que as outras espécies se extinguiram.

Entretanto, alguns especialistas em hominídeos não estão convencidos de que o caminho para o "Homo" deu tantas voltas. Tim D. White, paleoantropólogo da Universidade da Califórnia, campus de Berkeley, argumenta que a maioria dos novos estudos foi publicada apressadamente sem uma cuidadosa revisão de colegas.

Por exemplo, a data de 3,3 milhões de anos para as ferramentas de pedra antigas "pareciam bastante superficiais", disse White. Para ele, elas podem ter sido feitas centenas de milhares de anos mais tarde.

White também duvida que os novos fósseis representem novas espécies. Ele suspeita que a maioria deles, incluindo o "Australopithecus deyiremeda", seja apenas "Australopithecus afarensis".

"A espécie da Lucy ganhou mais alguns fósseis", ele declarou a respeito do anúncio realizado na quarta-feira.

De acordo com White, as peculiaridades anatômicas descritas pelos outros cientistas não são mais diferentes do que as variações encontradas dentro de espécies vivas de macacos. Ele alertou que quando cientistas encontram um fóssil, é fácil tirar da proporção variações menores.

"Um pedaço de mandíbula não quer dizer muita coisa. Quando se tem pequenas amostras, corre-se um risco muito real de caracterização errônea."

Para White, seria mais sensato presumir que os novos fósseis pertenceram a espécies documentadas, como a "Australopithecus afarensis", em vez de criar hipóteses sobre espécies diferentes a cada fóssil novo. Em seu entender, a evolução humana não é a árvore cheia de galhos descrita por Carol.

"Um cacto arborescente seria a metáfora", disse White.

Até mesmo Carol espera que os cientistas um dia decidam que algumas das "espécies" novas não são espécies. Ainda assim, ela prevê que os primeiros hominídeos continuariam sendo mais diversos do que se costumava acreditar.

"Havia pelo menos dois hominídeos coexistindo, e talvez mais três ou quatro, o que é empolgante e importante mesmo que o fato seja descartado."